Ameaça de guerra EUA-Rússia? O que se sabe até agora

Andreia Miranda , com Lusa
12 fev 2022, 13:52
Na Ucrânia, milhares de civis preparam-se para a guerra em campos de treino militar. Foto: Ali Atmaca/Anadolu Agency via Getty Images

A Ucrânia e os seus aliados ocidentais acusam a Rússia de ter concentrado dezenas de milhares de tropas na fronteira ucraniana para invadir novamente o país, depois de lhe ter anexado a península da Crimeia em 2014. O Kremlin nega qualquer intenção bélica, mas está no terreno. Ninguém quer esta guerra, mas nunca se esteve tão perto dela desde o fim da Guerra Fria

Porque falam os EUA em Guerra Mundial?

Na quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos afirmou que um possível conflito entre as forças norte-americanas e russas será uma “guerra mundial”. Para Joe Biden, "quando norte-americanos e a Rússia começarem a atirar uns nos outros, será uma guerra mundial".

“Não é como se estivéssemos a lidar com uma organização terrorista. Estamos a lidar com um dos maiores exércitos do mundo. É uma situação muito diferente e as coisas podem enlouquecer rapidamente”, afirmou Biden, que vai enviar mais 3.000 militares para a Polónia de forma a “tranquilizar os aliados da NATO” perante as crescentes tensões.

Helena Ferro Gouveia, comentadora de questões internacionais da CNN Portugal, afirma que, "neste momento, há um dado objetivo que é, desde 11 de fevereiro, o Putin tem no terreno tropas suficientes para uma invasão".

"Isto é consensual entre os analistas militares, entre as agências de inteligência. Portanto, o Putin está preparado para uma invasão, tem as forças suficientes. Isto é o ponto de partida. É a chamada diplomacia coerciva de um lado. (...) A tensão neste momento está no seu pico. Nós podemos dizer isto sem exagero", afirma a comentadora, lembrando a conversa entre Putin e Biden agendada para hoje e que poderá acalmar a tensão.

Também o conselheiro para a Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, diz que uma invasão russa da Ucrânia está iminente, e que começará certamente por bombardeamentos aéreos e poderá incluir “um assalto rápido” a Kiev. Embora haja uma “possibilidade muito real” de a Rússia invadir a Ucrânia, os EUA “não estão a dizer” que o presidente russo, Vladimir Putin, já tomou essa decisão.

“Não estamos a dizer que a decisão já foi tomada, que uma decisão final já foi tomada pelo presidente Putin”, afirmou Jake Sullivan à imprensa, este sábado.

Ucrânia pede calma

Depois do alerta norte-americano, o governo ucraniano pediu calma e que sejam evitados atos que possam desestabilizar a situação e criar pânico, dizendo que “as Forças Armadas ucranianas estão a acompanhar a situação e estão prontas a responder a qualquer ataque à integridade territorial da Ucrânia”.

“Neste momento, é extremamente importante manter a calma, consolidar [a situação] no interior do país, e evitar atos que desestabilizem a situação e semear o pânico”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano num comunicado, citado pela agência France-Presse.

Kiev disse que está em contacto “24 horas por dia com todos os parceiros-chave” e que recebe rapidamente informações sobre a segurança do país.

“Continuamos a trabalhar para diminuir a tensão e mobilizar o apoio dos nossos parceiros internacionais para manter a Rússia no quadro diplomático”, acrescentou o ministério ucraniano.

Para Helena Ferro Gouveia, esta é uma posição normal da Ucrânia que "está a tentar descalar, dentro dos meios que tem ao seu alcance, a situação, está a tentar manter alguma calma na sua população".

"Os ucranianos estão muito preocupados com tudo isto que se está a passar. Se formos acompanhando um pouco o que se vai dizendo, as pessoas estão preparadas para defender o seu próprio país. Não só o exército, mas os cidadãos comuns estão preparados e a postos para defender o seu país. Há aqui uma tentativa de manter a moral, de manter a calma. É quase uma tentativa desesperada, mas é o papel dos líderes ucranianos", explica.

Rússia faz otimização do pessoal diplomático na Ucrânia

A Rússia anunciou que a sua embaixada e consulados na Ucrânia continuam a funcionar, mas admitiu ter feito uma “certa otimização” do pessoal diplomático por temer possíveis provocações das autoridades ucranianas ou de países terceiros.

“Temendo possíveis provocações do regime de Kiev ou de países terceiros, decidimos de facto uma certa otimização do pessoal das representações russas na Ucrânia”, disse a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, citada pelas agências espanhola EFE e francesa AFP.

Apesar da decisão de “otimizar um pouco o pessoal das missões russas na Ucrânia”, Zakharova disse que as embaixadas e consulados “continuarão a desempenhar as suas funções básicas”.

Certo é que, este é mais um sinal de que "estamos muito próximos, como nunca estivemos desde o fim da Guerra Fria", como alerta a comentadora da CNN Portugal. 

"Ninguém sabe o que se passa na cabeça de Vladimir Putin e a única pessoa que poderá deslaçar este nó é o presidente russo. Mas, no momento em que nós estamos, é de facto de mais elevada tensão. (...) Ninguém quer que isto aconteça na realidade, acho que nem os próprios russos, americanos, europeus muito menos. Ninguém quer uma guerra em território europeu e com as consequências e com os impactos em vidas humanas em termos económicos. Ninguém quer uma guerra. Mas que estamos muito próximos, como nunca estivemos desde o fim da Guerra Fria, isso estamos e isso é consensual. Está tudo preparado para que um conflito possa vir a acontecer."

Qual a posição da União Europeia?

A União Europeia reafirmou às autoridades ucranianas que vai apoiar a Ucrânia no caso de uma “nova agressão russa". O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, escreveu na sua conta na rede social Twitter que falou com o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, na sexta-feira à noite, “sobre os últimos acontecimentos”, em particular as questões de segurança.

“A UE e os seus parceiros estão unidos no apoio à Ucrânia. Seremos resolutos e decisivos na atuação em caso de nova agressão russa. Estamos juntos”, escreveu Borrell, citado pela agência espanhola EFE.

Este sábado, o presidente francês, Emmanuel Macron, vai falar ao telefone com Putin, em mais um esforço para tentar evitar um conflito armado, depois de se ter reunido com o homólogo russo na segunda-feira, em Moscovo. Já na terça-feira, na Ucrânia, Macron revelou que Putin lhe garantiu que a Rússia iria respeitar os Acordos de Minsk: a Alemanha e a França negociaram, em 2015, com a Ucrânia e a Rússia, os Acordos de Minsk ao abrigo dos quais terminaram os confrontos no leste da Ucrânia entre as forças do país e separatistas pró-russos, sem chegarem a um cessar-fogo. E esclareceu que a NATO está "no coração" do confronto entre as duas nações.

Estrangeiros aconselhados a deixar a Ucrânia

O primeiro país a aconselhar os cidadãos foram os EUA, um apelo que foi seguido por outros países, incluindo Reino Unido, Países Baixos, Canadá, Austrália, Japão, Israel, Bélgica, Lituânia, e Alemanha.

No apelo, os Estados Unidos disseram que a Rússia poderá invadir a Ucrânia a qualquer momento nos próximos dias e pediram aos norte-americanos para abandonarem imediatamente o país.

O último apelo veio da Alemanha e, segundo Helena Ferro Rodrigues, comentadora da CNN Portugal, deve ser tido em especial consideração, uma vez que "os alemães costumam ser muito cautelosos neste tipo de apelos".

Também a União Europeia recomendou aos funcionários não essenciais da sua representação em Kiev para que deixem a Ucrânia "o mais rápido possível" e façam teletrabalho.

Helena Ferro Gouveia diz que este é um sinal muito importante e que "não pode ser ignorado". 

"Sendo a Alemanha um país que é muito cauteloso na gestão das crises, isto é um sinal que não pode ser ignorado. Os EUA já o haviam feito, o Reino Unido fê-lo, a Dinamarca também. Temos um conjunto de países europeus que estão a apelar à retirada dos seus cidadãos."

Quanto a Portugal, a comentadora diz que se mantém "alinhado com as posições europeias, defendidas pelo presidente francês Emmanuel Macron, é favorável à implementação ou ao uso de sanções muito severas à Rússia". "Participa na NATO e, portanto, tem tropas colocadas no Báltico e destacadas e vai-se alinhar certamente com aquilo que for decidido em termos de política europeia, no âmbito dos 27 e também no âmbito da NATO onde é membro."

Pacote de sanções da UE contra Rússia

A União Europeia e os Estados Unidos estão a coordenar os preparativos para um pacote de sanções “sólido e abrangente” que será aplicado rapidamente se a Rússia atacar a Ucrânia.

O chefe de gabinete da presidente da Comissão Europeia, Bjoern Seibert, e a secretária de Estado Adjunta norte-americana, Wendy Sherman, debateram a questão e, segundo uma declaração da Comissão Europeia, citada pela agência espanhola EFE, “reafirmaram a importância da soberania territorial, a preservação das fronteiras existentes e a independência política da Ucrânia”, disse a Comissão Europeia.

Discutiram em particular “as medidas tomadas pela UE e pelos EUA para encorajar a Rússia a dar prioridade à desescalada, escolher a via da diplomacia e abster-se de todas as hostilidades”.

Seibert e Sherman reiteraram que “qualquer nova agressão russa contra a Ucrânia” terá consequências e custos pesados para a Rússia, segundo a declaração divulgada em Bruxelas.

NATO insiste no "risco real" de uma nova guerra na Europa

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, advertiu que há um “risco real de um novo conflito armado” na Europa por causa da Rússia, durante uma visita a uma base militar na Roménia.

Stoltenberg repetiu apelos para que a Rússia desanuvie a tensão criada com a presença das suas tropas na fronteira com a Ucrânia, mas alertou de novo para a possibilidade de um conflito armado.

“O número de tropas russas está a aumentar enquanto os tempos de aviso diminuem”, disse Stoltenberg, citado pela agência France-Presse.

Estes fatores, associados a experiências passadas em que a “Rússia utilizou a força contra a Ucrânia” e outros países vizinhos, levam a NATO a acreditar que a possibilidade de uma guerra iminente é agora uma realidade.

Helena Ferro Gouveia considera ainda que a invasão de Kiev "seria absolutamente dramática".

"Uma invasão da capital ucraniana causaria um sem número de mortos, quer civis quer militares. Isso é uma coisa que é muitíssimo preocupante. E depois, seria a desestabilização de toda aquela região. A NATO não pode intervir na Ucrânia porque a Ucrânia não é membro da NATO mas, no entanto, há países membros da NATO que estão a apoiar, seja militarmente, seja com equipamento, seja com treino. Temos ali países que fazem parte da NATO na fronteira. Temos a Polónia muitíssimo preocupada com o que se está a passar, temos mísseis estacionados em toda a fronteira. Por isso, isto seria uma desestabilização da zona que teria um impacto, que já está a ter, do ponto de vista económico e financeiro", finaliza.

Europa

Mais Europa

Patrocinados