Como a guerra da Ucrânia revelou a empatia seletiva da Europa em relação aos refugiados

CNN , Por Zeena Saifi
18 mar 2022, 08:13
Refugiados da guerra na Ucrânia na chegada à fronteira com a Polónia (AP Photo/Petros Giannakouris)

Martin Griffiths, coordenador das Nações Unidas para Assuntos Humanitários e Ajuda de Emergência, reconheceu esta semana, em entrevista à CNN, que existe uma “diferença chocante ao nível das prioridades para cada povo”

O Ocidente mostrou uma coordenação e união sem precedentes na sua resposta à invasão russa da Ucrânia. Governos, empresas e pessoas juntaram-se para sancionar e boicotar Moscovo, e a Europa abriu as suas portas a uma torrente de refugiados.

No entanto, no meio desta onda de empatia, surgiram fortes discrepâncias na forma como a Europa tem lidado com os refugiados ucranianos em relação àqueles que têm vindo de conflitos no hemisfério sul.

A crise de refugiados na Ucrânia é uma catástrofe. Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), já fugiram do país mais de três milhões de pessoas desde o início da invasão russa. Em comparação, foram precisos seis meses para que um milhão de refugiados deixasse a Síria em 2013, quase dois anos após o início da guerra civil naquele país.

As duas guerras ocorreram em momentos diferentes e em continentes diferentes, mas em contraste com os sírios que fugiram do conflito, os ucranianos estão a ter uma receção muito mais calorosa na Europa.

"É extraordinário observar a facilidade com que, comparativamente, estão a ser acolhidos por praticamente todos os governos europeus, e o modo como o sofrimento que sentem pela ofensiva russa está a ser recebido com uma solidariedade arrebatadora”, disse H. A. Hellyer, um académico do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, sedeado em Washington, DC.

Martin Griffiths, coordenador das Nações Unidas para Assuntos Humanitários e Ajuda de Emergência, reconheceu esta semana, em entrevista à jornalista Christiane Amanpour, da CNN, que existe uma “diferença chocante ao nível das prioridades para cada povo”, mas acrescentou que não é invulgar que os países vizinhos recebam um grande número de refugiados, lembrando os exemplos dos sírios na Turquia e dos afegãos no Paquistão.

A Dinamarca é conhecida por ter uma das políticas anti-imigração mais rigorosas da Europa. O governo acolheu refugiados ucranianos de braços abertos e, embora assegure que todos os refugiados são tratados da mesma forma, está a pedir a alguns refugiados sírios que vivem no país para voltarem a casa, apesar do conflito permanente no seu país.

Não faltam exemplos destes em toda a Europa.

Na França, o candidato presidencial de extrema-direita Eric Zemmour disse, em entrevista à BFM TV, em 8 de março, que seria aceitável ter regras diferentes para refugiados vindos da Europa e de países árabes muçulmanos.

“Toda a gente sabe que os imigrantes árabes ou muçulmanos são muito diferentes de nós e são mais difíceis de serem aculturados e assimilados. Estamos, de facto, mais próximos dos cristãos europeus”, argumentou.

Poucos dias após a invasão da Ucrânia, o primeiro-ministro da Bulgária, Boyko Borisov, questionado sobre a possibilidade de aceitar refugiados, respondeu que nenhum país europeu tinha medo da vaga migratória que está para chegar.

“Esta gente é europeia, por isso nós e todos os outros países estamos prontos a recebê-los”, disse. “Por outras palavras, esta não é uma onda de refugiados como as que estamos habituados, em que não sabemos o que fazer, pessoas com um passado duvidoso— serão terroristas [ou não]?”, acrescentou.

A disparidade no tratamento dos refugiados pode dever-se à proximidade da Ucrânia em relação aos países de acolhimento e à perceção no Ocidente de que a Rússia está a ameaçar a segurança da Europa através da guerra, apontou Hellyer.

“Mas não podemos subestimar uma resposta muito mais crua e tribal, e o facto de que muitos de nós olhámos para os ucranianos e vimos refugiados porque são brancos e cristãos”, acrescentou.

Judith Sunderland, diretora adjunta da divisão para a Europa e Ásia Central da Human Rights Watch, disse à CNN que “a empatia e a solidariedade devem estender-se a todas as pessoas necessitadas, não apenas àquelas que sejam parecidas connosco ou da nossa religião”.

“A Europa está a fazer a coisa certa desta vez, ao manter as suas fronteiras abertas a todos e a avançar rapidamente no sentido de conceder proteção temporária aos ucranianos, enviando uma mensagem muito forte de empatia e solidariedade”, defendeu. “Mas isto entra fortemente em contraste com as políticas e práticas que continuamos a observar em relação aos migrantes e refugiados de outras partes do mundo, a maioria deles com a pele escura", acrescentou.

De acordo com um relatório da ONU de 2021 - dos quase 7 milhões de sírios forçados a fugir do seu país, cerca de 1 milhão vivem na Europa, com 70% deles instalados em dois países: Alemanha e Suécia.

Em 2018, no pico da crise migratória na Europa, os países da Europa Central decidiram ignorar uma cimeira da UE sobre migração, com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, a afirmar que essa questão tornar-se-ia um “frenesi pan-europeu”. Os países já haviam rejeitado propostas de outras nações europeias para permitir que um certo número de refugiados entrasse nos seus países. Agora, existem países da Europa Central, como a Hungria e a Eslováquia, a acolher centenas de milhares de refugiados ucranianos.

“Para um continente que procura exibir orgulho na superioridade do pluralismo sobre a intolerância, no seguimento das terríveis experiências do Holocausto, do genocídio na Bósnia e das lutas pelos direitos civis em todo o continente e no Ocidente em geral, esta é uma triste chamada de atenção para o facto de muitos nós continuarmos a ser extraordinariamente tribais e racistas”, vincou.

Foi oferecido asilo e proteção sem reservas a três milhões de refugiados em países vizinhos em toda a União Europeia, refere a ACNUR, em comunicado enviado à CNN. “A nossa esperança é que esta mesma solidariedade, compaixão e apoio possam ser alargados aos outros 84 milhões de pessoas forçadas a fugir de um conflito em todo o mundo", pode ler-se ainda.

Com dados adicionais de Nadeen Ebrahim, CNN

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