Salma al-Shehab, mulher, saudita, 34 anos de prisão por usar o Twitter

18 ago 2022, 23:07
Salma al-Shehab (Saudi state television via AP)

A conta pessoal ainda está disponível, com um tweet em destaque: "Liberdade para os prisioneiros de consciência e todos os oprimidos do mundo". Foram publicações como esta que ditaram a condenação por "incitamento à desordem pública"

Uma estudante saudita recebeu esta segunda-feira uma pena de prisão de 34 anos pelas publicações que partilhava na rede social Twitter. Salma al-Shehab tinha recebido inicialmente uma sentença de seis anos, à qual se somaram 28 depois de ter recorrido da decisão do tribunal. Mas não só: após cumprir esta sentença estará proibida de viajar para o exterior do país por mais 34 anos. Quando finalmente recuperar a liberdade, a saudita terá 101 anos. 

A mulher foi detida no ano passado por expressar apoio à ativista Loujain al-Hathloul, uma das figuras mais proeminentes do movimento feminista no Médio Oriente, bem como a outros dissidentes sauditas. De acordo com documentos a que a CNN Internacional teve acesso, as acusações apresentadas pelo Ministério Público incluíam "o incitamento à desordem pública e comprometimento da segurança e estabilidade do Estado", através da "publicação de rumores falsos e tendenciosos no Twitter". 

A página de Twitter de Salma al-Shehab, ainda disponível, contém várias publicações e republicações de mensagens que apelavam à libertação de célebres ativistas sauditas, a maioria encarcerada por defender a libertação e emancipação femininas. Num tweet destacado pela própria no topo da sua página pessoal é possível ler: "Liberdade para os prisioneiros de consciência e todos os oprimidos do mundo".

Apesar de ativa nas redes sociais, al-Shehab não era uma figura de relevo na cena ativista e feminista da Arábia Saudita: no momento da redação deste artigo, possuía menos de 200 seguidores no Instagram e cerca de 3.000 no Twitter. Nestas plataformas identifica-se apenas como esposa, mãe de dois meninos, higienista dental e aluna do último ano de doutoramento da Universidade de Leeds. Residia no Reino Unido desde "2018 ou 2019", segundo o The Guardian, mas regressou ao país de origem durante um período de férias em dezembro de 2020. Nunca chegou a concluir os estudos ou sequer a abandonar a Arábia Saudita. Em janeiro foi questionada e detida pelas autoridades. 

Documentos do tribunal revelam que, ao longo do processo de investigação, Salma al-Shehab terá sido mantida em regime de isolamento em diversas ocasiões. Numa sessão do julgamento, a detida terá pedido autorização para falar com o juiz em privado e denunciar o modo como tinha sido tratada nos últimos meses, alegadamente por não querer declará-lo em frente ao pai. O pedido foi recusado. 

A sentença do tribunal da Arábia Saudita ocorre um mês após a visita do presidente norte-americano, Joe Biden, que culminou com uma fotografia polémica: os dois líderes a saudarem-se, sorridentes, com um bater de punhos. Lina al-Hathloul, irmã de uma das ativistas que a detida defendeu no Twitter, acusa "os líderes ocidentais" de "legitimarem o príncipe herdeiro" e "abrirem a porta a mais abusos" para todos aqueles que ousam expressar livremente as suas opiniões - sobretudo mulheres. 

Contactadas pelo The Guardian, fontes oficiais do Twitter recusaram-se a comentar o caso. A plataforma já tinha sido questionada por manter ativa a conta de Bader al-Asaker, assistente do príncipe Mohammed, que terá acedido a dados privados da empresa para identificar, perseguir e deter utilizadores anónimos. Neste contexto, importa destacar que a empresa de investimentos Kingdom Holding Company, liderada pelo bilionário saudita Alwaleed bin Talal, detém mais de 5% das ações do Twitter. 

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