"Eles são a carteira de Putin": o que é um oligarca e o que os separa dos bilionários ocidentais?

15 abr 2022, 07:00
"Solaris", superiate de Roman Abramovich (AP Photo/Risto Bozovic)

Pessoas “obscenamente ricas” não existem apenas na Rússia, mas em todo o mundo. Mas umas são chamadas oligarcas e outras "apenas" bilionários

Mega-iates, clubes de desportivos, televisões e mansões espalhadas por todo o mundo. À vista desarmada, a diferença entre um bilionário e um oligarca russo pode parecer apenas um detalhe ideológico. Porém, os especialistas alertam que o termo pode não descrever corretamente estes indivíduos e a sua relação com a elite política russa.

“Inicialmente, Putin era guiado pela vontade de fazer dinheiro. Agora, tem uma missão na sua cabeça e isso é muito mais assustador”, afirmou Mikhail Khodorkovsky, um oligarca e antigo ministro “saneado” pelo regime russo, em entrevista à CNN Internacional.

Khodorkovsky não é um russo normal. Foi o homem mais rico do seu país até ao momento em que, em 2003, não colaborou com o recém-eleito presidente, Vladimir Putin, e apoiou publicamente um dos seus rivais políticos. Acabou por perder tudo o que tinha devido uma acusação de fraude fiscal. Esteve dez anos preso na Rússia.

Tinha sido um dos homens escolhidos a dedo após a dissolução da União Soviética para tomar as rédeas de um dos setores estratégicos da economia russa que anteriormente pertenciam ao Estado soviético. Este processo esteve envolto num manto de corrupção e numa luta pelo controlo de alguns setores a qualquer custo.

Como resultado, alguns dos indivíduos que saíram vitoriosos deste processo juntaram fortunas enormes, acabando por influenciar o próprio governo russo, então liderado por Boris Yeltsin. Porém, muito mudou desde que Vladimir Putin chegou ao poder, no ano 2000.  

Os oligarcas são oligarcas?

“É um erro, a forma como se pensa que a Rússia organiza a sua estrutura de poder. O poder russo não é uma oligarquia, mas sim uma ditadura. Os oligarcas, no fundo, não são oligarcas, são apenas agentes do Kremlin que são utilizados como uma ferramenta. Não existe feedback numa direção que permita influenciar o ditador. Eles não conseguem fazer isso, em termos práticos. Eles são a carteira de Putin”, garante Khodorkovsky.

Para o comentador da CNN Portugal, Azeredo Lopes, é um erro utilizar a expressão “oligarca” apenas aplicada aos russos quando visa descrever quem, à custa de um regime autocrático, beneficia de vantagens económicas que não teria com o funcionamento normal da economia. “A utilização a propósito e despropósito da palavra oligarca e associada a uma nacionalidade não me faz muito sentido. É uma espécie de conforto de linguagem”, alerta.

Azeredo Lopes recordou que a “euforia de transferência de propriedade e de meios de produção da esfera pública para a esfera privada” e que criou uma nova classe de pessoas “obscenamente ricas” não se restringiu apenas à Rússia, mas sim a quase todos os países da esfera de influência da antiga União Soviética.

De acordo com a Forbes, em 2001 a Rússia tinha 8 bilionários com uma fortuna coletiva avaliada em 12,4 mil milhões de dólares. Cerca de 20 anos mais tarde, já são 101 bilionários com uma fortuna de 432,7 mil milhões.

“A certa altura, considerou-se aceitável que os poderes estabelecidos designassem - nós chamaríamos a isso corrupção - uma transferência brutal de riqueza para pessoas que não tinham nada que as recomendasse, do ponto de vista do funcionamento das regras normais, para terem a exclusividade sobre alguma coisa. Estas pessoas apareceram em setores estratégicos como o gás natural, o petróleo e algumas áreas industriais”, explica o antigo ministro da Defesa português.

O mesmo aconteceu na Ucrânia, embora a uma escala ligeiramente mais reduzida do que na Rússia. Azeredo Lopes recorda que, apesar de tudo, a Ucrânia ainda não “atingiu os patamares de controlo que são típicos de um Estado de Direito ou das democracias que assentam nas leis de mercado” e que, ao longo de vários anos, reinou uma dança de cadeiras na liderança do país entre líderes pró-Rússia e pró-Ocidente, onde “toda a gente das estruturas dirigentes” aproveitava-se dos recursos e dos dinheiros públicos.

Isso contrasta com os agentes económicos, conhecidos como bilionários, que atuam dentro das regras da economia de mercado, onde a propriedade privada é salvaguardada e as decisões de investimento, produção e distribuição são regidas pelos sinais criados pela lei da oferta e da procura.

“A expressão oligarca tornou-se uma espécie de tique de linguagem da nossa parte, quando começamos a falar daqueles que controlam a riqueza por privilégio, por concessão direta. Temos setores inteiros que foram atribuídos a quatro ou a cinco pessoas”, frisa.

Como é que as sanções económicas vão pressionar Putin?

Parte da reação do Ocidente à invasão da Ucrânia passou pelo apertar do cerco à elite económica russa e a alguns dos seus familiares. A estratégia passa pela crença de que muitos destes milionários que são próximos do Kremlin poderão não gostar de ver as suas fortunas reduzidas e os seus ativos congelados, e que poderão exercer pressão junto de Vladimir Putin para parar a guerra e eles poderem retomar a atividade económica.

Em declarações à CNN Portugal, a especialista em assuntos internacionais Diana Soller acredita que o facto de estes bilionários russos da confiança de Putin não deterem o controlo do sistema coloca em causa a estratégia ocidental de máxima pressão aos oligarcas. “Os oligarcas não controlam o sistema. É o sistema que controla os oligarcas. Poderá haver um ou outro oligarca que tenha algum controlo sobre o regime, mas eu duvido muito. Há uma cúpula das elites político-militares que gravitam à volta de Putin, mas é uma cúpula muito pequena e muito controlada pelo Estado”, destaca. 

A possibilidade de que parte deste grupo de pessoas que beneficia da sua relação de proximidade com Vladimir Putin se vire contra o Kremlin é, para Diana Soller, wishful thinking por parte do Ocidente, uma vez que nada garante a estes indivíduos que não serão responsabilizados após a queda do líder.

“Nós gostaríamos de acreditar que a cúpula do poder teria capacidade para derrubar o presidente Putin, mas não me parece que isso seja verdade. Há um controlo muito forte do Kremlin. Se Putin cair, toda a gente cai com ele. Seja a elite política, seja a económica ou a mediática, não há qualquer interesse no derrube de Vladimir Putin. No dia em que Putin cair, a elite cai com ele”, aponta.

A mesma opinião é partilhada por Mikhail Khodorkovsky. O antigo magnata do petróleo russo acredita que para travar a guerra não basta sancionar o seu círculo intimo, mas sim “retirar qualquer oxigénio financeiro” ao regime russo. “Porque é que as sanções cobrem apenas 70% dos bancos russos? Qualquer pagamento a favor da Rússia ou nos interesses do regime de Putin deve ser travado. Para isso, todas as contas que pertencem a oligarcas devem ser bloqueadas até que a guerra pare”, sublinha em conversa com Fareed Zakaria, da CNN Internacional.

“Nunca propus sanções contra a Rússia, mas agora temos de parar esta guerra. Não há um preço demasiado elevado para travar esta guerra”, disse.

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