"Outra vez nunca mais": as lições de uma pandemia de dois anos

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29 jun 2022, 17:10
Carlos Jalali

A Fundação Francisco Manuel dos Santos realizou, nos dias 27 e 28 de maio, uma conferência dedicada aos planos de resposta para o pós-pandemia, em Portugal e no mundo. O Encontro, que gravitou em torno do mote “Outra Vez Nunca Mais”, reuniu especialistas nacionais e internacionais no Teatro Camões, em Lisboa.

O calendário marcava o dia 11 de março de 2020 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a COVID-19 como uma pandemia. Pouco tempo depois, a 19 de março, Portugal anunciava o seu primeiro estado de emergência, que acabou por ser renovado 15 vezes, num total de 173 dias consecutivos.

Neste contexto, a pandemia de COVID-19 dominou por completo a agenda do país. A título de exemplo, a pesquisa mais popular no Google português, em 2020, foi «Coronavírus Portugal». A terceira, «Coronavírus». O impacto sanitário desta crise revelou-se, desde logo, evidente. Mas os seus efeitos não se ficaram por aí.

Desde cedo no início da pandemia, a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) propôs-se a medir o pulso às ilações da COVID-19 e da crise que lhe sucedeu. Tendo como ponto de partida a publicação do estudo “Um Novo Normal? Impactos e lições de dois anos de pandemia em Portugal”, coordenado por Nuno Monteiro e Carlos Jalali, a instituição decidiu reunir especialistas das mais diversas áreas, durante dois dias, para debater o futuro.

Em debate: prevenção e resposta a pandemias

A conferência “Outra Vez Nunca Mais” juntou oradores conceituados, tanto no plano nacional como no internacional, de áreas como a saúde, a virologia, a biologia, a economia, a sociologia, a política ou a comunicação.

O início do encontro esteve a cargo de Gonçalo Saraiva Matias, Diretor de Estudos da Fundação. De seguida, o politólogo Carlos Jalali apresentou os principais resultados e conclusões do estudo publicado pela FFMS. Além disso, este momento inaugural ficou marcado pela homenagem póstuma a Nuno Monteiro, professor na Universidade de Yale, que impulsionou e liderou, numa primeira fase, esta investigação.

Uma vez que a crise pandémica que atravessámos afetou e penetrou todas as dimensões das nossas vidas, o estudo "Um Novo Normal?" procurou avaliar os impactos e as lições da pandemia de forma multidimensional, articulando, assim, as dimensões económica, psicossocial e política.

E o encontro anual da Fundação espelhou, precisamente, essa abordagem multifacetada aos efeitos desta crise. Tendo como ponto de partida a questão basilar “Que ideias e contributos podem ajudar-nos a prevenir e preparar melhor futuras pandemias?”, que norteou as intervenções que tiveram lugar no Teatro Camões, foram múltiplos os caminhos apontados para os próximos tempos.

Como tal, no decorrer do Encontro, as sessões subordinaram-se a temáticas como a prevenção de pandemias futuras, as estratégias de mitigação dos impactos sociais da COVID-19, os desafios desta crise para o crescimento económico de Portugal, as suas repercussões na saúde das democracias, e a importância da comunicação em contextos incertos como este.

Porém, houve ainda tempo para abordar as últimas notícias da atualidade, sempre de olhos postos no futuro. Assim, a invasão da Ucrânia pela Rússia, e a disrupção na ordem geopolítica internacional que daí adveio, esteve várias vezes em cima da mesa. Afinal, a gestão da pandemia ofereceu-nos as ferramentas necessárias para garantir uma gestão mais eficiente de crises globais vindouras?

"A tendência será a do aumento da taxa de surtos e epidemias", diz Nathan Wolfe

Virologista, epidemiologista e professor de Biologia na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da América, Nathan Wolfe defendeu que o mundo tem de se preparar para viver diversas pandemias nos tempos que se seguem. Provavelmente tão ou mais gravosas do que a de COVID-19.

Na sessão dedicada à questão “Como prevenir próximas pandemias?”, que decorreu no primeiro dia do encontro, o especialista dissertou acerca da importância da criação de sistemas de monitorização eficazes que permitam, com uma certa agilidade, detetar potenciais ameaças pandémicas. Só dessa forma, sustenta, poderemos preparar-nos atempadamente com vacinas para certas famílias de vírus, como, por exemplo, os coronavírus.

Começando e terminando a sua intervenção com um tom otimista, Nathan Wolfe destacou desde logo que teoricamente a humanidade tem potencial para fazer com que esta seja a última pandemia. No entanto, a realidade mostra que ainda estamos longe de o conseguir, registando-se um aumento dramático das pandemias, facilmente percetível num mundo globalizado e conectado como o nosso.

O mesmo afirmou em conversa com a CNN Portugal: “Infelizmente, a Humanidade, durante as próximas décadas, irá vivenciar pandemias. Não sabemos exatamente com que frequência, não sabemos a gravidade das mesmas, mas a tendência será a do aumento da taxa de surtos e epidemias". Não obstante, o epidemiologista considera que, depois da crise que parou o mundo em 2020, estamos agora mais preparados para lidar com o futuro.

Ciente do trabalho que temos pela frente, diz que temos “ferramentas extraordinárias” para nos dar alguma segurança quando pensamos na ocorrência deste tipo de catástrofes no futuro. Para isso, é necessário encararmos estes eventos de forma séria não apenas quando ocorrem, mas entre períodos pandémicos. “Se usarmos estas oportunidades temos um forte potencial para diminuir a probabilidade de futuras pandemias e tornar o mundo um lugar mais seguro”, destacou Nathan Wolfe, sobretudo tendo em mente o potencial devastador que estas podem ter em termos de vidas humanas, mas também a nível económico e financeiro.

Adam Tooze: “A agressão de Putin à Ucrânia acrescenta uma camada a uma situação já incrivelmente instável.”

Os impactos da pandemia na economia mundial foi precisamente o tema da intervenção do historiador económico britânico Adam Tooze. Analisando aquela que foi “a maior interrupção da atividade económica da história”, começou por lançar o alerta: “Existe um grande perigo em subestimar os riscos continuados que a doença coloca hoje”. Riscos, diz, que se tornaram ainda mais urgentes e mais importantes à luz de outros que entretanto surgiram e que a economia mundial tem de enfrentar.

Os próximos tempos serão de "enorme incerteza" perante o “duplo choque” a que estamos a assistir, refere o historiador. Isto porque os efeitos da COVID-19 já se faziam sentir nas cadeias de abastecimento globais, levando os preços da energia e dos bens alimentares a aumentar. Com a guerra na Ucrânia, esta instabilidade foi amplamente exponenciada, havendo uma tendência inequívoca para se agravar nos próximos meses.

O cenário atual é, pois, “extremamente precário”, sendo que as consequências ainda não foram sentidas na sua totalidade, seja no que diz respeito à inflação, à guerra na Ucrânia ou em relação ao forte abrandamento chinês na sequência de uma nova onda da COVID-19 no gigante económico mundial.

Neste quadro, durante a sua apresentação, Tooze sublinhou a importância do investimento adequado em estratégias preventivas que permitam fazer frente a crises como a que assolou o mundo há dois anos. A este respeito, o historiador referiu que “a varíola dos macacos pode não ser a doença mais perigosa, mas recorda-nos de que a COVID não foi um caso isolado”.

Em entrevista à CNN Portugal, Adam Tooze lançou mesmo o apelo: “Devemos seguir o exemplo da mobilização do Ocidente em favor da Ucrânia, que já ultrapassou os 60 mil milhões de dólares em fundos prometidos. É esse tipo de valores que devemos gastar na saúde pública mundial, mas não temos conseguido fazê-lo.”

Alastair Campbell: “Um fenómeno tão inesperado como este levanta sempre desafios de comunicação.”

Neste cenário, é preciso mobilizar as populações e emerge uma questão incontornável: “Como comunicar em tempos de incerteza?”. E, para falar deste tema, a FFMS convidou o também britânico Alastair Campbell, jornalista e especialista em comunicação política, que se notabilizou enquanto estratega de comunicação do antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair.

Numa apresentação centrada nas 10 lições que aprendemos com a pandemia em matéria de gestão de crises, Campbell frisou a importância de fatores como ter mensagens claras, ser empático ou combater a desinformação. “Mais abertura, mais transparência e melhor comunicação”, concluiu, destacando a importância de ter governos com centros fortes para lidar com a crise.

Perante desafios comunicacionais inéditos, os países que, de facto, melhor se saíram na gestão da pandemia foram aqueles em que se verificou uma maior preocupação em manter as pessoas bem cientes. Nesse âmbito, destacou a mensagem clara passada pelo almirante Henrique Gouveia e Melo, que liderou o processo de vacinação em Portugal: sendo esta uma guerra contra o vírus, as pessoas têm de escolher de que lado querem estar.

Em declarações à CNN Portugal, o estratega deixou mesmo um elogio à equipa liderada pelo almirante: "Portugal fez um trabalho fantástico durante a pandemia. Uma das melhores decisões que tomaram foi colocar alguém que não era político a cuidar do plano de vacinação."

Neste, como noutros casos, a comunicação foi crucial para “as pessoas perceberem que se tratava de algo sério e apoiarem essas decisões [dos governos]”, afirmou Alastair Campbell, referindo-se a medidas que outrora consideraríamos impensáveis, como os confinamentos, ou as restrições ao trabalho e às deslocações.

Aliás, a forma como diferentes governos e líderes internacionais lidaram com a crise percorreu a apresentação de Alastair Campbell, salientando a falta da tão necessária resposta global. Um ponto que destacou na sua décima lição, alertando para a necessidade de repensar as instituições internacionais.

No final desta conferência, encerrada por Jaime Gama, presidente do Conselho de Administração da FFMS, ficou a certeza de que o antídoto mais poderoso contra este tipo de crises reside na previsão dos vários cenários que o futuro nos pode trazer. O historiador económico Adam Tooze corrobora esta ideia, afirmando que, em breve, “podemos enfrentar uma doença ainda mais mortal e infeciosa. Se não estivermos preparados, somos os únicos culpados por isso.”

 

 

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