Numa informação enviada à secretária-geral do Serviço de Informações de República Portuguesa, representante dos ucranianos avisa que "há agentes de influência russos infiltrados em Portugal" nas organizações que estão a dar apoio aos refugiados. Uma situação que garante estar a colocar em causa a segurança de quem foge da guerra e das famílias que ficaram na Ucrânia a lutar contra a Rússia
A Associação dos Ucranianos em Portugal garante que, no país, há neste momento infiltrados pró-Putin em Organizações Não Governamentais (ONG) que apoiam os ucranianos, e já alertou as secretas portuguesas.
Numa carta enviada no sábado, dia 2 de. abril, à secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Graça Mira Gomes, a que a CNN Portugal teve acesso, o presidente daquela associação explica que a situação “é muito grave e pode pôr em causa a segurança dos ucranianos refugiados de guerra que vão chegando a Portugal, dos familiares deles na Ucrânia e a segurança da Ucrânia em tempos de invasão russa”.
Segundo refere o presidente daquela associação de ucranianos, no documento que enviou ao SIRP, em causa estão “organizações diretamente ligadas à embaixada da Russa” apesar de “nos estatutos” aparecerem como “multiculturais” e que são vistas como representantes dos ucranianos. “Alguns meses antes de invasão russa direta (24 fevereiro de 2022) ao território ucraniano estas organizações, de repente, limparam toda informação que mostrava ligação com a embaixada da Rússia em Portugal nas suas páginas web e redes sociais”, explica, acrescentando que para “agravar” o problema estas organizações em Portugal são reconhecidas pelo Alto Comissariado dos Migrações (ACM).
Uma das situações mais preocupantes, avisa, é o facto de muitos dos que fugiram da guerra, ao chegarem a Portugal serem reencaminhados pelo alto comissariado para estas organizações dadas como ucranianas, que na realidade, têm ligações a Moscovo. “Pelo facto do ACM recomendar aos refugiados para procurarem o apoio das ONG que estão diretamente ligadas à Embaixada da Rússia em Lisboa, os ucranianos em fuga da agressão russa na Ucrânia vão continuar a ser alvos de agentes russos, que vão conseguir mais facilmente ficar com dados pessoais dos refugiados cujos familiares ficaram na Ucrânia e aceder às posições militares ucranianas através dos contactos dos respetivos cônjuges que continuam na defesa militar da Ucrânia”, descreve Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, no alerta que fez à secretária-geral do SIRP.
Outra dos problemas descritos envolve os donativos que têm sido dados pelos cidadãos portugueses. Na missiva, é explicado que a associação “tem recebido inúmeros alertas da comunidade ucraniana em Portugal” sobre o facto dos elementos pró-Putin destas organizações estarem a receber apoios dados pelos portugueses para ajudarem a Ucrânia.
No entanto, garante o representante dos ucranianos, o “principal papel político destas organizações e destes agentes de influência russos infiltrados em Portugal é o de influenciar a comunidade ucraniana e desinformar a sociedade portuguesa e ocidental sobre a história da Ucrânia”.
“Os Ucranianos em Portugal estão a perguntar: Os que sempre eram pro-Putin, que falaram mal da nossa pátria, agora estão a receber apoios, que tem como destino a Ucrânia?”, questiona a associação na carta.
A chefe das secretas é ainda informada de que a “Associação dos Ucranianos em Portugal e a Embaixada da Ucrânia em Portugal por várias vezes alertaram o ACM e os respetivos Secretários de Estado da tutela sobre o inaceitável facto da comunidade ucraniana em Portugal estar representada pelas associações que fazem parte das instituições de propaganda russa” .
Seis organizações não são reconhecidas pela Ucrânia
À CNN Portugal, Pavlo Sadokha, garante que das oito associações que constituem o colégio eleitoral da comunidade ucraniana em Portugal junto do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), “só duas é que são reconhecidas pela embaixada da Ucrânia em Portugal”. As outras, diz, ainda que sejam reconhecidas pelo órgão do Governo têm ligações com “redes internacionais de propaganda e desinformação, nomeadamente a agência Rossotrudnichestvo e a fundação Russki Mir” .
A agência Rossotrudnichestvo é um órgão de divulgação da cultura russa a nível mundial e em Portugal organiza, por exemplo, ações dedicadas à aprendizagem do cirílico e dá, juntamente com a Embaixada da Federação, bolsas de estudo a quem queira estudar em universidades russas. Funciona sob jurisdição do ministro dos Negócios Estrangeiros de Putin, Sergey Lavrov que tem consistentemente afirmado que a Rússia está a conduzir uma “operação militar especial”, não uma invasão, para “desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia”. Já a fundação Russkiy Mir, criada por Vladimir Putin em 2007, tem estado presente em Portugal pelo menos desde 2011 e foi responsável pela abertura do Centro de Estudos Russos na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
“Nós sabemos que existem estas agências que um ano antes do início da anexação da Crimeia têm feito um papel de desinformar o mundo sobre a política da Rússia contra a Ucrânia. Especialmente preparando a atual invasão russa”, afirma Sadhoka à CNN Portugal, acrescentando que a Associação de Ucranianos em Portugal tem “medo que os refugiados que venham de zonas de conflito, com trauma e fragilidades, possam ser alvos fáceis destas organizações para lhes dar informação estratégica e vital da resistência ucraniana e depois transmitir ao Kremlin”.
Há outro fator que também preocupa esta associação. Segundo a queixa enviada aos serviços secretos portugueses, “através do ACM estas organizações podem receber apoio do Estado português para depois ser usado para fins e eventos de propaganda pró-russa”.
Pavlo Sadokha teve uma reunião esta segunda-feira com um representante do Alto Comissariado para as Migrações com o objetivo de fazer com que estas associações que alegadamente têm ligações com a Federação Russa deixem de ser reconhecidas como ucranianas. Mas, segundo adiantou à CNN Portugal, o responsável do ACM alegou que “não pode selecionar associações por escolha política e que a legislação atual não permite tirar estas organizações das listas”.
Uma petição com o nome “Proibir agências de propaganda russa em Portugal” também foi lançada publicamente com o intuito de pedir ao Parlamento que proíba oficialmente o funcionamento das agências e canais de propaganda russa em Portugal. Até ao momento, conta com mais de 370 assinaturas.
Estratégia de desinformação
José Manuel Anes, do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), considera a situação "preocupante" e admite ser um cenário real. "No Observatório temos alguma acuidade na percepção das coisas e, portanto, acreditamos que é perfeitamente possível a infiltração de russos neste tipo de organizações”.
Segundo o co-fundador do OSCOT, "a associação que existe entre as organizações e estes serviços da Federação Russa mostra como a estratégia de desinformação e de descriminação russas está interligado com as ONG que acolhem refugiados ucranianos".
Além disso, José Manuel Anes sublinha que há casos em que "há indivíduos que têm ligações com instituições russas e cuja russofilia norteia o próprio pensamento das instituições que comandam´". Mas, neste casos, diz o "Estado não pode fazer muito, porque pode ser acusado de racismo”.