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Uma casca de melão para cada português

31 mar 2023, 21:22

Conferências de imprensa, consultas públicas, pactos de sector, entrevistas, digressões. Eventos, para citar Macmillan, eventos. Com a singular característica de nada acontecer a partir deles, além deles ou por causa deles. 

Exagero? Infelizmente não, se observarmos ao pormenor, melão a melão. 

O pacote de habitação, suposta alavanca da ressurreição da maioria, quantas casas constrói? Além das já previstas no PRR? Nenhuma. E destas, quantas são destinadas à classe média? Zero, a não ser que empobreça de tal maneira que acabe candidata a habitação social. E quanto acrescentarão ao parque habitacional do Estado? Pense num número, caro leitor, que será menos. 0,5%, aos já modestos 2% com que o Governo conviveu durante sete anos.

Não é nada - e antes de 2026 ainda menos do que nada será. 

E o arrendamento coercivo, o tão falado e badalado arrendamento coercivo?, perguntar-me-ão, expectantes. Quantas casas colocará no mercado, já que o Estado não está disponível para as construir? 

Assumindo que passa o crivo de Belém e do Tribunal Constitucional, provavelmente nenhuma. É isso mesmo, caro leitor, se fizermos as contas. Um ano até a casa ser declarada devoluta, dois anos para a decisão da respetiva autarquia sobre o imóvel e já estaremos alegremente em 2026, ano em que mudaremos de Governo ou teremos um demasiado interessado em lá ficar para expropriar seja quem for. 

O mais provável, e eu apostaria nisso, é que nesta legislatura nem uma única casa seja arrendada à força em Portugal. 

Entretanto, andámos um mês entretidos a debater uma medida que, no mandato deste Governo, não terá sequer existência digna desse nome. "Melão", chamou-lhe o Presidente da República, manifestamente generoso na apreciação. Nem uma casca é. É fumaça. Grainha. Sem sumo. 

A inconsequência, na descida do IVA para os produtos do cabaz alimentar, é semelhante. 460 milhões de euros para a medida extraordinária, anunciou o Governo, de mão no peito. Parece muito dinheiro. E é. Mas chegará realmente às pessoas? 

Segundo os cálculos da economista Susana Peralta, representará uma poupança mensal de uns escassos 8 euros para os 20% mais pobres do país. Miguel Faria e Castro, também economista, chama a atenção para o facto de 56% dos beneficiários serem "quem menos precisa" e não as famílias mais afetadas pela perda de poder de compra.

Mais uma vez, é melão sem recheio, mascarado de salvação.

O Governo, ávido de voltar à vida depois da crise política da TAP, faz o que pode - e é isso que explica as encenações em torno do vazio. É política, não são políticas. Com a concretização demorada do Plano de Recuperação e Resiliência e a instabilidade financeira global, a perceção de movimento é o único movimento possível.

A execução orçamental próxima do superavit, acompanhada das reservas de Bruxelas em redistribuir transversalmente esse excedente, exige que o Governo mostre que se mexe sem mudar de sítio. 

Para o Estado, é como correr numa passadeira, de olhos postos na dívida. Para o contribuinte, a passadeira é a mesma. Mas a sede é cada vez maior. E os melões, como se vê, não vão hidratar ninguém. 

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