Os russos "foram apanhados de calças na mão". São bem mais de 300 soldados ucranianos em Kursk e já conquistaram 350 km2. Central nuclear pode ser o objetivo

10 ago, 22:00

Passadas 72 horas desde o início da ofensiva ucraniana em Kursk, os especialistas partilham da mesma leitura: esta foi uma ação militar "muito bem coordenada" e que apanhou a Rússia de surpresa. "A Ucrânia sabia exatamente que naquela região o dispositivo militar russo era praticamente inexistente"

De Moscovo garantiram que eram "apenas" 300 soldados com 31 veículos blindados e que praticamente todos os inimigos tinham sido neutralizados rapidamente após uma aparente incursão na região de Kursk. Mas a manhã de quarta-feira trouxe uma realidade diferente: ainda não se sabe quantos são, mas não serão "apenas" 300, e estão bem longe de ter sido neutralizados.

Assim que começaram a surgir as primeiras imagens do campo de batalha foi possível reconhecer algumas das unidades militares que a Ucrânia empregou nesta operação e a conclusão foi óbvia: no terreno estavam mais do que 300 soldados e 31 veículos blindados, contrariamente àquilo que garantiu inicialmente o Kremlin. Além disso, a dificuldade com que a Rússia está a lidar com a situação, tendo já declarado estado de emergência federal naquela região.

A Ucrânia surpreendeu todos

O major-general Agostinho Costa, especialista em assuntos militares, explica à CNN Portugal que os primeiros dados avançados "davam conta da presença em combate da 22.ª brigada mecanizada ucraniana" e que, com o passar das horas, novos dados revelaram que a presença ucraniana em Kursk era significativa. "A Rússia estava convencida de que se tratavam apenas de unidades de reconhecimento", afirma o especialista. 

O militar classifica ainda a ofensiva ucraniana como "muito bem coordenada" e atribui parte do seu sucesso ao facto de ter beneficiado do factor surpresa, já que "este ataque apanhou os russos completamente desprevenidos".

Sabe-se também que a Ucrânia mobilizou uma quantidade significativa de recursos de defesa antiaérea, nomeadamente uma brigada antiaérea e várias unidades de drones - uma delas atingiu uma base aérea na região de Lipetsk, onde também foi declarado estado de emergência. Pelo menos um avião de combate e dois helicópteros russos foram destruídos enquanto tentavam atacar tropas ucranianas na região de Kursk.

"A Ucrânia fez o trabalho de casa", afirma à CNN Portugal o major-general Isidro de Morais Pereira, também especialista em assuntos militares, sublinhando que Kiev "sabia exatamente que naquela região [Kursk] o dispositivo militar russo era praticamente inexistente", pelo que "os russos foram apanhados de calças na mão".

A informação oficial é escassa e, em muitos casos, contraditória. Mas, através da geolocalização das imagens que aparecem no terreno, é possível ter uma ideia um pouco mais clara de onde estão a operar os dois exércitos. 

Dados de 7 de agosto de 2024
Observações: "Avaliado" significa que o Instituto para o Estudo da Guerra recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas. As áreas "reclamadas" são aquelas em que as fontes afirmaram estar a ocorrer controlo ou contraofensivas, mas o ISW não pode corroborar nem demonstrar que são falsas. 
Fontes: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI; LandScan HD para a Ucrânia, Laboratório Nacional de Oak Ridge
Gráficos: Lou Robinson e Renée Rigdon, CNN

O major-general Isidro de Morais Pereira partilha que a informação divulgada pelas entidades russas nas últimas horas "é pouco credível". E em relação ao número de militares ucranianos envolvidos acrescenta: "Eu sempre pensei, na minha análise, que teriam de ser mais do que 300 homens".

Segundo noticia a BBC, a Rússia já confirmou terem sido cerca de mil os militares ucranianos, acompanhados de veículos blindados, que invadiram Kursk na passada terça-feira.

Também com base no método de análise das imagens divulgadas é possível perceber que a penetração das forças ucranianas é significativa.

"Passadas 72 horas, mais ou menos, não há combate sério, porque a Rússia não tem na região uma força capaz de dar combate às forças ucranianas", avança o militar, numa altura em que o o exército ucraniano, de acordo com o Financial Times, já controla cerca de 350 quilómetros quadrados  do território russo na região de Kursk, onde penetrou perto de 35 quilómetros, segundo uma análise do Instituto para o Estudo da Guerra.

Conforme noticiado pelo Kyiv Independent, Apti Alaudinov, o comandante da unidade militar chechena Akhmat - que Putin destacou para a região de Kursk -, já veio admitir, num vídeo publicado pela agência independente russa Agentstvo no Telegram, a existência de baixas no lado russo.

"Sim, morreram militares russos, isso é um facto. O inimigo entrou em várias povoações", disse Alaudinov. 

Também Jason Jay Smart, correspondente no Kyiv Post, publicou na rede social X um vídeo onde alegados soldados russos, supostamente pertencentes à 225º brigada de assalto do exército de Putin, foram capturados e feitos prisioneiros de guerra pelos militares ucranianos no decurso da ofensiva militar em Kursk. 

As centrais nucleares

Kiev tem adotado uma postura de contenção e, até ao momento, muito pouco tem avançado sobre a ofensiva militar em Kursk. Mas Volodymyr Zelensky, esta quarta-feira, já declarou ser "importante continuar a destruir o inimigo" e que quanta mais pressão se exercer sobre a Rússia "mais perto estaremos da paz", deixando, assim, por esclarecer quais os verdadeiros motivos da recente incursão militar em território russo.

O Major-general Agostinho Costa coloca a hipótese da recente incursão militar ucraniana se repetir "na zona de Zaporizhzhia, com o objetivo de reaver a central nuclear daquela região", conquistada pelos russos em 2022, "mas a mim parece-me um pouco difícil", acrescenta. 

Já o Major-general Isidro de Morais Pereira diz que os ucranianos, cada vez mais próximos de Kurchatov, uma cidade em Kursk perto do local onde está instalada a central nuclear daquela região, poderão ter como objetivo a conquista destas instalações. O especialista militar entende que essa poderá ser uma das principais pretensões do exército ucraniano "para servir de moeda de troca e dizer aos russos: agora esta [central nuclear de Kursk] é nossa, entreguem-nos a de Zaporizhzhia".

"Putin neste momento está perante um dilema"

Os últimos três dias, de acordo com os analistas, representam um dos maiores embaraços - desde o início da guerra na Ucrânia-, para o regime de Vladimir Putin. E internamente, tanto por parte dos apoiantes do regime como da população residente na região invadida pelos ucranianos, são várias as críticas e acusações de negligência dirigidas ao exército e Estado russo.

Esta situação, que Putin classificou como uma “provocação em grande escala”, deixou o líder russo num dilema..."o dilema que a própria Ucrânia lhe colocou", afirma o Major-general Isidro de Morais Pereira.

O especialista em assuntos de defesa salienta que não se criam novas brigadas militares num "estalar de dedos" e que "a Rússia não tem forças capazes de combater [em Kursk]". O que nos leva ao "dilema de Putin": decidir se retira parte das forças destacadas na região de Donetsk para combater os ucranianos na nova frente de guerra; ou se mantém o contigente no leste da Ucrânia e permitir o avanço das tropas de Kiev em Kursk.

"A Rússia vai ter mesmo de retirar forças da região leste para poder acudir à situação que se está a passar em Kursk...não estou a ver outra solução", conclui o militar.

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