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Você, eu, todos: estamos condenados a ser moderados

14 mar 2023, 18:36
António Costa (Lusa/José Coelho)

A INEVITABILIDADE DA MODERAÇÃO (E DE ANTÓNIO COSTA)
POR SEBASTIÃO BUGALHO

Em condições normais, António Costa seria um homem politicamente morto - ou de muito difícil ressurreição. Não sendo a primeira vez que escapa ao seu próprio obituário - 2015 que o diga -, a restante legislatura da sua maioria absoluta exigirá outra capacidade de sobrevivência, reinvenção e originalidade.

O Costa de 2022 não é o Costa de 2019 - e nenhum deles o Costa que destronou Seguro em 2014 -, mas da primavera deste ano ao verão de 2025, em que terá de decidir se vai ou não ao congresso do PS como recandidato a primeiro-ministro, o homem que dominou a paisagem política portuguesa nos últimos sete anos será forçado à sua maior transformação.

Não a habilidades, manobras ou gestões do dia-a-dia. Não a exibições de genialidade política - nas quais nem vale a pena competir com ele -, mas à proficiência de políticas, em pacotes ou reformas, nos quais tem sido frequentemente tosco.

A realidade, hoje, é outra. Menos permeável a teatralidades, menos tolerante a jogadas, não tão vulnerável a artifícios comunicacionais. Não é só o passar do tempo, o inevitável passar do tempo, com que António Costa se depara. É a mudança dele. Do tempo.

O problema do seu governo e do que representa - o costismo - não é apenas estar velho, desgastado, "requentado", para roubar a expressão ao Presidente da República. O problema é que o tempo, além de passar, mudou.

O mundo é outro. A Europa quer ser outra. Os orçamentos de Defesa serão outros. Os fundos atribuídos para a Coesão também. As taxas de juro idem.

Neste paradigma, a primeira versão de Costa - o Costa inicial, se preferirem - não tem a menor hipótese de continuar o mesmo. E, acreditem, ele sabe-o.

Vejam o ato de contrição de Marta Temido e Lacerda Sales, cantando louvores ao setor privado da Saúde. Vejam as mini-reformas de Fernando Araújo - ou a tentativa de avançar com elas. Vejam a privatização da TAP, hoje prioridade nacional. Vejam a vitória de Elvira Fortunato contra a política de facilitismo de João Costa, que transitou de Brandão Rodrigues.

Vejam Medina a repor a dívida para níveis pré-troika, indo além de Passos e gabando-se do feito. Vejam o défice de 2022, provavelmente mais próximo do excedente do que do 1,9% antes anunciado pelo Governo. Vejam.

Este é um Governo que, não tendo nenhum rumo em particular, virou. Não em nome de uma rota ou de um destino mas, muito simplesmente, para não naufragar na realidade.

Dir-me-ão que sempre foi assim. Que as contas certas estiveram sempre lá. Que a dialética entre orçamento e mensagem está no ADN do costismo desde a sua génese. Que a agenda da devolução de rendimentos foi feita com a mais feroz política de cativações de que há memória, sem qualquer investimento público significativo.

E, de um modo, é verdade. Mas de outro não.

O fim dos contratos de associação nos colégios e das PPP nos hospitais, a recusa em ter sequer um debate sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Tudo isso foram - ou eram - sinais de um Governo mais ideológico do que racional, mais socialista do que realista, mais estatizante do que social-democrata.

E tudo isso está condenado a acabar - ou, pelo menos, a moderar.

Em 2023 - a partir de 2023, mais concretamente - já não haverá o mesmo espaço para opções do género.

Esta semana, Rishi Sunak anunciou um investimento de 5 mil milhões no rearmamento das Forças Armadas do Reino Unido e uma expansão do seu programa nuclear. Naturalmente, não se espera que António Costa avance com uma verba equivalente a quase metade do Serviço Nacional de Saúde para reforçar as tropas portuguesas. Mas os 2% exigidos pela NATO, que os britânicos já cumprem e planeiam ultrapassar, começa a ser o mínimo como objetivo.

Para estar à altura dos novos desafios estratégicos da Europa - e dos novos dilemas comerciais que acarretam -, Portugal terá de repensar o seu Estado Social. É uma inevitabiliadade. Há compromissos internacionais a manter e uma identidade democrática a preservar.

Se há 40 anos se meteu "o socialismo na gaveta" para responder a uma falência financeira, 40 anos depois ter-se-á de rearrumar o socialismo perante uma nova ordem internacional, novos equilíbrios de poder e novas responsabilidades.

Não haverá lugar para estados de alma. Toda a ajuda será bem-vinda, governe quem governar. A um Tesouro que já lidava com uma demografia ingrata e com um crescimento medíocre, será acrescentada a urgência de defender o continente europeu.

A única forma de preservar a dimensão universal e "tendencialmente gratuita" dos serviços públicos será complementá-los, integrá-los e harmonizá-los com o setor social e privado ou, caso contrário, não teremos nem um nem outra. Nem Estado Social europeu, nem Europa democrática.

Os mais arrojados apontarão que, coincidentemente, esse é há anos o programa do PSD. Os demais não esquecerão a capacidade de adaptação - para os críticos, dissimulação - de António Costa.

Neste futuro que já chegou, a social-democracia é uma inevitabilidade na União Europeia. Em Portugal foi ela, afinal, que fundou os dois partidos do regime. Não é nada líquido que aquele que herdou o seu nome – o PSD – venha a ser o seu intérprete. Nem nada impossível que aquele que a esqueceu – o PS – venha a relembrá-la.

Na era da incerteza, a realidade é radical o suficiente e estamos todos condenados à moderação.

Até os mais habilidosos.

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