Caro João Mário,
O João não é um jogador consensual: não o era no Sporting, não o é no Benfica como não foi, de resto, em nenhum dos clubes por onde passou - nem no Inter, nem no West Ham, nem em Moscovo no Lokomotiv.
Aliás, jogadores consensuais não existem neste planeta, mesmo entre os melhores do Mundo.
Quero dizer-lhe que compreendo o seu descontentamento.
Entrou na Luz com o ferrete de ter sido “desqualificado”, perdoe-se-me a expressão, por Ruben Amorim, observado como um dos melhores ‘scouts’ cá da paróquia — e isso foi mais um desafio para si.
Um ex-Sporting na Luz com esse ferrete não é grande cartão de visita.
O João, no entanto, cerrou os dentes e foi à luta, ao ponto de — na época do título - ter sido um jogador determinante. Na minha análise desse momento, entre as cartas do campeão, atribuí-lhe o ás de ouro, num baralho em que Aursnes foi o ‘joker’ e Roger Schmidt, Lourenço Coelho e Rui Costa - então a merecerem muitos elogios e hoje, curiosamente, debaixo de fogo — foram os principais destaques.
O João conquistou o seu espaço com mérito e tornou-se um jogador muito importante para Roger Schmidt e parece-me que Schmidt nunca mais deixou de o considerar uma espécie de seu farol depois de o João se lhe ter referido, em fevereiro deste ano — já o efeito do título se tinha evaporado — como um treinador e pessoa “excelentes”. Ui.
É mais ou menos silogístico: se você elogia o treinador e os adeptos não gostam dele, você passa a não elogiado e fica marcado como não amado, tipo Patinho Feio.
O que aconteceu no momento da substituição na Luz no jogo com o Casa Pia, com assobios da plateia e aplausos da sua parte, foi o transbordar do copo: adeptos acham que, atualmente, muitas das suas ações técnicas e táticas não favorecem o jogo do Benfica e o João, convencido do que tem sido o seu envolvimento e dedicação ao Benfica, não se acha merecedor desse tipo de manifestações.
Sobretudo depois de abdicar da Seleção para se concentrar nas suas tarefas na Luz e no Seixal.
Como observador, também não acho justo: o João tem sido um grande profissional, dedicou-se ao Benfica de corpo e alma, mas, como sabe, o efeito da influência de treinador e jogadores na conquista do título já se esfumou há muito tempo.
Os benfiquistas andam nervosos desde que começaram a assistir ao desmantelamento da equipa campeã nacional e, como sabe, ainda não é desta vez que se está a consolidar a ideia de que as saídas de Grimaldo, João Neves, Rafa e Neres tenham sido devidamente compensadas, talvez a de Gonçalo Ramos com Pavlidis; esse nervosismo dos adeptos também pode ter relação com as chegadas tardias de Otamendi e Di María, com a impaciência sobre se sim ou não Renato Sanches vai ser mesmo reforço — e com as dúvidas que ainda não estão totalmente desfeitas em relação a Beste (entretanto lesionado), Leandro Barreiro, Prestianni e Rollheiser.
Quer dizer: o campeonato está na terceira jornada e não se vê ainda consistência na equipa e há muitas interrogações a pairar sobre ela.
Os adeptos estão nervosos com as dúvidas e com esta ideia de um Sport “Lego” e Benfica em que há demasiadas incertezas se as “pedras” se encaixam. A ideia de “puzzle assassino” está instalada há um ano e pico — e isso mexe com o sistema nervoso do Estádio da Luz.
Tenho de ser sincero e perdoe-se-me a sinceridade: o João não merece os assobios mas — preto no branco! —, considerando a concepção de um futebol de pressão alta e desejavelmente mais agressivo por parte do Benfica, também não merece ser titular indiscutível.
Pode não ser uma visão politicamente correta — e acredite que me custa exteriorizá-la perante um jogador que me habituei a admirar pela sua postura e discurso — mas é a minha.
Não me esqueço que, até ao momento da saída, Chiquinho até foi titular e dominante com Schmidt (o que se passa?) e foi considerado por muitos um jogador da dimensão de Zidane.
Há coisas que, na verdade, custam a entender.
Sinceramente, acho que fez mal em pedir para ficar de fora neste jogo com o Estrela, mas tem todo o direito de querer sair para outras paragens, se esse for o seu desejo e o Benfica concorde.
Uma coisa parece-me certa: no Benfica, talvez por uma questão cultural pós-mística, há sempre demasiada gente “de beicinho”. É demasiado fácil ficarem “de beicinho”!…
E esse não é um problema do João Mário ou do Frederico Chouriço; é um problema do Sport Lisboa e Benfica.