Tratar das necessidades emocionais sociais ajuda crianças a ultrapassar efeitos dos encerramentos das escolas e dos confinamentos
Todos os dias, quando Phyllis Fagell vai para o seu emprego como orientadora educacional, leva um saco de lona grande o suficiente para guardar tudo o que tem no gabinete – à espera do dia em que ela e os alunos tenham de adaptar-se a um mundo novamente confinado por causa da covid-19.
“Estes anos têm sido tão conturbados, com tanta incerteza, tantas interrupções, tanto otimismo frustrado a vários níveis”, disse Fagell, que trabalha em Washington, DC. “Os alunos sentem a mesma coisa.”
Desde 14 de janeiro, quase 3.500 escolas nos Estados Unidos não estavam a ter aulas presenciais, de acordo com a última contagem da empresa de dados Burbio. É um número que muda frequentemente.
O encerramento das escolas está a afetar as crianças em todo o mundo, de acordo com a nova pesquisa publicada a 12 de janeiro na revista JAMA Pediatrics que analisou crianças e adolescentes de 11 países, incluindo o Bangladesh, Brasil, Canadá, China, Itália, Japão, Espanha, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos.
A pesquisa verificou que as crianças tiveram problemas de saúde mental e físicos – ansiedade, depressão, diminuição da atividade física, insegurança alimentar e desinteresse escolar – relacionados com o encerramento das escolas e com os confinamentos sociais.
“Será mais das escolas estarem fechadas ou apenas do total confinamento social devido à covid? É difícil dizer, mas ao longo do tempo é certo que está a provocar muitos danos,” disse o Dr. David Rubin, diretor da Population Health Innovation no hospital pediátrico de Filadélfia, que não esteve envolvido no estudo.
“Há muita coisa envolvida no decorrer de um dia na escola que ergue uma comunidade à volta das crianças e que não foi bem aproveitada nos últimos dois anos”, disse Rubin.
A pesquisa analisou muitos estudos nos 11 países e detetou enormes impactos em todas as áreas da saúde. A atividade física das crianças diminuiu entre um quarto e metade. Um estudo dos EUA estima que dois meses com as escolas fechadas resultariam num aumento da obesidade infantil em 11%.
Felizmente, dois estudos em Inglaterra e no Japão não detetaram um aumento significativo na taxa de suicídio durante os confinamentos, mas cerca de um quarto dos adolescentes no Canadá e em Inglaterra registaram mais sintomas de depressão, segundo a pesquisa.
“Os danos que o encerramento das escolas e o confinamento social causaram na saúde mental das crianças não podem ser sobrevalorizados”, disse a Dr. Danielle Dooley, diretora clínica de Assuntos Comunitários e Saúde da População no Child Health Advocacy Institute do Children's National Hospital. Dooley escreveu um editorial que também foi publicado na revista Pediatrics, mas não fez parte da nova pesquisa.
“Como a última variante Ómicron demonstrou, estas discussões não ficaram para trás. Temos de continuar a medir o impacto que estas decisões podem ter na vida das crianças”, disse Dooley.
Perder um porto seguro
A escola tem muitas coisas “nutritivas" a oferecer às crianças fora do trabalho académico, disse Lisa Damour, uma psicóloga clínica do Ohio especializada no desenvolvimento das raparigas e autora de “Sob Pressão: Enfrentar a Epidemia do Stresse e da Ansiedade nas Raparigas”.
Ir à escola implica desenvolver uma relação com amigos e professores, desenvolver o pensamento e sair de casa, o que Damour diz ser essencial para as crianças.
Também pode significar pedir ajuda, disse Sheri Madigan, uma psicóloga clínica e professora-adjunta de desenvolvimento infantil na Universidade de Calgary no Canadá.
“Para alguns jovens, a escola é um porto seguro onde podem ir ter com um professor e dizer: ‘Não estou bem’, ou ir ter com um psicólogo que trabalhe lá ou um diretor da escola”, disse Madigan.
Para muitos, voltar às aulas à distância significa perder esses recursos, o que é especialmente problemático, dado que a pesquisa mostra que as doenças mentais estão a aumentar nas crianças durante a pandemia, disse Madigan.
“Não é só a escola estar fechada, é tudo o que a escola providencia e que é crucial para a saúde mental das crianças”, disse Madigan. “As interações com os colegas, o acesso ao apoio à saúde mental, as relações com os professores, o sentir a noção de comunidade. Estes são ingredientes muito importantes para o bem-estar mental.”
Para muitos, as ondas de infeções significam que as crianças têm alterado as formas de aprendizagem muitas vezes durante o ano. Pode ser difícil lidar com essa interrupção da rotina.
“Quando as rotinas mudam, não se perdem apenas todas as atividades boas que se criaram. Também se perde a comodidade mental de não ter de decidir como passar o tempo”, disse Damour.
Uma noção de previsibilidade e controlo é fundamental para o nosso bem-estar. E para os nossos filhos, ver um vírus invadir o mundo, sem saberem se vão ver o professor na semana seguinte ou se podem ir almoçar com os amigos pode levar a doenças mentais graves, de acordo com os peritos.
Perder formas de aprendizagem
Não há como negar, as interrupções da aprendizagem presencial fizeram com que muitas crianças ficassem para trás, disse Fagell, autor de ”O Ensino Básico É Importante: As 10 Competências que as Crianças Devem Ter no Ensino Básico e Seguintes e Como os Pais Podem Ajudar.”
“Quer sejam a favor do virtual, do presencial ou de ambos, estejam de que lado estiverem, o que é cada vez mais evidente é que não há vencedores”, disse Fagell. “Há instabilidade quando é presencial e há instabilidade quando é online."
Parte das dificuldades vem da incapacidade de adaptar os planos de aprendizagem online aos diferentes tipos de aprendizagem numa sala de aula.
“Algumas crianças são boas na oralidade, outras são boas na escrita, outras não”, disse Michelle Icard, educadora parental e autora de “14 Conversas aos 14 anos: As Conversas Essenciais que Deve Ter com os seus Filhos Antes do Ensino Secundário”. “Há tantos tipos de alunos diferentes numa sala de aula, e os professores estão preparados para seguir um plano de aula, com várias perspetivas e ângulos para chegar a cada tipo de aluno.”
Interagir com os alunos através de um ecrã é muito mais difícil, acrescentou.
Para as crianças, estarem atentos, estarem sentados numa sala de aulas e interagirem com os outros são capacidades que levam tempo a adquirir, disse Icard. E muitas vezes, quando regressam das aulas em casa, os alunos podem estar rebeldes e indisciplinados durante o dia na escola.
“Não tiveram muita interação uns com os outros, com os professores e com a comunidade para limar as arestas”, disse Icard.
Viver no mundo em segurança
Agora no terceiro ano da pandemia, as famílias podem estar preocupadas com o que os filhos deixaram de viver, mas tratar primeiro das suas necessidades emocionais sociais irá ajudar as crianças a terem sucesso de outras formas, ao longo do tempo, disse Fagell.
Para o bem-estar e o desempenho académico dos filhos, os peritos têm algumas sugestões para aproveitarem ao máximo o tempo fora da sala de aulas.
“Podem tentar usar isso como uma oportunidade para criar capacidades nos filhos”, disse Madigan, sugerindo atividades como caminhadas, meditação e ioga. “Se tiverem tempo e espaço para isso, pode ser muito benéfico para as crianças.”
Também é essencial manter as crianças ocupadas e tirá-las de casa de formas seguras, acrescentou Damour.
“Pensem em formas seguras de eles brincarem com amigos, levem-nos a museus ao fim de semana e levem os amigos, deixem-nos brincar ao ar livre na neve ou fazer desporto com os amigos”, disse.
Uma rotina estável também pode ajudar a atenuar os impactos negativos, segundo os peritos.
“A pesquisa que vai ser divulgada mostra que, mesmo quando as crianças estão em casa, se conseguirmos estabelecer rotinas consistentes - o sono, as refeições, o tempo de uso dos ecrãs, a atividade física, o tempo destinado à escola – elas normalmente sentem-se melhor durante a pandemia”, disse Madigan. “Geralmente, as crianças dão-se bem com as rotinas e a escola oferece isso.”
A família vem em primeiro lugar, os estudos vêm depois
Tudo isto pode ser benéfico para as crianças, mas os educadores e os psicólogos concordaram que ter um ambiente seguro e motivador em casa é a melhor coisa que as famílias podem oferecer agora.
“Não é tipo: ‘Bom, desde que ensinemos a todos esta parte da matemática ou a escrever um parágrafo ou a pensar num argumento para uma tese, ficará tudo bem’. Não, isso é secundário”, disse Fagell. “Só vamos conseguir sequer chegar a esse ponto se criarmos condições para que estejam bem emocionalmente.”
Fagell sugeriu que as famílias não pressionem demasiado os seus alunos para trabalharem mais e chegarem onde podiam ter chegado se não estivéssemos em pandemia, e que se concentrem em criar ligações e em tranquilizá-las de que o mundo dos adultos ainda está a cuidar delas.
“A nossa pesquisa mostra que, quando as crianças sentem uma ligação com os pais durante a pandemia, o seu bem-estar parece melhorar”, disse Madigan.
Se nesses momentos de ligação os pais virem sinais de depressão nos filhos, que nos adolescentes pode parecer apenas irritação, Damour recomenda que se aconselhem com o pediatra.
As famílias também precisam de dar uma folga a si próprias e aos seus filhos, porque criar um lar em que todos estão bem emocionalmente beneficia todos”, disse Damour.
“Muito raramente, as crianças lidam com os problemas melhor do que os pais”, acrescentou, realçando que é um período difícil para todos e não se pode esperar que tudo continue como antes.
“Agora, a coisa mais importante que os pais podem fazer não é ajudá-los a acompanhar o ritmo académico, é manterem-se calmos e transmitirem que, embora as coisas estejam complicadas, elas vão melhorar”, disse Fagell. “Ajudá-los a processar o que está a acontecer no mundo à volta deles e serem uma presença consistente e carinhosa, porque esse é o principal indicador da resiliência. Se os pais fizerem isso, numa altura em que eles próprios estão a marinar em stresse, já podem dar-se por satisfeitos.”