Consome adoçantes artificiais? Isso pode estar a afetar a sua memória

CNN , Sandee LaMotte
11 out, 11:00
Adoçante (Universal Images Group via Getty Images)

O consumo de edulcorantes, mesmo em pequenas quantidades, pode ter um impacto inesperado no cérebro, aponta estudo

Os indivíduos que consumiram níveis mais elevados de determinados adoçantes artificiais - o equivalente a um refrigerante "diet" por dia - apresentaram uma diminuição significativa da sua capacidade de memorizar e recordar palavras em comparação com aqueles que ingeriram quantidades mais baixas, concluiu um estudo.

"Quem consumiu mais adoçantes de baixo ou zero teor calórico apresentou um declínio cognitivo global 62% mais rápido do que quem ingeriu a menor quantidade - o que corresponde ao equivalente a 1,6 anos de envelhecimento cerebral", afirma a autora principal do estudo, Claudia Kimie Suemoto, professora associada de geriatria e diretora do Biobanco para Estudos do Envelhecimento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no Brasil.

Na faixa de consumo mais elevada, a média diária era de 191 miligramas, cerca de uma colher de chá de adoçantes artificiais. Para contextualizar, uma lata de refrigerante "diet" adoçado com aspartame contém entre 200 e 300 miligramas, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Um grupo intermédio consumiu, em média, 66 miligramas de adoçantes artificiais por dia, enquanto o nível mais baixo de consumo ficou nos 20 miligramas diários, segundo Suemoto.

"Os participantes desse grupo intermédio apresentaram uma taxa de declínio cognitivo global 35% mais rápida - o que equivale a cerca de 1,3 anos de envelhecimento - do que aqueles que ingeriram a menor quantidade destes adoçantes", afirma a investigadora. "Importa salientar que o estudo é apenas observacional — não posso afirmar que os adoçantes artificiais causam declínio cognitivo. Sabemos, no entanto, que esses edulcorantes estão associados a piores trajetórias cognitivas."

Os adoçantes artificiais frequentemente usados para adoçar bebidas estão associados ao declínio cognitivo. Stefania Pelfini la Waziya/Moment RF/Getty Images
Os adoçantes artificiais, usados com frequência em bebidas, estão associados a um declínio cognitivo. Stefania Pelfini la Waziya/Moment RF/Getty Images via CNN

Segundo o estudo publicado na Neurology, a revista médica da Academia Americana de Neurologia, os adoçantes não nutritivos são frequentemente usados em alimentos ultraprocessados com baixo teor de açúcar e em produtos específicos destinados a pessoas com diabetes.

"A perceção generalizada de que os LNCS (adoçantes de baixo ou nenhum valor calórico) representam uma substituição segura do açúcar pode estar equivocada, sobretudo tendo em conta a sua ubiquidade em produtos promovidos como alternativas ‘mais saudáveis’", escreve Thomas Holland num editorial publicado em simultâneo com o estudo.

"Os mecanismos biológicos subjacentes a estas conclusões têm particular relevância para neurologistas e profissionais de saúde que acompanham doentes com doença cerebrovascular e défice cognitivo", afirma Holland, professor no departamento de medicina interna, na divisão de doenças digestivas e nutrição, do Instituto para o Envelhecimento Saudável da Universidade Rush, em Chicago.

A Associação Internacional de Adoçantes (ISA), que representa a indústria, disse à CNN, por e-mail, que os adoçantes oferecem uma forma segura e eficaz de reduzir a ingestão de açúcar e calorias, um objetivo essencial de saúde pública na gestão de doenças como a obesidade e a diabetes tipo 2.

"Embora o estudo tenha atraído a atenção dos meios de comunicação, é fundamental enquadrar os resultados no consenso científico mais amplo e estabelecido sobre a segurança dos adoçantes", afirma a ISA. "A segurança dos adoçantes de baixo ou nenhum valor calórico tem sido consistentemente confirmada pelas principais autoridades mundiais de saúde."

Envelhecimento cognitivo mais acentuado em pessoas com diabetes

Os investigadores analisaram a dieta e as capacidades cognitivas de quase 13.000 brasileiros, com idades entre os 35 e os 75 anos, que participaram no Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto.

As informações sobre a alimentação foram recolhidas no início do estudo, ou seja, na linha de base, e uma bateria de testes cognitivos foi aplicada três vezes ao longo de uma média de oito anos. Os testes avaliaram a fluência verbal, a memória de trabalho, a recordação de palavras e a velocidade de processamento.

A memória de trabalho é a capacidade de reter informações necessárias para realizar tarefas mentais complexas, como aprender, raciocinar e resolver problemas. É frequentemente avaliada pedindo às pessoas que recordem determinadas palavras ou números numa sequência. Já a fluência verbal corresponde à capacidade de produzir, de forma rápida e espontânea, palavras adequadas no discurso. Costuma ser medida através de exercícios em que os participantes têm de enunciar o maior número possível de palavras que comecem por uma determinada letra.

Quando há diagnóstico de diabetes, o declínio da memória e da cognição global é ainda mais acentuado, explica Suemoto, provavelmente porque a exposição geral poderá ser maior do que entre pessoas sem a doença.

"Além disso, a própria diabetes já é um forte fator de risco para o declínio cognitivo associado à doença de Alzheimer e à demência vascular, o que provavelmente torna o cérebro mais vulnerável a exposições nocivas", acrescenta. "São necessárias mais investigações para confirmar as nossas conclusões e perceber se outras alternativas ao açúcar refinado, como o puré de maçã, o mel, o xarope de ácer ou o açúcar de coco, podem ser opções eficazes.

Quando os investigadores analisaram os resultados por faixa etária, concluíram que as pessoas com menos de 60 anos que consumiam maiores quantidades de adoçantes apresentavam um declínio mais rápido na fluência verbal e na cognição global. Essa conclusão, no entanto, não se verificou entre os participantes com mais de 60 anos.

"Isto sugere que as exposições alimentares na meia-idade, décadas antes de surgirem sintomas cognitivos, podem ter consequências ao longo da vida para a saúde do cérebro", escreve Holland no editorial.

"Estas conclusões podem levar os neurologistas a reconsiderar as recomendações alimentares padrão, sobretudo para doentes com diabetes, síndrome metabólica ou fatores de risco cerebrovascular."

Nem todos os adoçantes foram associados a declínio

No estudo, os investigadores analisaram os seguintes adoçantes artificiais: aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, xilitol, sorbitol e tagatose.

O estudo não encontrou qualquer associação entre a tagatose e o declínio cognitivo. A tagatose é um monossacarídeo, ou açúcar simples, tal como a frutose e a glicose. Por ser encontrada naturalmente em muito poucas plantas, é considerada um açúcar raro, embora possa ser produzida através de processos químicos ou de um processo enzimático complexo e dispendioso.

Já o consumo dos outros adoçantes não nutritivos foi associado a um declínio mais rápido da cognição global, em particular da memória de trabalho e da fluência verbal, de acordo com o estudo.

A sacarina, o acessulfame-K e o aspartame são adoçantes artificiais há muito estabelecidos e considerados GRAS, ou "geralmente reconhecidos como seguros", pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA). O organismo definiu limites para estes e muitos outros adoçantes de baixo ou nenhum valor calórico, disponíveis no seu site oficial.

A Organização Mundial da Saúde, contudo, anunciou em julho de 2023 que o aspartame é "possivelmente cancerígeno para os humanos", uma decisão que o FDA rejeitou.

O eritritol, o xilitol e o sorbitol são álcoois de açúcar, um tipo de hidrato de carbono naturalmente presente em pequenas quantidades em alimentos como couve-flor, beringela, alface, cogumelos, espinafres, ameixas, framboesas e morangos.

Os fabricantes produzem estes álcoois de açúcar de forma artificial e utilizam-nos como açúcares de volume, para atenuar a intensidade do sabor doce de outros adoçantes sem calorias, como o aspartame. Substâncias como o eritritol podem ser encontradas em refrigerantes e chás "diet", pastilhas elásticas, rebuçados, chocolate, produtos de pastelaria, gelados compatíveis com dietas cetogénicas e muito mais.

Estudos mostraram que tanto o eritritol como o xilitol podem levar as plaquetas do sangue a agregarem-se mais facilmente - formando coágulos que podem desprender-se e viajar até ao coração, provocando um enfarte, ou até ao cérebro, danificando os vasos sanguíneos ou desencadeando um AVC.

Stanley Hazen, autor principal dos estudos sobre eritritol e xilitol, considera o estudo brasileiro "intrigante e preocupante". Hazen é diretor do Centro de Diagnóstico e Prevenção Cardiovascular do Cleveland Clinic Lerner Research Institute.

Embora o estudo tenha limitações, incluindo o recurso a apenas um inquérito alimentar baseado na memória dos participantes, "a grande e diversificada amostra e a consistência dos resultados tanto em pessoas com diabetes como em não diabéticos sustentam a reprodutibilidade das conclusões", afirma Hazen, que não esteve envolvido no estudo.

"Estudos como este e os nossos acrescentam dados ao conjunto crescente de evidências que questiona tanto a segurança a longo prazo dos adoçantes artificiais ou não nutritivos - como a classificação GRAS atribuída a estas substâncias."

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