“Este sítio foi criado para recolher provas de crimes de guerra": dentro do cemitério de mísseis de Kharkiv - "isto é metade do que foi disparado contra nós"

23 mar 2023, 11:05

Os ucranianos esperam que estes mísseis possam vir a ser expostos num museu para recordar as atrocidades desta guerra

“Este sítio foi criado para recolher provas de crimes de guerra." É assim que Dmytro Chubenko, porta-voz do gabinete da procuradoria da região de Kharkiv, na Ucrânia, descreve ao Guardian os cerca de 1.000 mísseis alinhados numa zona industrial naquela cidade, cobrindo o equivalente a metade de um campo de futebol.

É um autêntico cemitério de mísseis, como mostram as imagens capturadas pelo fotógrafo Mustafa Ciftci. E os que ali estão expostos "são apenas cerca metade [dos mísseis] que foram lançados" contra a Ucrânia. O exército ucraniano calcula que tenham sido disparados mais de 5.000 mísseis de cruzeiro desde o início da invasão russa.

A grande maioria destes mísseis caiu em Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, onde permaneceram durante vários dias nas ruas e nos prédios atingidos. Entretanto foram recolhidos pelas autoridades ucranianas e transferidos para este local, onde esperam analisar os equipamentos ao pormenor para sustentar as acusações de crimes de guerra cometidos por Moscovo no último ano. Depois disso, esperam expor os mísseis num museu para recordar as atrocidades desta guerra, indica Chubenko.

De acordo com o responsável, cerca de 95% dos equipamentos espalhados pelo 'cemitério de mísseis' fazem parte de sistemas de lançamentos de foguetes múltiplos, incluindo sistemas Smerch que podem ser usados ​​para transportar bombas de fragmentação, que foram proibidas pela grande maioria dos países em todo o mundo mas utilizadas por Moscovo à revelia.

Depois de analisarem os equipamentos disparados e respetivas trajetórias de voo e localizações de GPS do local onde caíram, a procuradoria em Kharkiv quer começar a investigar dezenas de soldados russos, incluindo o coronel Alexander Zhuravlyov, que também participou da campanha da Rússia na Síria, em 2016. De acordo com o Guardian, que cita "vários relatos", Zhuravlyov foi o único oficial russo sénior com permissão para dar ordem para lançar um ataque com foguetes Smerch em Kharkiv.

Chubenko não tem dúvidas de que a análise das munições destes mísseis será crucial para apurar a responsabilidade dos alegados crimes de guerra cometidos em solo ucraniano - isto porque cada munição tem um código de barras que indica não só o fabricante como, por vezes, a unidade militar responsável pela sua manutenção.

“É possível ver os dígitos e letras marcados nesses mísseis. Com a ajuda destes códigos, podemos identificar qual a fábrica que os produz e, por vezes, qual a unidade militar onde estão armazenados", revela.

O porta-voz da procuradoria de Kharkiv adiantou também que um general (cujo nome não quis adiantar devido a uma investigação em curso) terá dado ordens para lançar pelo menos 100 mísseis do norte da Ucrânia para o Instituto de Física e Tecnologia de Kharkiv, uma referência na investigação nuclear na antiga União Soviética.

Embora hoje a infraestrutura não represente uma ameaça nuclear, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica, Rafael Grossi, advertiu que a escala e a intensidade dos ataques no instituto “viola todos os sete pilares indispensáveis de segurança nuclear”.

Chubenko, por sua vez, diz não ter dúvidas de que os russos sabiam o que estavam a fazer: "É claro que os russos sabiam do reator de investigação nuclear desde que foi construído na era soviética e a Rosatom [a empresa estatal de energia nuclear russa] tem todos os projetos”.

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