Taça: Sp. Espinho-Santa Clara, 0-0 (2-4 após g.p.) (crónica)

Samuel Santos , Campo Joaquim Domingos Maia, Nogueira de Regedoura
18 out, 18:47

Açor escapa ao tigre nas asas de Neneca

Nogueira da Regedoura, freguesia de Santa Maria da Feira, nunca viu tantas pessoas num jogo do Sp. Espinho, a julgar pelas dezenas de carros estacionados nas imediações do campo Joaquim Domingos Maia. A temperatura para lá dos 25.ºC foi reforçada pelo tórrido sol no céu limpo e pelo fervor dos milhares de “Tigres” – furacão no qual esta crónica foi redigida, na bancada colada ao sintético.

Quase três mil adeptos dos “Tigres” aglomeraram-se nas bancadas de pedra do Joaquim Domingos Maia, transformando o padrão amarelo em preto e branco. Como já referido, a afluência foi de tal ordem que muitos garantiam não ver algo assim desde a queda dos nacionais, em 2005.

De recordar que o terreno do antigo estádio, que recebeu 11 épocas de Liga, foi demolido e vai ser transformado em 240 casas, num investimento a rondar os 60 milhões de euros. Por isso, este emblema histórico aguarda pelo retomar das obras no prometido Estádio Municipal, cujo protocolo foi assinado em abril de 2017. Todavia, conforme escutado por várias vezes na tarde deste sábado, as «obras estão paradíssimas», uma vez que «o município não avança com os milhões».

À parte desse “por maior”, de apoio não se pôde queixar o batalhão de Tiago Leite – natural de Ovar, 38 anos. No Santa Clara, Vasco Matos apostou em Neneca na baliza, enquanto o defesa Tiago Duarte, os médios Paulo Victor, Serginho e José Tavares, e o avançado Brenner Lucas foram novidades.

Recorde o desenrolar deste duelo da terceira eliminatória da Taça de Portugal. O último encontro destes emblemas foi em março de 2005, na II Liga.

Num encontro pleno de duelos, o Santa Clara revelou-se tranquilo, mas incapaz de desmontar a muralha defensiva de Tiago Leite. Por isso, a única oportunidade do primeiro tempo surgiu ao minuto 14, quando, na sequência de um canto cobrado à direita, o capitão Luís Rocha desferiu uma bicicleta fraca.

Até ao intervalo, os “Tigres” espreitaram o contra-ataque, mas sem furar para o último terço. Afinal, o trunfo dos anfitriões estava na organização recuada.

Na etapa complementar, aos 61 minutos, o extremo Willy viu o segundo cartão amarelo, depois de ser admoestado aos 37m. No meio da fúria vareira, o Santa Clara atirou ao poste, após remate em zona frontal. Face à confusão na bancada, foi impercetível o autor do remate.

Entre faltas e trocas, o avançado Anthony Carter entrou aos 77m, mas viu cartões amarelos aos 90+3m – por protestos – e aos 90+8m, depois de encostar a cabeça ao guarda-redes adversário. Se o ponta de lança australiano procurava acumular créditos junto de Vasco Matos, então desperdiçou uma ótima oportunidade.

No desenrolar da tarde de sábado, o apito soou para prolongamento, reforçando a festa nas bancadas.

Na meia-hora que se seguiu, o avançado Luquinhas, do Santa Clara, beneficiou de duas tremendas oportunidades, aos 110 e 119 minutos. Primeiro acelerou a solo pela direita, mas o chapéu cruzado tirou tinta ao poste direito. Pouco depois, o extremo brasileiro – de novo pela direita – não alcançou o passe cruzado de Adriano, apontado ao segundo poste.

Antes dos penáltis, aos 120+3 minutos, o avançado João Costa atirou torto na pequena área, depois do cruzamento tenso à direita.

No derradeiro desempate, Neneca – mero espectador ao longo dos 144 minutos – voou para a direita e travou os remates do defesa Pedro Santos e do avançado Diogo Guerra, confiando ao experiente Sidney Lima o ponto final na eliminatória. E assim foi, para alívio de Vasco Matos. Os festejos dos açorianos foram muito tímidos, conscientes de que estiveram próximos de protagonizar uma eliminação inédita – nunca um emblema da 5.ª divisão afastou um gigante da Liga.

A saída do Joaquim Domingos Maia foi demorada, entre suspiros, abraços, cânticos e pedidos de camisolas. A momentânea angústia vareira deu lugar a uma onda de aplausos, espelho da fé acalentada ao longo de três horas.

A Figura: Neneca

A viver a estreia pela equipa principal nesta época, o brasileiro de 22 anos agigantou-se quando chamado à ação. Travou dois penáltis e impediu um momento épico do Sp. Espinho.

O Momento: o fim da Taça, a continuação de algo maior, 17h52

O Santa Clara vai visitar Vianense ou Indústria na próxima eliminatória, mas em Nogueira da Regedoura ficou a sensação de que o 5.º classificado do principal campeonato da distrital de Aveiro – a quatro pontos dos líderes Ovarense e Fiães, e com um jogo em atraso – seria capaz de ecoar pelo país como no princípio do século. Os comandados de Tiago Leite foram empurrados por milhares e nunca se encolheram. Para lá da angústia ficou o orgulho e a esperança do regresso ao Campeonato de Portugal.

Positivo: mancha humana de fazer inveja

Ao compasso da claque “Desnorteados”, os milhares de adeptos do Sp. Espinho ilustraram a mensagem da “festa da Taça”. Ainda que as condições para a comunicação social sejam inexistentes, mergulhar no íntimo de um histórico projeta-nos para a paixão plena pela cidade na qual se nasceu ou na qual se encontrou estória. No fim, estes são os sentimentos que prevalecem. O Sp. Espinho segue bem vivo.

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