Porque é que Putin provavelmente nunca será julgado por crimes de guerra na Ucrânia?

3 abr 2022, 22:10

Para Putin ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, teria de ser capturado fora da Rússia, já que o país que lidera não reconhece a autoridade do tribunal de Haia. Processo por genocídio é mais fácil, mas quem se senta no banco dos réus é a Federação Russa e não o seu presidente

Pelo menos 39 Estados fizeram um pedido ao Tribunal Penal Internacional para que investigue a influência de Vladimir Putin em alegados crimes de guerra na Ucrânia, mas levá-lo a Haia será extremamente difícil. Por um lado, este tribunal não realiza julgamentos sem a presença do réu, por outro a Rússia não reconhece a sua autoridade. Teresa Violante, especialista em direito constitucional, explica à CNN Portugal que a única forma de eventualmente capturar Putin é através de um mandado de detenção que seria colocado em prática quando o presidente russo entrasse num país signatário do Estatuto de Roma - que criou o Tribunal Penal Internacional -, "limitando extremamente a sua liberdade de movimentos".

Há também a possibilidade de uma investigação por genocídio, que já decorre no Tribunal Internacional de Justiça e sobre a qual o presidente ucraniano reforçou as acusações este domingo. Mas neste caso quem se senta no banco dos réus é a Federação Russa e não o seu presidente. “Ao contrário do Tribunal Penal Internacional, que julga pessoas, representantes de Estado, na esfera da justiça penal, no Tribunal Internacional de Justiça quem tem assento são os Estados, nunca serão aplicadas penas a indivíduos”. 

Ainda que os requisitos para que um país seja julgado por genocídio sejam “extremamente difíceis de provar, nomeadamente existir evidência de que existiu uma perseguição aos cidadãos ucranianos”, Teresa Violante afirma que, como tanto a Rússia como a Ucrânia reconheceram a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, “o problema de uma das partes não reconhecer a autoridade do tribunal não se coloca neste caso”.

Teresa Violante explica que à semelhança da Guerra da Bósnia em que o ex-líder servo-bósnio Radovan Karazic só viria a responder pelos crimes de genocídio mais de 18 anos depois de os cometer, também o mesmo pode acontecer com Putin. “A investigação é morosa porque quem comete estes crimes tem um interesse muito grande em escondê-los. Isso foi muito evidente naquilo que se passou na Bósnia e é muito evidente nestas situações”.

A investigadora reitera ainda que uma possível investigação levada a cabo pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, será dificultada pelo facto de ser “cada vez mais difícil termos informação verídica daquilo que se passa no terreno”. Isto porque, explica, as forças russas “estão a perseguir de forma cada vez mais intensa os repórteres que estão no terreno e a informação que eles passam é essencial para podermos ter acesso de forma fidedigna àquilo que se está a passar para futuros processos e eventuais condenações”.

Ainda assim, nos últimos dias e com o abandono das tropas russas da região de Kiev, imagens de um rasto de destruição e do que parecem ser provas de crimes de guerra cometidos contra civis. Nas imagens que chegaram à comunicação social é possível ver cadáveres amarrados, baleados na cabeça e cujos corpos mostram sinais de tortura. Segundo as autoridades ucranianas existem relatos de violações.

Estes vestígios não são comuns em crimes de guerra e, para Teresa Violante, “parece que houve uma pressa tão grande na fuga que não houve este cuidado em esconder as provas dos crimes”. Putin, nesta retirrada, “não foi bem sucedido, o que vai facilitar esta prova hedionda”. 

Para o professor universitário especialista em diplomacia Tiago Lopes estas imagens são inconsequentes, porque o Tribunal Penal Internacional carece de jurisdição no conflito, já que nem a Rússia nem a Ucrânia ratificaram o Estatuto de Roma, que o estabeleceu em 1998.  Contudo, argumenta Tiago Lopes, estas imagens “podem ajudar a fazer o caso no que toca à Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, no qual os dois estados são signatários”. Assim, explica o especialista, a intenção manifestada por Charles Michel, presidente do Conselho Europeu e da presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen de ajudar a documentar possíveis crimes de guerra servirá para “ajudar a criar prova para o caso de genocídio”.

 

 

Outro ponto que poderá facilitar um caso contra a Rússia sobre genocídio são os relatos dos sobreviventes que têm falado à ONU e à Humans Right Watch. “Pelas suas palavras, temos indícios muito fortes de quem está a provocar estes crimes”, refere Teresa Violante. Ainda assim, garante Tiago Lopes, este será um caso difícil de construir. “Levará pelo menos seis a sete anos se o processo correr bem”, vaticina.

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