O exército ucraniano tem 219 mil soldados no ativo, a Rússia tem 840 mil: para atenuar o desequilíbrio de forças, os civis ucranianos fazem filas para se alistarem no Exército, produzem cocktails molotov, lubrificam balas com banha de porco e até confrontam o exército russo cara a cara. “O povo ucraniano nunca me surpreendeu. A Ucrânia hoje mostra ao mundo que é corajosa, que tem carácter, que tem força”, conta à CNN Portugal Fernando Alves, ele que mora em Rivne e que se diz tão ucraniano como português. Agora vai lutar pelo país que o acolheu: “Eu luto, ninguém me mete a mão em cima”
Ele está mentalmente preparado para ir à luta: “Eu nem sequer nunca estive na tropa mas tenho de me defender”. Fernando Alves, 52 anos, reside na Ucrânia há quase 20 e quer lutar pelo país que o acolheu, juntando-se aos seus vizinhos, à “comunidade da qual diz fazer parte”. “Eu não sou emigrante, a Ucrânia é a minha terra. Se correr mal [a reunião entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky], vou à fronteira e deixo lá os meus miúdos. Mas estou cá até ao fim.”
Ao telefone com a CNN Portugal, o empresário português garante que a postura do povo ucraniano é apenas uma novidade para quem não conhece o país. “O povo ucraniano é teimoso”, elogia (sim, é um elogio), relatando que “nos últimos sete, oito anos” a relação do país com a Rússia deteriorou-se. “Começou a sentir-se que os ucranianos não querem ver mais russos, viver do domínio de russos.” E a invasão fez unir o povo - que quer lutar.
Ainda antes das investidas da Rússia na Ucrânia, crianças, jovens e adultos iam-se preparando para um eventual conflito com armas de madeira, formando a Força de Defesa Territorial da Ucrânia. Nos arredores de Kiev, os civis esperam pelos russos com armas nas mãos, um “exército popular” e inesperado, tal como a CNN Portugal já relatou, e que aos poucos começou a ser preparado. Aquilo que parecia uma formação básica serve agora de base para milhares de ucranianos que vão para a linha da frente, mesmo sem nunca terem pegado numa arma verdadeira. Noutras zonas já invadidas pela Rússia param os tanques russos com as mãos, uma bravura que é noticiada além fronteiras.
“O povo ucraniano nunca me surpreendeu. A Ucrânia hoje mostra ao mundo que é corajosa, que tem carácter, que tem força”, diz Fernando Alves, que, à semelhança de outros não ucranianos descritos pelos The Wall Street Journal, querem lutar por esta nação.
Não tem dúvidas de que é na Ucrânia que pode fazer falta e até a diferença. “Se voltar para trás depois de deixar os meus filhos na fronteira, estou a declarar também guerra à Rússia, nem que seja a ajudar com feridos. Mas em último recurso tenho de pegar numa arma.”
A bravura
O exército ucraniano tem 219 mil soldados no ativo, o russo tem 840 mil. Estes números evidenciam a desigualdade de forças mas há outros: no que diz respeito a aviões de combate e helicópteros de ataque, a Ucrânia tem 170 de cada, enquanto a Rússia soma 1212 e 997, respetivamente; quanto aos tanques de guerra, que tanto se têm visto pelas ruas de algumas cidades ucranianas, a Rússia tem o dobro dos da Ucrânia - 3601 e 1302, respetivamente. O exército russo dispõe ainda de 5631 armas antiaéreas, enquanto a Ucrânia tem 2555.
Esta discrepância de armamento levou o povo ucraniano a juntar-se à linha da frente de combate, alguns à boleia da lei marcial, outros porque sentem que têm o dever de lutar pelo seu país, seja de nascimento ou não, tal como Fernando Alves. “Eu luto, ninguém me mete a mão em cima”, assegura o português.
O presidente Volodymyr Zelensky deu o primeiro passo, apelando a todos os que se sentem aptos para se juntarem à luta. E no Twitter tem-se mostrado junto dos militares, na linha da frente do combate. Um milhão de populares, homens e mulheres, têm armas nas mãos e estão dispostos a ajudar os militares a combater os russos. Esta informação foi recolhida junto de fontes locais por Pedro Mourinho, enviado especial da CNN Portugal a Kiev, capital da Ucrânia.
Fernando Alves não tem ainda armas consigo, nem equipamento de proteção. É um dos muitos que estão à espera de armamento, algo que ficou rapidamente escasso face ao elevado e inesperado número de cidadãos que se quiseram alistar. “Quando [a Ucrânia] pediu às pessoas para se alistaram, as pessoas entraram em massa, não estavam à espera. Chegou aqui a um ponto em que está tanta a gente a alistar-se que mete pena, raparigas com 18 anos, artistas de música, doutores, bailarinas”, relata Fernando Alves, mas apressa-se a dizer que não faltam alternativas - mais uma vez vindas da “muita entreajuda” que há no país. “As pessoas estão com armas de caça, os vendedores disponibilizaram-nas.”
Russia has started a war of aggression not only against the Ukrainian state, but against the Ukrainian people. Across the entire country, people line to join territorial defense, as well as to donate blood for the military.#StopRussianAggression #RussiaInvadedUkraine pic.twitter.com/QBG4fIEMcz
— MFA of Ukraine 🇺🇦 (@MFA_Ukraine) February 25, 2022
Os cidadãos da Ucrânia estão também a produzir cocktails molotov (e há até garrafas de vinho português à mistura), após um apelo feito pelo próprio Ministério da Defesa da Ucrânia.
Trenches and Molotov cocktails: Kyiv digs in for war https://t.co/mdcjniy8Y5 @AFP pic.twitter.com/MNJ7Y9PblC
— W.G. Dunlop (@wgdunlop) February 28, 2022
E esta luta não escolhe idades. Kateryna Yushchenko, antiga primeira-dama da Ucrânia (de 2005 a 2010), publicou no Twitter a imagem de um cidadão ucraniano com 80 anos que quer lutar pelo seu país. “Apareceu para se alistar no exército, carregando consigo uma pequena mala com 2 camisolas, umas calças-extra, uma escova de dentes e algumas sandes para o almoço. Ele disse que estava a fazer isto pelos seus netos.”
Someone posted a photo of this 80-year-old who showed up to join the army, carrying with him a small case with 2 t-shirts, a pair of extra pants, a toothbrush and a few sandwiches for lunch. He said he was doing it for his grandkids. pic.twitter.com/bemD24h6Ae
— Kateryna Yushchenko (@KatyaYushchenko) February 24, 2022
Com uma AK-47 nas mãos, uma mulher de 79 anos apareceu pronta para defender o seu país da Rússia, fazendo parte dos treinos que são dados aos civis por alguns elementos do exército ucraniano. É mais um exemplo de bravura civil.
Ukrainian great grandmother, Valentina Constantinovska, on an Ak-47, training to defend against a possible Russian attack. “Your mother would do it too,” she told me. pic.twitter.com/PnojqRir4K
— Richard Engel (@RichardEngel) February 13, 2022
Mas não é só de armas que se faz a guerra, pelo menos esta guerra. A união dos ucranianos tem sido um dos principais escudos-protetores, estando os cidadãos a atuar e a ajudar nas mais variadas tarefas, desde distribuir bens alimentares e roupa (que vão chegando não só da parte dos próprios ucranianos mas também de várias parte do mundo através de doações feitas) a “levar água aos militares”, como conta Fernando Alves. Há gente a doar sangue, a cavar e a preparar bunkers ou a fazer pontos de proteção com troncos de madeira e sacos de areia, como relata o The New York Times.
É nas redes sociais que se multiplicam os vídeos e relatos de civis que atuam de forma destemida, seja em patrulhas pelas ruas ou como este homem que remove uma mina que estava debaixo de uma ponte:
In #Berdyansk, a man removed a mine from under a bridge. pic.twitter.com/ZrBy1pqC0w
— NEXTA (@nexta_tv) February 27, 2022
Outro exemplo: este cidadão faz frente a um tanque russo com as suas próprias mãos.
Portraits of courage and the best of humanity pouring out from Ukraine. This civilian tries to stop a Russian tank with his bare hands.
As Putin hides like a coward behind Russia, the people of Ukraine are being led by Zelensky.#StandWithUkriane pic.twitter.com/kWqcd4h2Pl
— Emily Schrader - אמילי שריידר (@emilykschrader) February 28, 2022
“O exercício russo achava que chegava aqui e ia içar as bandeiras em 24 horas, mas os russos enganaram-se, há resistência, até crianças lutam, ninguém quer esta repressão da Rússia - isso já a Ucrânia deu a entender em todo o mundo. A Ucrânia quer viver livre. Os russos podem tomar Kiev mas a Ucrânia não se vai vergar”, frisa Fernando Alves, que se diz pronto para tudo.