É por isto que as redes sociais não podem ser o seu terapeuta

CNN , Análise de Kara Alaimo*
8 dez 2024, 17:00
Adolescente, redes sociais, telemóvel, telemóveis. Foto: Adobe Stock

Este artigo explica porque é mais provável que resolva os seus problemas no sofá do terapeuta do que nas redes sociais

Quando as pessoas enfrentam questões de saúde mental, é frequente recorrerem ao TikTok e não aos profissionais desta área.

A maioria dos adultos que utilizam o TikTok – 66% - já viram conteúdos relacionados com saúde mental nesta rede social, segundo o estudo KFF Health Misinformation Tracking Pool, de 2024, que aborda precisamente a desinformação na área da saúde.

“A maioria das pessoas que estão a aceder ao TikTok vai precisar, em determinado ponto da sua vida, de algum tipo de orientação em saúde mental ou ter de referências de recursos disponíveis”, diz Thomas Milam, psiquiatra a trabalhar em Virginia, nos Estados Unidos da América. É também responsável da área médica da Iris Telehealth, uma plataforma que fornece serviços de saúde mental.

É fácil perceber porquê: há falta de profissionais no que respeita aos serviços de saúde mental. Além disso, estes cuidados costumam ser caros. Muitas vezes, há pouca disponibilidade na hora de marcar uma consulta. Ao mesmo tempo, as redes sociais estão ao alcance de todos.

O reconhecimento crescente nas redes sociais da importância da saúde mental (e das preocupações a ela associadas) é algo positivo, aponta Lindsay Liben, uma psicoterapeuta a trabalhar a partir de Nova Iorque. “As pessoas estão cada vez mais transparentes sobre a sua saúde mental e procuram formas de melhorar o seu bem-estar emocional”, refere.

Contudo, geralmente não é boa ideia tentar diagnosticar os seus problemas nas redes sociais.

Publicações enganadoras e diagnósticos errados

As publicações sobre autoajuda nas redes sociais costumam apresentar soluções simples para problemas complexos (MementoJpeg/Moment RF/Getty Images)

Lindsay Liben destaca que algumas das informações partilhadas online vêm de pessoas que não são profissionais de saúde mental.

E que tais publicações costumam estar repletas de imprecisões e erros. Um pequeno estudo de 2023 sobre os vídeos do TikTok que falavam de autismo, publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders, mostrava que 41% dos vídeos continuam imprecisões e que 32% refletiam generalizações.

Mais de metade dos vídeos do TikTok sobre perturbação de hiperatividade e défice de atenção – 52% - continham matéria enganadora, segundo um pequeno estudo de 2022, assente em 100 vídeos da rede social, publicado no The Canadian Journal of Psychiatry.

Um porta-voz do TikTok garante que a empresa tem atuado contra a desinformação na área da saúde, trabalhando com parceiros independentes. Uma das ações passa por identificar as publicações que contêm conteúdos que não podem ser confirmados como verdadeiros. Além disso, desafia os utilizadores a reconsiderar a partilha de tais conteúdos. O representante explica também que a Central de Segurança da aplicação fornece aos utilizadores informações de confiança sobre saúde mental, direcionando-os para fontes que efetivamente podem ajudá-los em matéria de saúde e bem-estar.

Thomas Milam refere que um dos motivos pelo qual é difícil diagnosticar um problema psicológico a partir de uma publicação das redes sociais prende-se com o facto de os mesmos sintomas serem, de uma forma frequente, sinais de doenças diferentes.

“Há certos sintomas que estão associados à ansiedade e à depressão, como a falta de energia, a fadiga, o cansaço, as dificuldades de concentração”, começa por exemplificar. “Pode ser ansiedade, pode ser depressão… e pode ser perturbação de hiperatividade e défice de atenção. Pode ser apenas porque essa pessoa não dormir bem na última noite. Ou pode ser uma constipação”.

Assistir a um vídeo sobre os sinais de um problema particular pode levar erradamente os utilizadores a acreditar que o tem, quando na verdade é outra coisa qualquer está a causar esses sintomas.

Em determinadas situações, os doentes podem não conseguir chegar à raiz dos seus problemas. Por exemplo, se uma criança não está a dormir bem, os pais podem ver vídeos sobre como melhorar o sono dos jovens, diz Lindsay Liben. “Será que não está a ignorar que a criança tem pesadelos porque sofre de bullying na escola? Pode ser algo mais profundo, não podemos ficar à superfície”, insiste.

Noutras situações, os pacientes podem acreditar erradamente que têm uma condição de saúde mental que, na verdade, não têm. Sentimentos de preocupação, de ansiedade, de tristeza ou de medo fazem parte da experiência humana, vinca Milam, que também é professor associado de psicologia na at Virginia Tech’s Carilion School of Medicine

O especialista insiste que os profissionais de saúde mental estão treinados para ouvir os pacientes e para diagnosticá-los corretamente – algo que os vídeos não conseguem fazer.

Acumular produtos e problemas

Thomas Milam refere que outro problema passa pelo seguinte: muitas pessoas que publicam conteúdos sobre saúde mental nas redes sociais estão a tentar vender produtos aos outros utilizadores, incluindo comprimidos para dormir ou vitaminas – ou, simplesmente, a tentar agarrá-los, para que continuem a voltar uma e outra vez ao seu perfil, para consumir mais conteúdos. Muitas publicações sobre autoajuda na internet também apresentam soluções simples para problemas complexos.

“Para a generalidade das crianças que lutam contra a ansiedade ou a depressão, soluções rápidas não funcionam”, atesta Milam.

Ainda assim, as pessoas que partilham conteúdos sobre saúde mental não costumam deixar este aspeto muito claro.

“Às vezes, os vídeos fazem parecer que resolver os problemas é algo simples”, reforça Lindsay Liben. E depois, como as pessoas não conseguem resolver os seus problemas com as soluções prescritas online, podem acabar a sentir que falharam ou fracassaram.

“Eles dizem para fazer isto ou aquilo, seguir determinados passos. Mas, se não funcionar, isso pode atrasar o processo terapêutico ou até mesmo acrescentar mais stress”, vinca a especialista.

Recursos de saúde mental em que se pode confiar

Se os utilizadores recorrem à internet para procurar informação sobre saúde mental, Lindsay Liben insiste que devem procurar garantir que o conteúdo que consomem é proveniente de pessoas que são credenciadas ou formadas nessa área – sejam eles médicos, investigadores, assistentes sociais, psicólogos ou psiquiatras.

A especialista sugere mesmo que procure mais informação sobre a formação e experiência profissional destas fontes. Além disso, recomenda que selecione criadores de conteúdos que sejam transparentes em relação às suas fontes e que se baseiem em pesquisas de alta qualidade.

Já Thomas Milam recomenda que as pessoas, ao suspeitarem ter um problema de saúde mental, contactem os seus prestadores de cuidados de saúde existentes, como pediatras ou médicos de medicina geral e familiar, que podem orientar e mesmo encaminhar para profissionais específicos de saúde mental, assim como para recursos de informação fiáveis. No caso dos EUA, sugere consultar os recursos disponibilizados pela American Psychiatric Association e pela American Psychological Association.

Liben indica que os pais devem consultar os recursos do US Centers for Disease Control and Prevention e do PBS Kids for Parents.

No caso português, também há várias soluções. O site da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental compila alguma das respostas disponíveis, com as chamadas “linhas de crise”. A Linha SNS 24 também disponibiliza apoio psicológico através do 808 24 24 24. Neste site, também pode encontrar uma lista diversificada de recursos.

Chegar à raiz do que causa os problemas geralmente requer intervenções mais complexas do que um vídeo do TikTok. É por isso que os especialistas dizem que é mais provável encontrar respostas no tradicional sofá do terapeuta do que nas redes sociais.

*Nota do Editor: Kara Alaimo é professora associada de comunicação na Fairleigh Dickinson University. É autora do livro “Over the Influence: Why Social Media Is Toxic for Women and Girls — And How We Can Take It Back” [Acima da influência: porque é que as redes sociais são tóxicas para mulheres e raparigas – e como podemos dar um passo atrás, em tradução livre], publicado pela editora Alcove Press.

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