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Colunista e comentador

A ingratidão de Pichardo, o exemplo de Pimenta e…"os políticos têm de olhar para o desporto de outra maneira, não é só aparecerem no momento das medalhas"

13 ago, 16:05
Luís Montenegro nos Jogos Olímpicos de Paris | Fotografia: Hugo Delgado/Lusa

Rui Santos cita os casos contrastantes dos atletas do Benfica, Pedro Pichardo e Fernando Pimenta, elogia o comportamento dos atletas olímpicos portugueses e, apesar dos avanços, diz que o país não tem tratado bem o desporto. O futebol não é responsável por isso porque sem o futebol e as apostas desportivas o cenário seria muito pior

Portugal obteve em Paris o seu melhor registo em participações nos 128 anos de história de Jogos Olímpicos, na chamada era moderna, com a conquista de quatro medalhas, uma de ouro (no ciclismo de pista, com Iuri Leitão e Rui Oliveira), duas de prata (ciclismo de pista e triplo salto/atletismo, com Iúri Leitão e Pedro Pichardo) e uma de bronze (judo, - 78kg, com Patrícia Sampaio), superando o registo em Tóquio, o mesmo número de medalhas mas duas de bronze em vez das duas de prata conseguidas agora em Paris.

O extraordinário desempenho de Iúri Leitão e Rui Oliveira no penúltimo dia dos Jogos, quando ainda não estava totalmente digerida a frustração em redor do 6.º lugar de Fernando Pimenta em K1 1000 metros, mudou tudo em relação à perceção que se havia gerado sobre o desempenho de Portugal nestes Jogos de Paris.

De num momento para o outro, e até em função do discurso do primeiro-ministro, Luís Montenegro, num contexto em que as palavras de Pedro Pichardo (“o Governo só olha para o futebol”) já pronunciavam um clima de alguma insatisfação, Iúri Leitão e Rui Oliveira foram o sol que iluminou a bruma que se estava a apoderar da participação de Portugal nestes Jogos, assim a modos do efeito produzido no FC Porto na Supertaça, ao virar um 3-0 num 3-4 frente ao Sporting.

Seja como for, a grande figura de Portugal nestes Jogos e também a figura da semana foi indubitavelmente IÚRI LEITÃO.

Que fibra, que inteligência e também que humildade! E, por isso, que orgulho. E não apenas para as gentes de Viana Castelo e arredores, também para Portugal, de lés a lés.

E é isso que sempre se espera dos atletas que representam Portugal.

Que se dediquem, que honrem o País e que exteriorizem uma imagem positiva do Desporto.

Obrigado, IÚRI LEITÃO, e obrigado também RUI OLIVEIRA, e obrigado também aos outros medalhados, ao Pedro e à Patrícia, mas também à Filipa da ginástica e ao Vasco e ao Ricardo do triatlo.

Portugal obteve a sua melhor classificação de sempre (50.º lugar entre 206 países ou siglas participantes), mas isso não quer dizer que o desporto em Portugal esteja bem ou que não mereça maior atenção de todos nós.

Os verdadeiros heróis são os atletas e os seus treinadores. Medalhados ou não, com resultados mais dentro ou fora das expectativas, eles merecem todo o nosso apreço. Porque se preparam, porque fazem enormes sacrifícios e o dinheiro que ganham é uma gota no oceano quando estamos a falar de alta competição e de atletas de elite.

Não, Portugal não é um país que, nas suas cúpulas, trate bem o desporto.

Não gosto de ver o desporto permanentemente fora dos debates partidários nas campanhas eleitorais e não vejo com bons olhos o facto de o desporto, nos programas dos partidos políticos, ser completamente desprezado. Seja ao centro, à direita ou à esquerda, mas com maiores responsabilidades para o centro democrático, a sede do poder político em Portugal desde o 25 de Abril, nas suas respectivas alternâncias. 

Não gosto de ver a política e os seus agentes ignorarem o desporto e depois aparecerem ao lado dos vencedores e dos medalhados, como aconteceu agora como o nosso primeiro-ministro, Luís Montenegro, em Paris. 

Uma coisa é a presença (que até acho discutível e trocava por maior apoio estatal entre ciclos olímpicos); outra coisa é a presença para a fotografia e para o aproveitamento mediático. Pobre, muito pobre. E forçado. Muito forçado.

Quando Carlos Lopes, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, nos anos 80 e 90, conquistaram ouro para Portugal, o país ainda estava mais futebolizado do que se acha atualmente.

Portugal oferece hoje muito melhores condições aos atletas, nomeadamente através da criação dos centros de alto rendimento (Anadia, Caldas da Rainha, Golegã, Maia, Montemor-o-Velho, Nazaré, Peniche, Rio Maior, Aveiro, Viana do Castelo, Gaia, Vila Real de Santo António, Jamor, Vila Nova de Foz Coa).

Tivemos um tempo em que nos queixávamos arduamente da falta de infraestruturas, todas elas centralizadas no século passado no Jamor. As infraestruturas não podem ser um queixume. São para se criarem e melhorarem.

O tema principal é a colocação do desporto na agenda política. É mudar o chip nos governantes. E, em vez de se condenar a futebolização do desporto, convencer os seus agentes e também o Estado que, exatamente pela força do futebol, deve ser possível — através da centralização dos direitos televisivos — aumentar as verbas a distribuir pelas restantes Federações desportivas, uma vez que precisamos todos de ter a noção de que as apostas desportivas estão a financiar em grande parte o futebol na FPF (mais de 30%) e os atletas de outras modalidades.

O futebol, ao contrário do que possa parecer, não é responsável pelo facto de não sermos um país que apoie o desporto como deveria. O que seria o desporto sem o apoio do futebol e das apostas desportivas?

A propósito: quando Pedro Pichardo, atleta do Benfica e medalha de prata do triplo salto por Portugal, e a dois centímetros do ouro, diz que o Governo só olha para o futebol está a ignorar o papel que o futebol tem tido, nos clubes e também na FPF, como financiador do desporto. 

O desporto, genericamente, depende em grande parte do movimento que se gera no espaço das modalidades nos clubes e elas existem, na sua esmagadora maioria, por causa da (maior) força financeira do futebol. Portanto, não vale a pena diaboilizar o futebol, independentemente das críticas que se lhe possam dirigir ou das entorses financeiras que nele cabem.

Infelizmente, olhando para todo este sistema em que gravita o movimento associativo, tratar bem o futebol e a sua generosidade corresponderá a tratar melhor o Desporto, embora devamos todos defender a ideia de que as verbas canalizadas para o desporto devam ser maiores.

Não gosto de ver milhões e milhões desperdiçados no futebol, mas esse é outro debate. Esses milhões desperdiçados, já se vê, podiam corresponder a muitas mais medalhas olímpicas e, sobretudo, a um país que respirasse muito mais Desporto.

Ainda Pedro Pichardo: não estará a ser ingrato para o Benfica (renovou a pedido dele até 2028 pelos valores que pediu, sem discussão) e para o Estado que lhe proporcionam um valor anual de cerca ode 200.000€? 

Também posso considerar que mereça mais (sobretudo se se comparar, mal, com as verbas conseguidas no futebol), mas entre aquilo que é legítimo comparar Pichardo não está a ver a fotografia inteira. As exigências feitas nos Jogos e as críticas que fez não são justas nem para o Benfica nem para o(s) últimos(s) Governo(s).

Fernando Pimenta, também atleta do Benfica, cuja relação com o clube nada tem que ver com a de Pichardo (estão nos antípodas), era talvez a nossa maior esperança para as medalhas, não fez a prova de K1 1000 metros que ele próprio esperava, mas isso não o tira do pódio correspondente ao fabuloso atleta que é. 

Na sua raça e humildade que voltámos a testemunhar nestes Jogos, em Paris. Merece todo no nosso reconhecimento e respeito.

Em síntese: só se consegue tirar os jovens dos videojogos e de outras atrações com uma verdadeira aposta na importância do desporto e através dos exemplos do Iúri, do Rui, da Patrícia, do Pimenta e de tantos outros que dão tudo pelo desporto e por Portugal. E é nisso que nos devemos concentrar nos próximos quatro anos e… sempre.

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