Vacina "comestível", testes ultra-rápidos e medicamentos mais eficazes. As novidades do combate à covid

26 mar 2022, 08:00
Fármacos contra a covid-19. (Pixabay)

Da prevenção ao diagnóstico e ao tratamento. A ciência tem-se esmerado nos últimos dois anos para fazer frente ao vírus que que teima em não desaparecer.

Se em 2020 pouco ou nada se sabia sobre o SARS-CoV-2, hoje em dia o conhecimento sobre este microrganismo infecioso permitiu que os laboratórios de todo o mundo conseguissem descobrir moléculas e aperfeiçoem tratamentos para combater vírus que matou milhões de pessoas em todo o mundo.

Em Portugal, por exemplo, o Laboratório de Biotecnologia Médica e Industrial – LaBMI do Instituto Politécnico do Porto desenvolveu uma vacina ‘comestível’ apresentada sob a forma de um iogurte líquido “ativado por extrato de cenoura geneticamente modificado que, contrariamente à versão tradicional das vacinas — que trabalha a imunidade humoral — estimula um braço complementar a esta, a imunidade celular”. Ainda não há data para a disponibilização desta vacina.

Este é apenas o exemplo de um dos muitos projetos em desenvolvimento e já desenvolvidos cuja finalidade é apenas uma: travar a propagação do vírus e tratar quem teve a infelicidade de o contrair. 

Apesar de a ciência estar a acelerar o passo nesta luta, a decisão final passa sempre pelos reguladores de saúde - primeiro a Agência Europeia do Medicamento e depois o Infarmed, no caso de Portugal -, o que faz com que algumas das descobertas demorem um pouco a entrar no mercado. Mas mesmo que pareça que alguns resultados chegam tarde, as descobertas poderão abrir horizontes para outras doenças infecciosas ou até mesmo variados tipos de doenças, como a biotecnologia mRNA das vacinas tem feito com o cancro.

Testes mais sensíveis, rápidos e atentos a variantes

Os testes moleculares de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN) e os testes rápidos de antigénio (TRAg) são os usados em Portugal (e aqui pode ver os que têm autorização para ser comercializados) e desde o início da pandemia multiplicaram-se as empresas a comercializá-los. Mas até nos testes há avanços à vista.

No início deste ano, um grupo de cientistas da Universidade Fudan, em Xangai, desenvolveu um teste que faz com que o resultado seja ainda mais rápido - e com uma ultrassensibilidade. O protagonista deste feito é um novo sensor, mais concretamente um biossensor eletromecânico que analisa o material genético presente na zaragatoa.

“Implementamos um biossensor eletromecânico para a detecção do SARS-CoV-2 num dispositivo protótipo integrado e portátil e mostramos que detectou (o RNA do vírus) em menos de quatro minutos”, lê-se no artigo da Nature Biomedical Engineering. Nos testes realizados para o estudo não houve qualquer falso negativo.

Os testes geralmente usados procuram fragmentos do vírus, mas as mutações do próprio vírus podem mudar a forma das proteínas à superfície do vírus, comprometendo o resultado. Mas até isso já está a ser trabalhado. No ano passado, cientistas norte-americanos da Emory University - em parceria com outros institutos e laboratórios de Atlanta - começaram a prestar atenção às variantes, as já existentes e aquelas que certamente ainda virão. Wilbur Lam e mais de 200 colegas - médicos, engenheiros, bioquímicos, entre outros - têm trabalhado para acelerar o desenvolvimento de novos testes e garantir que os existentes possam detectar um alfabeto de novas variantes, conta o The New York Times.

 

Anticorpos para prevenir

No final de 2021, quando as festividades faziam soar o alarme e traziam à memória o fatídico início de 2021, eis que surge uma boa notícia: a aprovação por parte da EMA de uma vacina que promete não só tratar como também bloquear a transmissão do vírus

A Nuvaxovid, vacina da norte-americana Novavax, “não usa nenhuma das técnicas das outras quatro vacinas”, explicou à CNN Portugal Miguel Castanho, investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa. Ou seja, é diferente da  Comirnaty (BioNTech/Pfizer) e da Vaccine Moderna (Moderna), que usam uma tecnologia conhecida como ARN mensageiro, em que  através da introdução no organismo de  um ácido ribonucleico (mRNA na sigla em inglês), é dada informação genética sobre o Sars-CoV-2. Mas também se diferencia da Vaxzevria (AstraZeneca) e da Vaccine Janssen (Johnson&Johnson) que usam vírus alterados e que não provocam doença. A primeira usa um adenovírus de chimpanzé não replicativo e a segunda recorreu a um adenovírus humano (tipo 26). Já a vacina da Novavax “usa algo que é mais próximo de uma vacina convencional, trata-se de um componente do vírus que é usado em separado”, explica. De uma forma mais simples, diz, “o componente não é exatamente extraído do vírus, é sintetizado artificialmente do vírus, é uma réplica da proteína S [spike]”.

Há esperança que seja mais eficaz no bloqueio da transmissão”, considerou Miguel Castanho, sublinhando que é preciso ter mais conhecimento para se poder dizer sem margem para erro de que é eficaz contra a contaminação.

De acordo com os dois estudos que estiveram na base da decisão do regulador europeu, a Nuvaxovid mostra uma eficácia de cerca de 90% na redução dos sintomas associados à infeção por Sars-CoV-2, colocando esta vacina lado a lado com as já existentes e que têm como principal função reduzir a probabilidade de doença grave. “Temos a expectativa de maior eficácia de bloqueio de transmissão, mas não é uma conclusão que esteja diretamente relacionada com o seu modo de ação [da vacina], é uma característica que se acredita que venha a acontecer”, disse.

Também em dezembro de 2021, a Food and Drugs Administration (regulador norte-americano) emitiu uma autorização de uso de emergência para o fármaco Evusheld (mAbs tixagevimab 150 mg com cilgavimab 150 mg, dois anticorpos monoclonais projetados para se ligarem à proteína spike do vírus) seja usado ​​como profilaxia pré-exposição (PrEP) em determinadas pessoas. A profilaxia pré-exposição acontece, por exemplo, com o vírus da imunodeficiência humana (VIH)

Dados in vitro sobre este fármaco mostraram que as subvariantes BA.1 e BA.1.1 da variante Ómicron - e que atualmente circulam em Portugal - “têm uma suscetibilidade diminuída ao tixagevimab e ao cilgavimab”, lê-se no site do NIH (serviço nacional de saúde britânico), que dá conta do aumento da dose para 300 mg de cada um destes anticorpos nos Estados Unidos para fazer frente a estas duas linhagens. Em março deste ano, a Agência Europeia do Medicamento recomendou a concessão de uma autorização de comercialização para o medicamento Evusheld, desenvolvido pela AstraZeneca AB, para a prevenção de covid-19 “em adultos e adolescentes a partir de 12 anos de idade com peso mínimo de 40 quilos antes da potencial exposição ao SARS-CoV-2”, anunciou o organismo no seu site.

Novos medicamentos e tratamentos

Uma das grandes preocupações dos cientistas, para além de travar a cadeia de contágio, é impedir que sintomas ligeiros evoluam para doença grave. E há um fármaco que se mostrou eficaz nessa tarefa: sotrovimab. Aprovado pela EMA, este anticorpo foi projetado para permanecer nos pulmões para que possa atacar o SARS-CoV-2 à medida que entra no organismo. Comercializado sob o nome de Xevudy, este fármaco “é administrado como tratamento único por perfusão (gota a gota) numa veia. A dose recomendada é de 500 mg administrada dentro de 5 dias após o paciente desenvolver sintomas de covid-19”, explica a EMA, que esclarece que “o Xevudy demonstrou ser eficaz na redução do risco de hospitalização ou morte em pacientes com covid-19 com risco aumentado de a doença se tornar grave”. Este fármaco está em fase de análise da constituição da reserva nacional por parte do Infarmed, que irá dizer quando poderá ser comercializado em Portugal. 

No final do ano passado, a Direção-Geral da Saúde e o Infarmed concluíram o processo para aquisição dos dois medicamentos contra a covid-19 aprovados pela Agência Europeia do Medicamento (EMA): Ronapreve e Regkirona, os primeiros medicamentos anticorpos monoclonais a receberem um parecer positivo do regulador europeu. O primeiro encontra-se em fase em utilização, através de autorização de utilização excecional, e o segundo em fase fase de análise da constituição da reserva nacional, não estando ainda em uso.

No início do ano, a Agência Europeia do Medicamento recomendou esta a comercialização do Paxlovid, que é o primeiro antivírico de toma oral para tratar a covid-19 nos países da União Europeia. Segundo a agência europeia, este medicamento da farmacêutica Pfizer está recomendado, nesta fase, para adultos que não precisam de oxigénio suplementar e que correm maior risco de desenvolver uma forma grave de covid-19. A Direção-Geral da Saúde anunciou no final de fevereiro que Portugal vai adquirir o antiviral da Pfizer contra a covid-19, sem confirmar quantidades ou quando estará disponível em Portugal, mas sublinhou que o fármaco não substitui a vacina. Segundo o Infarmed, esse fármaco está já em análise para a constituição da reserva nacional. 

No mês passado, o FDA emitiu uma autorização de uso de emergência para o bebtelovimab, um anticorpo monoclonal neutralizante, para pacientes não hospitalizados que apresentam doença ligeira, mas com risco de agravar. Este medicamento é recomendado quando outros estiverem inacessíveis ou forem inadequados aos pacientes. No entanto, cientistas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, descobriram que o bebtelovimab funciona bem contra as três linhagens da Ómicron, conhecidos como BA.1, BA.2 e BA.3, conta o The New York Times. Para já, este fármaco não consta na lista da EMA.

Também este ano, a Organização Mundial da Saúde recomendou baricitinib, medicamento utilizado no tratamento de artrite, para tratar também a covid-19, uma vez que é capaz de regular o processo de inflamação do organismo. De acordo com o organismo, este medicamento, quando combinado, por exemplo, com corticóides, pode controlar a inflamação, reverter quadros graves da doença e reduzir a necessidade de ventilação. Este fármaco está ainda sob avaliação de autorização para comercialização por parte da EMA.

A fluvoxamina - fármaco inibidor seletivo de recaptação de serotonina e agonista do receptor sigma 1, até agora usado no tratamento de depressão, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e transtornos de ansiedade - tem sido associado também ao tratamento da covid-19, embora ainda divida a comunidade científica e não tenha aprovação da EMA. Num estudo, publicado na revista The Lancet e levado a cabo no Brasil com 1.497 pacientes ambulatórios de alto risco infetados com covid-19, 741 participantes tomaram duas doses diárias de 100 miligramas de fluvoxamina durante 10 dias, enquanto os outros 756 receberam placebo. Os pacientes foram avaliados por mais de 28 dias. “Dos que receberam o fármaco, 10,6% (ou 79 pessoas) precisaram de cuidados médicos intensivos por mais de seis horas. Já no grupo controlo, o número subiu para 15,7%, ou seja, 119 pacientes passaram o mesmo período nas urgências. Segundo o estudo, com a fluvoxamina, a redução absoluta do risco de uma internação prolongada foi de 5% e a redução relativa chegou aos 32%”, lê-se na imprensa brasileira.

Segundo a Scientific American, nesta luta contra a covid-19 e na tão desejada procura pela cura - ou, pelo menos, por um menor número de mortos - há ainda esperança para velhas tentativas, algumas delas humilhadas assim que foram dados os primeiros passos contra o SARS-CoV-2. O remdesivir (antiviral usado para o tratamento da ébola) é um exemplo. Num estudo publicado em janeiro deste ano na revista New England Journal of Medicine, as hospitalizações e mortes relacionadas com a covid-19 “foram 87% menores em 279 pacientes sintomáticos não hospitalizados que receberam remdesivir em comparação com 283 no grupo placebo”, escreve a publicação, que dá conta de um aumento no interesse por este fármaco devido à limitada oferta de terapias ambulatórias. A Agência Europeia do Medicamento aprovou o Veklury (nome pelo qual é comercializado) para ser usado em “adultos e adolescentes (a partir dos 12 anos de idade e com peso mínimo de 40 quilos) com pneumonia que necessite de oxigénio suplementar (oxigénio de baixo ou alto fluxo ou outra ventilação não invasiva no início do tratamento). O medicamento também pode ser usado em adultos que não precisam de oxigénio suplementar e que apresentam risco aumentado de desenvolver COVID-19 grave”. Este fármaco está já a ser usado em Portugal.

Tal como conta a revista Nature, que fala em  centenas de estudos e testes em andamento que podem dar origem a novos tratamentos para a covid-19 (como é o caso do programa Panoramic Trial da Universidade de Oxford) - e, quem sabe, na máxima esperança (de certa irrealista) à erradicação do vírus -, há medicamentos virais a ser desenvolvidos que podem ser estrelas.

O molnupiravir (também conhecido como Lagevrio), já recomendado pela OMS para tratar casos menos severos de covid-19, está a ser avaliado pela EMA (que recebeu recentemente novas evidências da sua eficácia). O regulador europeu ainda está a decidir a aprovação da sua comercialização (mas já está em uso, sob o caráter de emergência nos EUA). O molnupiravir foi originalmente concebido para combater a gripe. Em estudos em células pulmonares humanas e em animais, o fármaco produziu resultados promissores contra o novo coronavírus. Tal como sotrovimab, o este fármaco está em fase de análise da constituição da reserva nacional por parte do Infarmed, que irá dizer quando poderá ser comercializado em Portugal

“Outros medicamentos antivirais com um novo conjunto de alvos estão a ser trabalhados. Alguns deles foram selecionados para bloquear as proteínas humanas que o SARS-CoV-2 usa para se infiltrar nas células, em vez das proteínas virais. Por exemplo, um medicamento contra o cancro chamado plitidepsina tem como alvo uma proteína humana chamada eEF1A, que está envolvida na produção de proteínas e é importante para a replicação de vários patógenos virais. A plitidepsina provou ser capaz de reduzir a replicação do SARS-CoV-2 em ratos e está agora em ensaios clínicos de fase III”, lê-se na revista.

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