Sente-se esmagado pelos acontecimentos mundiais? Psicólogos explicam como sobreviver às emoções entre uma pandemia e uma guerra

7 mar 2022, 11:12
Saúde mental

Primeiro um vírus desconhecido fechou o mundo em casa, depois uma guerra na Europa com repercussões a nível global. É um longo período de emoções à flor da pele. Como lidar com tantas pressões? Dois especialistas respondem à CNN Portugal

Em "A teoria da motivação humana", artigo publicado em 1943, Abraham Maslow definiu cinco categorias indispensáveis na vida de um indivíduo: fisiologia, segurança, afeto, estima e autorrealização. Repare no segundo andar desta teoria da Psicologia, que passou a ser conhecida como "Pirâmide de Maslow", ou "Hierarquia de necessidades". A segurança.

"Segurança" inclui aspectos como o corpo, o emprego, os recursos da moralidade, a família, a saúde e a propriedade. Eles refletem as necessidades básicas garantidas em países de primeiro mundo. Ou refletiam, até uma sucessão de acontecimentos marcar os últimos anos a nível global - conflitos em África e no Médio Oriente, eleições, tempestades, e quando já se ouviam os primeiros suspiros de um pós-pandemia, a Ucrânia foi invadida pela Rússia. 

"Quando pensávamos que não podia piorar, o pior aconteceu", reconhece Américo Baptista, especialista em psicoterapia positiva. "Achamos que a guerra está muito longe, mas depois passamos pelas bombas de gasolina e percebemos que está à nossa porta". Perante este período de incerteza, surge o medo, a ansiedade, possivelmente a depressão. As pessoas ficam apreensivas e eventualmente "fazem asneiras, como comer e beber demais". 

"Uma perceção geral de controlo" foi o que a era industrial proporcionou, segundo palavras Filipa Jardim da Silva, fundadora da Academia Transformar. "Fazemos o que quisermos, temos aquilo que conseguimos alcançar", explica. Mas num "bater de asas de uma borboleta" os planos mudam. Independentemente do trabalho ou estilo de vida, todos foram forçados a viver uma experiência muito semelhante durante o surto da covid-19, "de ansiedade, medo, impotência e perdas variadas". A sua vulnerabilidade foi exposta, e uma guerra na Europa parece "demasiado" com o que lidar. 

"Um Putin não nasce de um dia para o outro. Isto é um convite para nos empoderarmos enquanto sociedade", sugere a psicóloga. E nesse empoderamento subentende-se uma aprendizagem sobre o nosso próprio aparelho emocional. "Se quisermos tirar algo positivo desta enorme adversidade, precisamos de investir no nosso autocuidado. Falhámos até ao momento", nomeadamente na educação para as emoções e para a cidadania.

"O que posso fazer para ajudar as pessoas?"

Américo Baptista usa o exemplo do medo para explicar o autoconhecimento emocional. "O medo é aquilo que eu penso, sinto e faço", começa por dizer.

"A guerra é terrível, é aquilo que eu penso; O coração palpita mais rápido e as mãos transpiram, é aquilo que eu sinto; Fico parado ou imobilizado, é aquilo que eu faço". Compreendendo esta conceção, o psicólogo diz que é possível mudar o mindset, e estado de espírito: "mudar o medo". E na prática? Em vez de pensar "isto vai ser terrível", a pergunta que deve ser feita é "o que posso fazer para ajudar as pessoas?". Por exemplo, participar numa manifestação ou contribuir com mantimentos para aqueles que atravessam dificuldades. "É a mudança do nosso ponto de vista que nos vai permitir ser capazes de diminuir o medo", conclui.

O autor de "Aprender a ser feliz" avisa ainda que o ponto mais difícil de contornar, "o que eu sinto", implica geralmente o recurso a algumas estratégias. "Para alguns a meditação é uma alternativa, mas para outros ajudar as pessoas pode ser realmente mais terapêutico". 
 

Gratidão e suporte social

Perante a incerteza, somos capazes de criar soluções com as nossas melhores qualidades. A isto, Américo Baptista chama de "Psicologia positiva", servindo-se do exemplo do cancro. "Uma pessoa que sofre de uma doença pode sair dela diferente, crescer após o trauma", explica. E considera a gratidão um dos aspetos fundamentais. "Mesmo nos piores momentos, importa estarmos atentos ao que de bom nos acontece", como estar agradecido pelas pequenas coisas e ter compaixão, "por nós e pelos outros".

Outra forma de combater os sentimentos negativos é "o suporte social", estabelecer ligações e procurar apoio no próximo, desde amigos a conhecidos. "Costumo dizer que mais vale mal acompanhado do que só", graceja. "A solidão está sempre associada a doença, não só mental mas física também".

Investir em nós investindo nos outros

"Se eu me preocupar com a felicidade dos outros, haverá quem se preocupe com a minha". Para alguns especialistas, este é o "Princípio da maior felicidade". Para Américo Baptista, Putin não se rege por esta regra, que garante ainda não estar relacionada com a religião. É um conceito paradoxal. "Se me preocupar com o bem-estar de quem está ao meu lado, vou contribuir para a minha felicidade. Somos mais felizes a investir nas outras pessoas". Este investimento terá efeitos nas emoções durante uma situação como a pandemia e, posteriormente, a guerra. 

Filipa Jardim da Silva considera que, em dois anos de pandemia, foram solicitadas competências com alguma flexibilidade, capacidade de adaptação e resiliência. Contudo, neste momento não sente que as aprendizagens tenham sido feitas.

"Não colocamos em prática aquilo que esta situação adversa nos obrigou a colocar. É uma era em que precisamos de tratar as pessoas com respeito".

De acordo com a psicóloga, as escolas continuam a dar prioridade à matéria mais tradicional, em detrimento do cultivo de cooperação, emoção e empatia nos seres humanos. As crianças "aprendem mais a ser competitivos e a criticar o erro". O índice de pensamentos suicidas e suicídio consumado também terá crescido de forma preocupante, assinala. "Esta guerra acaba por ser apenas a parte visível de um problema", remata. 

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