A maioria dos homens com cancro da próstata pode evitar ou adiar tratamentos agressivos, sugere estudo

CNN , Brenda Goodman
18 mar 2023, 13:00
Cirurgião realiza prostatectomia com a ajuda de um robô. Foto: Jeff Pachoud/AFP/Getty Images/File

Ao longo dos anos, estudos e modelos têm demonstrado que a utilização de testes regulares de PSA para rastrear o cancro da próstata pode fazer mais mal do que bem

A maioria dos homens que são diagnosticados com cancro da próstata pode adiar ou evitar tratamentos agressivos sem prejudicar as suas hipóteses de sobrevivência, mostram os novos resultados de um estudo de longo prazo realizado no Reino Unido.

Os homens do estudo que, em parceria com os seus médicos, acompanharam de perto os seus tumores da próstata de baixo e médio risco – uma estratégia chamada de monitorização ativa ou vigilante – reduziram o risco de complicações que mudam a vida, tais como incontinência e disfunção eréctil que podem surgir a seguir a um tratamento agressivo para a doença, mas não eram mais propensos a morrer dos seus cancros do que os homens que foram operados para remover a próstata ou que foram tratados com bloqueadores hormonais e radiação.

"A boa notícia é que se lhe for diagnosticado cancro da próstata, não entre em pânico, e tome o seu tempo para tomar uma decisão" sobre como proceder, diz o autor principal do estudo, Freddie Hamdy, professor de Cirurgia e Urologia na Universidade de Oxford.

Outros peritos que não estavam envolvidos na investigação concordaram que o estudo era tranquilizador para os homens a quem é diagnosticado cancro da próstata e para os seus médicos.

"Quando os homens são cuidadosamente avaliados e o seu risco analisado, é possível adiar ou evitar o tratamento sem perder a oportunidade de cura numa grande parte dos pacientes", diz Bruce Trock, professor de Urologia, Epidemiologia e Oncologia na Universidade Johns Hopkins.

Os resultados não se aplicam a homens que têm cancros da próstata que são avaliados como sendo de alto risco e num grau avançado. Estes cancros agressivos, que são responsáveis por cerca de 15% de todos os diagnósticos de cancro da próstata, ainda precisam de tratamento imediato, diz Hamdy.

Para outros, contudo, o estudo vem complementar um conjunto crescente de provas que mostram que a vigilância dos cancros da próstata é muitas vezes a coisa certa a fazer.

"O que eu retiro disto é a segurança de fazer uma monitorização ativa nos doentes", diz Samuel Haywood, um oncologista urológico da Clínica Cleveland em Ohio, que reviu o estudo, mas não esteve envolvido na investigação.

Os resultados do estudo foram apresentados na conferência anual da Associação Europeia de Urologia, em Milão, Itália. Dois estudos sobre os dados foram também publicados no New England Journal of Medicine e numa revista complementar, NEJM Evidence.

Um cancro comum que é frequentemente de baixo risco

O cancro da próstata é o segundo cancro mais comum nos homens nos Estados Unidos, atrás dos cancros de pele não-melanoma. Cerca de 11% – ou 1 em 9 – dos homens americanos serão diagnosticados com cancro da próstata durante a sua vida, e em geral, cerca de 2,5% – ou 1 em 41 – morrerão dele, de acordo com o Instituto Nacional do Cancro norte-americano. Cerca de 10 mil milhões de dólares são gastos anualmente no tratamento do cancro da próstata nos EUA.

A maioria dos cancros da próstata cresce muito lentamente. Normalmente demora pelo menos 10 anos para que um tumor confinado à próstata cause sintomas consideráveis.

O estudo, que tem vindo a decorrer há mais de duas décadas, confirma aquilo de que muitos médicos e investigadores se aperceberam entretanto: a maioria dos cancros da próstata identificados por testes sanguíneos que medem os níveis de uma proteína chamada antigénio específico da próstata, ou PSA, não prejudicará os homens durante a sua vida e não requer tratamento.

Oliver Sartor, diretor médico do Centro do Cancro Tulane, diz que os homens devem compreender que muita coisa mudou ao longo do tempo, e que os médicos aperfeiçoaram a sua abordagem ao diagnóstico desde o início do estudo, em 1999.

"Queria deixar claro que a forma como estes pacientes são rastreados, realizam biópsias e são escolhidos aleatoriamente é muito, muito diferente da forma como estes mesmos pacientes poderão ser rastreados, realizar biópsias e serem escolhidos aleatoriamente hoje em dia", diz Sartor, que escreveu um editorial sobre o estudo, mas não esteve envolvido na investigação.

Ele diz que os homens incluídos no estudo se encontravam nas primeiras fases do seu cancro e eram, na sua maioria, de baixo risco.

Agora, diz ele, os médicos têm mais ferramentas, incluindo imagens de ressonância magnética e testes genéticos que podem ajudar a orientar o tratamento e a minimizar um diagnóstico excessivo.

Os autores do estudo dizem que, para dissipar as preocupações de que os seus resultados pudessem não ser relevantes para as pessoas de hoje, reavaliaram os seus pacientes utilizando métodos modernos de classificação dos cancros da próstata. Por esses padrões, cerca de um terço dos seus pacientes teriam uma doença intermédia ou de alto risco, algo que não alterou as conclusões.

Quando menos tratamento resulta em melhor cuidado

Quando o estudo começou, em 1999, o rastreio de rotina do PSA nos homens era a norma. Muitos médicos encorajavam testes anuais de PSA para os seus pacientes masculinos com mais de 50 anos de idade.

Os testes de PSA são sensíveis mas não específicos. O cancro pode aumentar os níveis de PSA, mas também o podem fazer coisas como infeções, a atividade sexual e até andar de bicicleta. Testes com níveis de PSA elevados requerem outros exames, que podem incluir imagiologia e biópsias para determinar a causa. A maior parte das vezes, todo esse procedimento simplesmente não vale a pena.

"Em geral, pensa-se que apenas cerca de 30% dos indivíduos com um PSA elevado terão realmente cancro, e entre os que têm cancro, a maioria não precisa de ser tratado", diz Sartor.

Ao longo dos anos, estudos e modelos têm demonstrado que a utilização de testes regulares de PSA para rastrear o cancro da próstata pode fazer mais mal do que bem.

Segundo algumas estimativas, cerca de 84% dos homens com cancro da próstata identificados através de rastreios de rotina não beneficiam da deteção dos seus cancros porque eles não seriam fatais antes de morrerem de outras causas.

Outros estudos estimaram que um a dois em cada cinco homens diagnosticados com cancro da próstata recebem tratamentos excessivos. Os danos do tratamento excessivo do cancro da próstata são bem documentados e incluem incontinência, disfunção eréctil e perda de potência sexual, bem como ansiedade e depressão.

Em 2012, a influente task force dos Serviços Preventivos dos EUA aconselhou homens saudáveis a não fazerem testes de PSA como parte dos seus exames de rotina, dizendo que os danos do rastreio ultrapassavam os benefícios.

Agora, o grupo de trabalho opta por uma abordagem mais individualizada, dizendo que os homens entre os 55 e 69 anos de idade devem decidir se se devem submeter a testes periódicos de PSA depois de ponderarem cuidadosamente os riscos e benefícios com o seu médico. E desaconselham o rastreio baseado em PSA para homens com mais de 70 anos de idade.

A Sociedade Americana contra o Cancro apoia praticamente a mesma abordagem, recomendando que homens com risco médio tenham uma conversa com o seu médico sobre os riscos e benefícios a partir dos 50 anos de idade.

O tratamento não teve qualquer impacto na sobrevivência

O ensaio tem acompanhado mais de 1.600 homens que foram diagnosticados com cancro da próstata no Reino Unido entre 1999 e 2009. Todos os homens tinham cancros que não tinham metástases, nem se tinham espalhado por outras partes do seu corpo.

Quando aderiram, os homens foram distribuídos aleatoriamente por um de três grupos: monitorização ativa ou utilizando testes sanguíneos regulares para vigiar os níveis de PSA; radioterapia, que utilizou bloqueadores hormonais e radiação para fazer diminuir os tumores; e prostatectomia, ou cirurgia para remover a próstata.

Os homens aos quais foi atribuída a monitorização poderiam mudar de grupo durante o estudo se os seus cancros progredissem ao ponto de precisarem de um tratamento mais agressivo.

A maioria dos homens tem sido seguida há cerca de 15 anos, e para a análise dos dados mais recentes, os investigadores conseguiram obter novas informações de 98% dos participantes.

Em 2020, 45 homens – cerca de 3% dos participantes – tinham morrido de cancro da próstata. Não houve diferenças relevantes nas mortes por cancro da próstata entre os três grupos.

Os homens do grupo da monitorização ativa tinham mais probabilidades de o seu cancro progredir e de se espalhar pelo corpo em comparação com os outros grupos. Cerca de 9% dos homens do grupo da monitorização ativa viram as suas metástases cancerígenas a crescer, em comparação com os 5% dos outros dois grupos.

Trock salienta que embora não tenha afetado a sua sobrevivência global, um cancro que se propaga não é um resultado insignificante. Pode ser doloroso e pode requerer tratamentos agressivos para se gerir nessa fase.

A vigilância ativa teve vantagens importantes sobre a cirurgia ou a radiação.

Ao seguirem os homens durante 12 anos, os investigadores descobriram que entre 1 em 4 e 1 em 5 dos que fizeram cirurgia à próstata precisavam de usar pelo menos um penso por dia para se protegerem de fugas de urina. Essa taxa foi duas vezes superior à dos outros grupos, diz Jenny Donovan, da Universidade de Bristol, que liderou o estudo sobre os resultados relatados pelos pacientes após o tratamento.

A função sexual também foi afetada. É natural que a função sexual diminua nos homens com a idade, por isso, no final do estudo, quase todos os homens relataram baixa função sexual, mas os seus padrões de declínio eram diferentes dependendo do tratamento do cancro da próstata, diz.

"Os homens que são operados têm uma função sexual baixa desde cedo, e isso continua. Os homens do grupo de radioterapia veem a sua função sexual baixar, depois têm alguma recuperação, mas depois a sua função sexual diminui, e o grupo da monitorização ativa diminui lentamente ao longo do tempo", diz Donovan.

Donovan conta que quando ela apresenta os seus dados aos médicos, eles assinalam o quanto mudou desde que o estudo começou.

"Algumas pessoas diriam, 'OK, sim, mas agora temos todas estas novas tecnologias, novos tratamentos'", diz ela, tais como radioterapia de intensidade modulada, braquiterapia e cirurgias à próstata assistidas por robôs, "mas, na verdade, outros estudos mostraram que os efeitos sobre estes resultados funcionais são muito semelhantes aos efeitos que vemos no nosso estudo", diz.

Tanto Donovan como Hamby consideram que as conclusões do estudo ainda merecem uma cuidadosa reflexão por parte dos homens e dos seus médicos, quando estão a pesar as decisões de tratamento.

"O que esperamos que os médicos façam é que utilizem estes números a que chegámos nestas investigações e os partilhem com os homens para que aqueles recém-diagnosticados com cancro da próstata localizado possam realmente avaliar estas vantagens e inconvenientes", diz Donovan.

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