O futuro de dois cidadãos norte-americanos detidos na Rússia pode depender da libertação de um traficante de armas russo condenado, conhecido pelos seus acusados como o “Mercador da Morte”, e cuja história de vida inspirou um filme de Hollywood.
Viktor Bout, um antigo oficial do Exército Soviético, está a cumprir uma sentença de 25 anos de prisão nos Estados Unidos, acusado de conspirar para matar norte-americanos, de adquirir e exportar mísseis antiaéreos e de fornecer apoio material a uma organização terrorista.Bout alegou sempre a sua inocência.
Há muito que o Kremlin pede a libertação de Bout, criticando a sentença de 2012 como “infundada e tendenciosa”.
Na quarta-feira, a CNN informou que a Administração Biden tinha oferecido Bout numa possível troca pela estrela norte-americana de basquetebol, Brittney Griner, e pelo antigo Marine Paul Whelan, segundo fontes próximas do caso.
No mesmo dia, Griner testemunhava num tribunal russo como parte do julgamento que decorre por acusações de drogas após a detenção da atleta em fevereiro num aeroporto de Moscovo. Whelan foi detido por alegadas acusações de espionagem, em 2018, e condenado a 16 anos de prisão num julgamento que as autoridades norte-americanas consideraram injusto.
As famílias pediram à Casa Branca que garantisse a libertação de ambos, se fosse necessário, recorrendo à troca de prisioneiros. Agora, no centro dessa oferta está Bout, um homem que, durante anos, fugiu aos mandados de prisão internacionais e ao congelamento de bens.
O empresário russo, que fala seis línguas, foi detido numa operação policial em 2008 liderada por agentes norte-americanos de combate ao tráfico de droga, na Tailândia, que se fizeram passar por membros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, conhecidas como as FARC. Ele acabou por ser extraditado para os EUA em 2010 após um longo processo judicial.
“Há muito anos que Viktor Bout tem sido o inimigo número um no tráfico internacional de armas, sendo responsável por equipar alguns dos conflitos mais violentos por todo o mundo”, disse Preet Bharara, promotor do Ministério Público, em Manhattan, quando Bout foi condenado em 2012.
“Finalmente, foi levado à justiça num tribunal norte-americano por concordar em fornecer um número impressionante de armas de nível militar a uma organização terrorista que se declara empenhada em matar norte-americanos.”
O julgamento aprofundou o papel de Bout no fornecimento de armas às FARC, um grupo guerrilheiro que travou uma revolta na Colômbia até 2016. Os EUA disseram que as armas tinham como objetivo matar cidadãos norte-americanos.
Mas a história de Bout no comércio de armas é muito mais abrangente. Ele é acusado de criar uma frota de aviões de carga para transportar armas de nível militar para zonas de guerra no mundo inteiro, desde a década de 1990, alimentando conflitos sangrentos da Libéria à Serra Leoa, passando pelo Afeganistão. As alegações de tráfico na Libéria levaram as autoridades norte-americanas a congelar os bens que ele tinha nos EUA, em 2004, e a bloquear quaisquer transações norte-americanas.
Bout tem dito repetidamente que operava negócios legítimos e agia como um mero operador de logística. Acredita-se que esteja na casa dos 50 anos, mas não se sabe bem a sua idade uma vez que tem passaportes e documentos diferentes.
“O início da vida dele é um mistério”, disse à CNN em 2010, Douglas Farah, membro do Centro Internacional de Avaliação e Estratégia e
coautor de um livro sobre Bout.
Farah disse à revista “Mother Jones” em 2007 que, segundo os seus múltiplos passaportes, Bout nasceu em 1967 em Dushanbe, no Tajiquistão, filho de uma contabilista e de um mecânico de automóveis. Ele disse que Bout se licenciou no Instituto Militar de Línguas Estrangeiras, uma escola conhecida por formar membros dos Serviços Secretos russos.
“Ele foi um oficial soviético, provavelmente um tenente, que viu as oportunidades que surgiram com os três fatores resultantes do colapso da URSS e da promoção estatal decorrente: aeronaves abandonadas nas pistas de Moscovo a Kiev, incapazes de voar por falta de dinheiro para combustível ou manutenção; as enormes reservas de armas excedentes que eram vigiadas por guardas que, de repente, tinham passado a receber pouco ou nenhum salário; e a crescente procura por essas armas por parte de clientes soviéticos tradicionais e de grupos armados emergentes da África às Filipinas”, disse Farah à revista.
Bout afirma ter trabalhado como oficial militar em Moçambique. Outros disseram que, na verdade, foi em Angola, onde a Rússia tinha uma grande presença militar, na época, disse Farah à CNN. Bout tornou-se conhecido quando as Nações Unidas começaram a investigá-lo no início e meados da década de 1990, e os Estados Unidos começaram a envolver-se.
Pensa-se que Bout - que alegadamente usou nomes como “Victor Anatoliyevich Bout”, “Victor But”, “Viktor Butt”, “Viktor Bulakin” e “Vadim Markovich Aminov” - tenha sido a inspiração para a personagem traficante de armas interpretada por Nicolas Cage no filme de 2005 “O Senhor da Guerra”.
Em 2002, Jill Dougherty da CNN, encontrou-se com Bout em Moscovo. Ela questionou-o sobre as alegações que existiam contra ele. Vendeu armas aos Talibã? À al-Qaeda? Abastecia os rebeldes em África e era pago em diamantes de sangue? Ele negou todas as alegações.
“É uma alegação falsa, uma mentira”, disse ele. “Nunca toquei em diamantes na vida, não sou um homem de diamantes e não me quero meter nesse negócio.”
“Não tenho medo”, disse ele a Dougherty. “Não fiz nada na vida de que deva ter medo.”