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Colunista e comentador

Sim, cansei de ser ameaçado e não vou pactuar mais com este sistema (percebes, Sérgio Conceição?)

9 fev 2023, 17:22
FC Porto: Conceição explica ausência de Fábio Cardoso e fala Bernardo Folha

Rui Santos reage a ameaças e à polémica causada por declarações do treinador do FC Porto. "Nenhum “Sérgio” — nem nenhuma peça do sistema do qual ele faz parte — me vai intimidar", escreve. E desafia a sociedade: "A inação e o medo são o combustível que alimenta a marginalidade e os seus fautores."

Começo por agradecer, desde já, as inúmeras mensagens que me fizeram chegar, no seguimento do comunicado que publiquei na minha rede social instagram (@ruisantosoficial), no qual denunciava as ameaças que me fizeram chegar, antes mas principalmente depois da final da Taça da Liga (Sporting-FC Porto) e das observações que fiz a Sérgio Conceição, após ter sido expulso pela 12.ª vez ao serviço do Dragão.

São mensagens importantes, de titulares de cargos em instituições relevantes, e não posso deixar de agradecer igualmente a disponibilidade das autoridades policiais no acolhimento da queixa-crime que apresentei na Polícia Judiciária e nos passos que se lhe seguiram.

Eu não quero desistir de acreditar no meu País e é também por causa disso que decidi não pactuar mais com esta vergonha.

Não é novo para mim, porque comecei muito cedo na minha atividade profissional e muito cedo percebi, em Portugal, o que são as rivalidades clubísticas, mas, mais do que isso, o que gente com teórica responsabilidade é capaz de fazer para proteger os seus interesses, utilizando paus-mandados (desculpem a expressão, mas não encontro outra melhor para designar a soldadesca que calça as botas cardadas para cumprir ordens dos seus oficiais) para criarem um clima de medo junto de pessoas ou instituições.

A sociedade portuguesa tem de perceber, de uma vez por todas, que tem uma responsabilidade nisto.

Não são apenas as autoridades, mas o comportamento e a ação de cada um de nós.

A democracia é isto. Respeitar mesmo que não se concorde. A democracia não é a liberalização da violência, da injúria e da ameaça.

Não podemos aceitar que, debaixo do guarda-chuva das rivalidades clubísticas, se abriguem todo o tipo de crimes (sejam eles de injúrias ou de ameaças concretas à integridade física de cada um de nós) e que eles entrem no quadro de uma certa normalidade e banalização, que afectam a nossa condição de cidadãos, com direitos e deveres, à luz da Constituição da República.

A inação e o medo são o combustível que alimenta a marginalidade e os seus fautores.

Sim, com 47 anos de actividade futebolística vi desfilar à frente dos meus olhos parte importante da história do futebol português.

Conheci protagonistas, assisti a muita coisa (intimidação flagrante, à descarada) e não precisam de me vir contar porque assisti a muitos episódios relacionados com a imprensa, no auge da estúpida guerra Norte-Sul.

Os métodos utilizados no século passado são os mesmos que ainda hoje se utilizam, com a agravante de as redes sociais terem agudizado a sensação de que, atrás do teclado, pode valer tudo.

Não vale.

Dei sempre a cara em todas as ocasiões, não perdi um único caso em tribunal, e não vou permitir mais, no que me diz respeito e à minha volta, que o desejo de relativização — para não criar ruído acima daquele que já está instalado, com programas diários de zaragata inter-clubística, uma vergonha diária nas nossas televisões, com o alegado suporte de que “aquilo é que vende e dá audiências” —; que o desejo de relativização, dizia, se sobreponha ao dever de lutar pela afirmação de todos os direitos e deveres como cidadão, numa democracia plena e ao abrigo, repito, da Constituição da República.

Nas últimas semanas, depois de ter sido diversas vezes incomodado com mensagens e telefonemas em loop, o ambiente tornou-se pior e insustentável, por força de opiniões expendidas no “Rui Santos Em Campo”, quando me dirigi ao árbitro João Pinheiro, que apitou a final da Taça da Liga entre Sporting e FC Porto — e ao treinador Sérgio Conceição, expulso pela 12.ª vez como treinador dos azuis-e-brancos.

Em toda a minha carreira, não recebi um cêntimo directamente do futebol (...), não ambiciono nada senão poder reunir as condições para, livremente, desempenhar as minhas funções.

As pessoas têm todo o direito de não concordarem comigo, têm todo o direito, inclusive, de não me quererem ver e ouvir, mas têm de perceber — de uma vez por todas — que um programa de autor tem uma assinatura e é com ela, e sob moderação, aliás muito responsável, que as opiniões são desenvolvidas.

A democracia é isto. Respeitar mesmo que não se concorde. A democracia não é a liberalização da violência, da injúria e da ameaça.

Acresce que, em toda a minha carreira, não recebi um cêntimo directamente do futebol (talvez seja isso, a não captura, que me valha alguma ‘impopularidade’ noutros sectores, mais perto do meu), NÃO QUERO nenhum cargo em nenhum clube; não tendo caído do céu, não ambiciono nada senão poder reunir as condições para, livremente, desempenhar as minhas funções.

A propósito de condições, tenho há muito que os árbitros portugueses, exactamente por se viver num clima de permanente coação, não reúnem as condições suficientes para arbitrar na plenitude das suas faculdades físicas e principalmente psicológicas. Eles são pressionados até à medula e colocados sob um clima de intimidação que não pode ser tolerado.

Não se pode tolerar, aliás, que pessoas com capacidade decisória, seja na arbitragem, na disciplina, nos tribunais, nas redações ou noutros locais, possam ser objecto de um condicionamento terrível, porque vêem as suas vidas  — ou dos seus mais próximos — serem ameaçadas.

Não podemos deixar, aliás, que a responsabilidade seja imputada apenas aqueles que perpetuam os crimes. Esses têm de perceber que, apesar das sensações, isto não é a República das Bananas, mas os seus patrocinadores precisam de sentir que o País não está nas suas mãos (ou está?) e não estão (ou estão?) acima da Lei.

No último programa, dirigi-me a Sérgio Conceição para o tentar sensibilizar de que o futebol não é uma guerra e não deve ser uma guerra, na esperança de que ele pudesse colocar a mão na consciência, perante um comportamento reincidente no banco que não tem nenhuma razão de ser.

Fi-lo porque me lembro da última conversa que tivemos, no auge da saída de Francisco Conceição para o Ajax e também dos incidentes que protagonizou com a claque mais representativa dos azuis e brancos. E sei do que me disse sobre as pressões internas que sofre para tentar justificar alguns excessos.

Já acredito em tudo, mas não posso deixar de lamentar a forma inenarrável como o Sérgio — pressionado ou não — se referiu ao programa do qual sou autor — e responsável, portanto, pelos seus conteúdos.

O Sérgio sabe melhor do que ninguém que, ao proferir tais palavras, utilizando Jorge Costa como pretexto para lançar a ‘bomba’, ia desencadear junto dos adeptos e principalmente junto das claques um efeito multiplicador.

Irresponsável.

O Sérgio pode ter exércitos contra ou a seu favor, tem a prerrogativa de utilizar os microfones quando e onde quiser, tem gente ao seu serviço na periferia e nos canais do clube; eu só tenho a palavra, e, se sou tão insignificante como eles às vezes dizem, não percebo por que motivo causo tanta agitação.

Será porque ficam nervosos quando falham o objectivo do controlo total?

Foi no terreno, nas deslocações aos estádios, que comecei a perceber o significado da palavra COAÇÃO.

Nenhum “Sérgio” — nem nenhuma peça do sistema do qual ele faz parte — me vai intimidar. Não são os títulos conquistados nem os milhões ganhos que legitimam um treinador achar-se dono disto tudo e capaz de faltar ao respeito a toda a gente que não cumpra os seus desígnios.

Lutarei com todas as minhas forças para que o futebol não seja uma guerra; para que haja paz institucional e que a Constituição se cumpra.

Tenho a certeza de que somos muitos a querer regressar ao verdadeiro futebol. O gozo de ver, em família, um jogo de futebol. Sem ser incomodados e com oficiais que saibam respeitar o seu ofício.

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