"Constroem o próprio caixão": há proprietários a colocar em risco sísmico os próprios prédios

27 ago, 08:00
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As pessoas são muitas vezes as suas próprias inimigas com as obras que fazem dentro de casa. "O que mata não são os sismos, é a construção"

O sismo que se fez sentir na madrugada desta segunda-feira fez soar os alarmes acerca da segurança sísmica em Portugal e os especialistas são unânimes: Portugal está numa zona sísmica e um terramoto de maiores dimensões é inevitável. Mas nem tudo são más notícias e há muito que pode ser feito, embora muitas vezes, em termos de segurança sísmica, os próprios proprietários sejam os seus principais inimigos.

“Vão existir, no futuro, sismos de grande magnitude que vão causar muitos danos e bastantes vítimas e temos de nos preparar. Temos de ser conscientes de que esta é uma realidade à qual não escapamos. Nós vivemos numa zona sísmica”, sublinha à CNN Portugal José Azevedo, especialista em engenharia sísmica.

Para agravar a situação, as cidades portuguesas têm uma complexa combinação de edifícios, pontes e infraestruturas construídos em diferentes décadas, com recurso a diferentes materiais de construção e a diferentes técnicas. A situação é mais complexa nas áreas históricas das cidades, onde costuma existir uma maior concentração de prédios antigos, edificados antes de existir qualquer lei para a atividade sísmica.

Nestas zonas, muitas vezes são os próprios habitantes dos prédios antigos que acabam por ser responsáveis pela diminuição da segurança sísmica dos prédios onde vivem ao eliminar paredes em estruturas antigas para poder expandir uma das divisões da casa. José Azevedo afirma que muitas dessas paredes são “essenciais à resistência da construção” e que quem o faz está “a construir o seu próprio caixão”, pondo em causa não só a sua habitação como a dos vizinhos de outros andares.

"O que mata não são os sismos, é a construção"

Os especialistas defendem que os proprietários e os consumidores devem ser mais exigentes, tanto com as autoridades como com quem constrói, e exigir muita proteção sísmica nas estruturas. Humberto Varum, especialista em engenharia sísmica, sugere também uma postura mais proativa por parte dos proprietários de habitações construídas antes da década de 90 e que podem apresentar um maior risco sísmico. Estas pessoas devem solicitar uma consulta aos engenheiros civis especialistas sobre segurança sísmica e, se necessário, investir na segurança. “Temos empresas e gabinetes técnicos individuais muito preparados nestas matérias”, refere.

“Do ponto de vista da construção, há um grande caminho a fazer. Há muita construção antiga. O que mata não são os sismos, é a construção. Tanto quanto julgo saber, existem problemas sérios desse ponto de vista. Existe um conjunto de construções muito antigas muito mal preparadas”, acrescenta o geólogo Filipe Rosas, acerca das habitações mais envelhecidas.

Os especialistas defendem também que é preciso exigir cada vez mais fiscalização das estruturas, para garantir que a aplicação das normas está a ser cumprida, quer nos prédios novos quer nas estruturas reabilitadas. “O conhecimento evoluiu bastante, existem novos materiais, novas técnicas, o conhecimento com base de outros sismos. Estas normas tendem a promover mais a segurança nos nossos prédios.”

José Azevedo defende que o Estado português não tem recursos suficientes para reabilitar todas as estruturas do país de acordo com as mais recentes normas da proteção sísmica e, por isso, defende que os decisores políticos devem definir as estruturas que servem toda a população e que não devem, de forma alguma, ficar em risco quando acontecer um sismo de grandes dimensões no nosso país.

“É preciso haver um esforço de fiscalizar tudo o que é construído, sabendo que é construído com as regras apropriadas. É importante usarmos tudo aquilo que é hoje tecnologicamente mais avançado para proteger estruturas especiais, como hospitais, escolas, tudo aquilo que é mais importante do ponto de vista coletivo. Temos de dar prioridade ao que é mais importante”, frisa o especialista em engenharia sísmica.

68%: preocupante

Mais de 68% dos edifícios da Área Metropolitana de Lisboa foram construídos antes da legislação de proteção sísmica ser aplicada. De acordo com os Censos de 2021, há na região mais de 306 mil habitações construídas entre 1919 e 1990, ano em que começaram a ser construídos os primeiros prédios que contemplavam as leis de proteção sísmica.

A primeira legislação sobre o tema surgiu em 1958 e obrigava ao cálculo sísmico das construções, que forçava todos os edifícios a estarem preparados para resistir a sismos. Anos mais tarde, depois de dois eventos sísmicos mortais em Portugal, em 1969 e 1980, Portugal atualizou a legislação em 1983, que tornou mais exigente a construção no país, de forma a tornar os edifícios mais resilientes contra este tipo de eventos.

“A partir de 1980, todos os edifícios projetados em Portugal têm de seguir legislação antissísmica. Os edifícios que foram construídos a partir do final da década de 80 têm à partida níveis de resiliência superiores a eventos sísmicos. Edifícios anteriores a essa data temos de ter cautela acrescida”, afirma o presidente da Ordem dos Arquitetos, Avelino Oliveira.

Mas o engenheiro Humberto Varum, da Ordem dos Engenheiros, explica que depois da aprovação das novas medidas de segurança existiu um período de preparação para as novas normas que, na prática, significa que só a partir do início da década de 90 é que Portugal começou a construir “com níveis de segurança bem superiores” aos que existiam até então.

Quarenta anos mais tarde, em 2020, Portugal voltou a alterar a legislação sísmica ao transitar para o Eurocódigo 8, um conjunto de normas europeias que tem como prioridade garantir que as novas construções protegem vidas, limitam os danos e que garantem que estruturas civis importantes permaneçam operacionais mesmo em caso de um evento sísmico. “O conhecimento evoluiu bastante, existem novos materiais, novas técnicas, o conhecimento com base de outros sismos. Estas normas tendem a promover mais a segurança nos nossos prédios”, conclui Humberto Varum.

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