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A necessidade de controlo é, em geral, uma estratégia para gerir a ansiedade e a incerteza. Pode ser entendida como expressão de intolerância à incerteza, mas também como sinal de baixa confiança no contexto e nos outros. Quando a incerteza é percecionada como ameaça, a mente procura certezas: coleciona informação, planeia em excesso, verifica repetidamente. Este funcionamento pode traduzir-se, no quotidiano, em dificuldades em decidir, exigência de múltiplas garantias para avançar, receio persistente de escolher “mal” por falta de informação, dificuldade em delegar tarefas ou assumir excessiva responsabilidade por medo de o outro não “saber fazer bem”. Cada vez que a pessoa obtém uma sensação momentânea de certeza, a ansiedade diminui e o comportamento de controlo é reforçado – um alívio imediato que, paradoxalmente, ensina o organismo a depender do controlo para se sentir seguro. Assim, a preocupação oferece a ilusão de “estar a fazer algo”, reduz a ansiedade a curto prazo, e a mente aprende a preocupar-se mais para voltar a obter esse alívio.
No plano relacional, o controlo raramente é neutro. Em contextos de trabalho, tende a transformar-se em microgestão, mensagens implícitas de desconfiança e decisões centralizadas que empobrecem a cooperação. Nas relações íntimas, surge como “proteção” que, paradoxalmente, sufoca o outro: normas rígidas, “correções” constantes, dificuldade em delegar tarefas ou aceitar diferenças na forma de fazer as coisas. A mensagem que passa não é apenas “quero que resulte”, mas “só é seguro/bom se for à minha maneira”. O efeito é duplo: desgaste da confiança que se pretende garantir e aumento da sobrecarga de quem controla, que passa a ser o “único responsável” por tudo. Se houver histórias de vinculação marcadas por imprevisibilidade, a previsibilidade atual pode funcionar como “segurança emocional”: a pessoa controla para não voltar a sentir-se vulnerável. Acrescem vieses cognitivos (ilusão de controlo, hiper-responsabilidade) e reforços contextuais (culturas organizacionais que premiam respostas rápidas e certeza), que cristalizam o funcionamento.
Aprender a lidar com esta necessidade não significa abdicar de padrões elevados ou de responsabilidade; significa mudar a relação com a incerteza e com o outro. O primeiro movimento é reconhecer o ciclo: o controlo baixa a ansiedade a curto prazo, mas reduz a tolerância à incerteza e exige doses crescentes de verificação. O segundo é diferenciar controlo direto, influência e ausência de controlo: agir quando depende de si, negociar quando pode influenciar, e treinar aceitação ativa quando não depende de si – sem confundir aceitação com passividade. O terceiro é ensaiar uma nova prática relacional: delegar com objetivos claros e limites definidos, combinar um ritmo de check-ins previamente acordado e, entre check-ins, permitir autonomia real; substituir “corrigir” por “co-construir” (perguntar como o outro faria, antes de propor soluções); sinalizar vulnerabilidade de forma adaptativa (“estou ansioso com este prazo; ajuda-me a distribuir a tarefa?”) em vez de a ocultar com controlo.
Ao nível intrapessoal, é útil treinar tolerância à incerteza de forma gradual: escolher deliberadamente pequenas situações para “deixar imperfeito” ou “decidir com informação suficiente, não total”, e permanecer com o desconforto até este baixar por si. A “hora da preocupação” (momento do dia que reservo para me preocupar) ajuda a retirar a ruminação do piloto-automático. Quando surgirem pensamentos do tipo “tenho de controlar tudo” (por exemplo: “se não voltar a rever o relatório, vai correr mal”), pode ser importante mudar a relação com eles: trate-os como eventos mentais, não como factos. Diga a si mesmo: “Estou a ter o pensamento de que, se não voltar a rever, vai correr mal.” Esta defusão cognitiva devolve o pensamento ao seu lugar – palavras na sua cabeça – e pode reduzir a sua influência. Depois, oriente de novo a atenção para os seus valores (por exemplo, competência, cuidado, integridade) e escolha uma ação pequena e concreta alinhada com esses valores, aceitando alguma incerteza (por exemplo: “envio o relatório como está e avanço para a próxima tarefa importante”). Repetindo este ciclo – observar o pensamento, rotulá-lo como pensamento e agir segundo os seus valores - pode reduzir a sobreverificação, preserva a qualidade do trabalho e aumentar a sensação de eficácia, mesmo quando sentir ansiedade. O corpo também é parte da solução: sono consistente, momentos breves de respiração lenta e movimento distribuídos pelo dia podem ampliar “janela de tolerância”. O objetivo não é “deixar de se importar”, mas transformar o controlo rígido num conjunto de escolhas flexíveis, onde a responsabilidade convive com a confiança e a cooperação.
Em suma, a necessidade de controlo tende a aliviar sintomas de ansiedade a curto prazo, mas, ao fazê-lo, alimenta um ciclo de manutenção: mais planeamento e reasseguramento conduzem a uma tolerância cada vez menor à incerteza, o que, por sua vez, intensifica a ansiedade e a necessidade de controlo. O resultado é um equilíbrio aparente mas frágil, alcançado à custa de flexibilidade psicológica, tempo e vitalidade. Reconhecer este ciclo – e as suas raízes cognitivas, relacionais e contextuais – é um primeiro passo para o interromper e recuperar uma relação mais funcional com a incerteza.
Se a necessidade de controlo estiver associada a sofrimento significativo, conflitos repetidos ou comportamentos compulsivos, pode ser muito importante procurar ajuda de um psicólogo.
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