Escreve Rui Santos: "Dou por mim a pensar, caro Rui, o que terá motivado Luís Mendes a bater-te violentamente com a porta na cara"
Caro Rui Costa,
Outra vez protagonista da semana, por via de mais uma entrevista-bomba, esta concedida pelo ex-vice Luís Mendes, ex-número 2 da estrutura, a figura de alegada confiança que escolheste para se conseguir o amparo desejável do ponto de vista das operacionalizações de matriz financeira.
Essa entrevista, já aqui analisada, na sequência do ‘bombardeamento’ feito, alguns dias antes, pelo ex-presidente Luis F. Vieira, queria ter o efeito potencialmente destrutivo no momento considerado certo, entre duas assembleia gerais, a da votação dos estatutos e a da votação das contas.
As contas foram chumbadas, é certo, o que merece profunda reflexão, sobretudo na não hesitação de que é preciso cortar urgentemente e sem sofismas nos custos, mas a magnitude do efeito anti-Rui Costa não foi tão bombástico porque os sócios presentes na última assembleia geral também já perceberam, por um lado, que este não é (1.º) o tempo para antecipar eleições, porque ninguém vê vantagens nisso; (2.º) porque a campanha contra Rui Costa é tão feroz que, em nome de um certo equilíbrio e sensatez, ate fica mal patrociná-la ou participar nela.
Dou por mim a pensar, caro Rui, o que terá motivado Luís Mendes a bater-te violentamente com a porta na cara duas vezes (quando saiu e quando falou).
Tenho a forte convicção de que tudo tem que ver com expectativas criadas e isso não é apenas válido para clubes de futebol mas para todo o tipo de organizações. É recorrente.
Para se conseguir o ‘sim’ de Luís Mendes, calculo que tenhas utilizado um discurso atrativo, sedutor, eloquente, sobre a proximidade de anos com um parceiro considerado amigo.
Luís Mendes terá pensado que iria ser o centro da transformação do Benfica, com base em menos ‘vieirismo’ (leia-se ‘homens de Vieira’) e mais ‘mendismo’.
Uma transformação feita com base numa governance mais profissional e menos ‘societária’, chamemos-lhe assim, embora isso tenha correspondido à não percepção (por parte de Mendes) dos sinais que, na área do associativismo, eram dados nas tuas proximidades por pessoas que querias manter por perto.
É sempre um exercício muito difícil impor alguém que vem de fora numa estrutura cheia de vícios, neste caso submetida às rotinas e às dinâmicas impostas por um regime com 18 anos de vida, e ainda por cima atingido pelo facto de te teres mostrado disponível para substituíres Vieira.
Luís Mendes ter-se-á sentido defraudado por não o teres defendido como ele achava que merecia e era a tua alegada promessa; tu, Rui, terás achado que Mendes não fez o suficiente para — com a posição que lhe deste — esgrimir ‘argumentos’ com aqueles que, já se sabia, iam fazer tudo para não o integrar e até para o boicotar.
Repito: é recorrente em muitas organizações, sobretudo naquelas em que o centro de poder é muito repartido, como é o caso manifesto do Benfica.
Caro Rui Costa,
Chegámos ao ponto que interessa reter: o Benfica precisa de escolher o seu caminho (vamos ver o que vai conseguir fazer Nuno Catarino e o novo conselho de administração da SAD) e esse caminho será tão ou mais fácil consoante aquilo que, em campo, a equipa de futebol conseguir, agora sob o comando de Bruno Lage.
Sócios e adeptos do Benfica acharam estranho que, sendo tu um ex- praticante de excelência, tivessem sido tão incompletas as escolhas para não se deixar um vazio nas posições antes ocupadas por Grimaldo e Gonçalo Ramos. Cobram mais isso do que alegadas dificuldades para gerir mutações palacianas.
E, neste passo, já com Bruno Lage no comando, a retificar algumas coisas óbvias que Schmidt não conseguia ver (posicionamentos de Aursnes e Kokçu, por exemplo), é preciso dar crédito às aquisições mais recentes, nomeadamente às de Pavlidis, Akturkoglu, Amdouni, e ao melhor aproveitamento de Rollheiser.
Sim, Rui, é indispensável a cobertura de Bruno Lage e da equipa de futebol. Com ela, e enquanto durar, o furacão do tema das lideranças do Benfica irá perder força. É essa, de facto, a tua força maior.
E, já agora, uma observação: acho piada àqueles que veem o exercício de presidir a um clube com a dimensão do Benfica como uma coisa de caracacá (permita-se-me o plebeísmo), sobretudo a partir de alguém que gosta, acima de tudo, de uma boa conversa “de bola”.
E sobretudo num clube com o terreno todo minado. Este não é o momento de decisões para uma nova candidatura.
Este é o tempo em que a posição e a oposição do Benfica devem colocar a mão na consciência.
Fica uma observação: há momentos em que o silêncio é o melhor remédio. E institucionalmente, mais do que as fações de Vieira, Noronha, Benitez, Manteigas e outras paralelas, e sem que represente qualquer défice democrático, quem deve presidir ao Benfica, neste momento, é o silêncio.
Porque há muito trabalho a fazer nos intervalos da ‘lagística’ do Lage