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Colunista e comentador

O grande dilema de Lage e Rui Borges: quem acciona primeiro a “válvula do risco”? O medo ou a excessiva ousadia podem fazer com que Benfica e Sporting se traiam a si próprios

10 mai, 14:01

O Benfica-Sporting é sempre um jogo especial mas o desta tarde tem o ingrediente-extra de poder determinar o título da época 2025-26.

As equipas chegam à Luz empatadas, eu diria muito empatadas. São 78 pontos para cada lado, o Benfica na Liga venceu até agora mais um jogo do que o Sporting (25-24) mas em contrapartida perdeu mais vezes (4-2), empatou menos vezes (3-6), marcou menos golos (82-85) e, em matéria de golos sofridos estão iguais (26-26), havendo uma diferença entre golos marcados e sofridos a favor do leões (56-59, isto é, +3).

E é também pelo facto de o Sporting ter vencido o jogo da primeira volta (1-0) que os leões se apresentam na Luz a poder gerir dois desfechos favoráveis (um dos quais a depender de si próprio): o da vitória garante-lhe automaticamente o título, o empate atira a decisão para a última jornada, com o Sporting a depender de si próprio.

É óbvio, porém, que o Benfica, embora no seu caso só o triunfo interesse, também joga com dois resultados: o da vitória por pelo menos dois golos de diferença sagrá-lo-à automaticamente campeão nacional; o da vitória por um golo de diferença coloca os ‘encarnados” numa posição em tese favorável, porque na última jornada, na deslocação a Braga, fica a depender de si próprio e, nesse cenário, nem precisa de triunfar, o empate ser-lhe-à favorável, independentemente do êxito que possa arrancar, na última jornada, em Alvalade, frente ao Vitória.

Em síntese: o Benfica precisa de ser ambicioso para fechar as contas do título a seu favor (2-0, 3-1, 4-2 são resultados que lhe servem), o Sporting estrategicamente pode gerir o jogo — ou procurando o triunfo com a ambição de ser territorialmente ousado ou esperando o adversário para estar em condições de lhe desferir golpes que possam ser fatais.

1 - A “válvula do risco”

Benfica e Sporting têm perfis comuns e vão estar, na hora e meia, condicionados pelo facto de terem de activar em qualquer momento a “válvula do risco”.

Essa é a contingência maior deste jogo.

Este dérbi, verdadeiramente capital, nunca acabará sem que qualquer dos contendores accione a “válvula do risco” e esta é uma das curiosidades do encontro: quando e de que forma é que isso acontecerá.

Bruno Lage e Rui Borges sabem que vão ter de lidar com o espaço e com o tempo e se o jogo tiver de partir (creio que vai ter de acontecer a partir do momento em que haja um golo na Luz) isso determinará que quem tenha de ir à procura do golo com maior insistência isso pode até favorecer o adversário, porque cada um deles possui como arma mais forte o mecanismo da transição ofensiva, o que os torna mais vulneráveis quando perderem a bola e precisarem de accionar o mecanismo da transição defensiva.

2 - Proibido: medo e/ou excessiva ousadia

Portanto, quer o medo quer a excessiva ousadia podem trair os únicos candidatos ao título — e repito a ideia: o golo inaugural (a acontecer) vai revelar a verdadeira qualidade das duas equipas neste jogo, a capacidade dos dois treinadores e, também, a importância do banco de suplentes.

Todos os observadores e treinadores são unânimes em considerar que o Benfica tem mais soluções, se for preciso mudar o jogo. Mas isso pode ser ou não uma vantagem. Depende de Lage (como vai mexer na equipa), mas depende também de Rui Borges. Porque se não fosse assim a vitória estaria sempre assegurada po aqueles que têm mais recursos e equipas médias do nosso campeonato não conseguiriam tirar pontos aos “grandes”. A magia do futebol é essa: fazer brilhar os jogadores mais dotados na força do colectivo. E é esse o grande desafio para Bruno Lage e Rui Borges, mas é sempre o grande desafio de todos os treinadores.

3 - As chamadas “zonas de pressão” e a importância do meio-campo

O futebol mudou muito nos últimos anos: há menos espaços para explorar, as técnicas de marcação mudaram (nas bolas paradas e nas bolas corridas) e vive-se o tempo das “zonas de pressão”, cuja implementação é um risco (mais, ou menos calculado) pelos treinadores.

Como as “saídas de bola”, os primeiro momentos de construção estão a ser impulsionadas pela maioria dos técnicos, quem constrói precisa de fazer saltar a primeira linha de pressão do adversário que, ao fazê-lo, quer não apenas causar desconforto ao adversário, mas também recuperar o mais rapidamente possível a posse de bola.

O Benfica faz muito bem isso quando Aursnes salta na pressão, mas às vezes nem sempre os companheiros de Aursnes se juntam nesse momento de reduzir as linhas de passe ao portador da bola e há uma coisa que sei, face ao desnível do nosso campeonato, as nossas principais equipas não gostam de ser pressionadas e sentem-se incomodadas quando alguma equipa provoca danos no processo de circulação dos “grandes” a partir de trás. Até porque quando se salta essa primeira linha de pressão, quem a faz se não tiver a equipa estruturada no sentido de reduzir os espaços a quem tem, nesse momento, a faculdade de poder avançar no terreno, ou em ataque organizado ou em contra-ataque, vai sofrer ou normalmente sofre — e nesse momento ganham corpo muitas vezes a capacidade de explosão dos jogadores, os apoios pelos corredores ou mesmo a meia-distância dos centrocampistas e avançados.

O meio-campo do Benfica, mais consolidado com Florentino, Aursnes e Kokçu, cada qual com as suas valências (e o turco forte nos apoios à frente e na capacidade de remate, sendo que o norueguês é um dos “todo-o-terreno” mais completos do nosso campeonato, para mim, o melhor nesse aspecto), tem praticamente tudo para gerir a seu favor todos esses momentos e vertentes do jogo, mas o segredo (nem sempre alcançado) é a combinação das tarefas a três, nos momentos específicos do jogo — a defender e a atacar.

O Sporting, perante esta realidade, não perdeu Hjulmand no jogo anterior (mérito do jogador mas também muito mérito de Rui Borges, que o protegeu até ao limite), e isso vai ser muito importante no combate a meio-campo e também não acredito que Borges prescinda de Debast no “miolo” — uma recriação sua face às necessidades — e esta pode ser uma das chaves do jogo, porque ao ‘3’ do Benfica no ‘miolo’ o Sporting arrisca-se a responder com ‘2’, embora se saiba que na dinâmica defensiva do Sporting os mais avançados baixam para dar mais corpo ao meio-campo e até para poderem usufruir da profundidade (com Gyokeres em primeiro plano) quando a equipa estiver preparada para acionar o contra-golpe, com a defesa do Benfica mais subida.

Se Morita estivesse em pleno, nos seus níveis de forma física e mental, seria um elemento preponderante, e o Sporting até poderia assumir mais o 3x5x2, como muitas vezes faz durante o jogo quando ele o exige, em vez do 3x4x3, mas como isso não acontece talvez Rui Borges faça baixar mais vezes os avançados em vez de colocar Morita, cuja inteligência num registo de menos vigor também possa sugerir ou aconselhar a sua utilização.

4 - O factor-Gyokeres na visão de Benfica e Sporting

Acredito sempre mais na força do colectivo e nas nuances de dinâmica e de táctica que os treinadores preparam, com os seus atletas mas é óbvio que estes jogos apelam muito àqueles que podem fazer a diferença.

Todos podem fazer a diferença, mas espera-se sempre que essa diferença seja determinada pelos jogadores (chamados) mais influentes e desequilibradores.

O Benfica tem Di María (acredito que será titular); o Sporting tem Gyokeres e esse vai ser um espectáculo (à parte) dentro do próprio espectáculo, não apenas o que cada qual conseguir fazer, mas também o que os respectivos treinadores prepararam para anular as suas ações.

Estou a antever naturalmente as diagonais feitas com maior leveza pelo argentino; estou a antever naturalmente os movimentos frontais de Gyokeres, mas também os movimentos a partir dos corredores, com os defesas e os médios do Sporting a servi-lo e a procurarem o ‘farol’ da sua equipa.

O futebol de Gyokeres  é muito desgastante para si próprio (embora ele demonstre que não sofre com isso) mas é também muito desgastante para os adversários e acredito que o sueco vai tentar explorar os avanços de Carreras e prevejo que, por várias razões, Tomás Araújo se apresente mais contido. E é de prever que, no jogo frontal, Gyokeres se queira ‘colar’ sobretudo a António Silva (pressionando-o), sendo muito importante, nesse cerco ao ponta-de-lança sueco, o papel de Otamendi, de Aursnes (nos apoios) e também de Florentino.

“Meia-equipa” do Benfica para Gyokeres? Claro que não, mas uma visão ampla e global sobre os movimentos do sueco.

5 - As figuras que podem resolver o jogo

Fora dos âmbito dos principais desequilibradores, há jogadores que podem ser muito importantes neste Benfica-Sporting: desde logo, os guarda-redes (Trubin e Rui Silva) e, para além dos atletas citados neste artigo, Pavlidis, Akturkoglu, Schjelderup, Belotti do lado do Benfica (sem esquecer Dahl e Bruma, se forem chamados) e Eduardo Quaresma, Genny Catamo, Pedro Gonçalves e Quenda, acima de todos os outros.

6 - Fora das “4 linhas”

Um dos factores importantes deste dérbi verdadeiramente capital vai ser o apoio dos adeptos que se está a fazer das mais diversas formas.

É evidente que neste plano a força do chamado ‘Inferno da Luz” é uma vantagem, mas sabemos também da maior disponibilidade dos adeptos quando as coisas estão a correr bem — e não o contrário. O que significa que a influência dos adeptos pode resultar em pressão positiva (a incidir negativamente no adversário) ou em pressão negativa ( a incidir negativamente sobre a própria equipa). Sabemos que é assim mesmo face à desproporção quantitativa que se vai fazer sentir no Estádio da Luz.

Um parêntesis para se dizer que muitas das coisas que aconteceram durante a semana (facadas, pinturas de estátuas e outras manifestações de muito mau gosto nas redes sociais, utilização indevida de material pirotécnico, etc.) são o resultado da falta de um discurso forte, assertivo, implacável por parte dos nossos dirigentes/presidentes, que preferem ver a banda passar, em vez de terem a iniciativa de agir e fomentar a colaboração com as autoridades.

O presidente do Sporting, Frederico Varandas, quando substituiu Bruno de Carvalho, teve um papel activo, encorajador e necessário na desconstrução do poder das claques, Villas-Boas (já agora) também o fez, mas é preciso que Rui Costa também o faça, sobretudo num quadro de actuação violenta, abusiva e perigosa que coloca em causa a reputação do Benfica.

Por tudo isto temo pelo ambiente que se vai gerar em torno do dérbi, mas espero também que todos estejam cientes das suas responsabilidades.

Embora haja uma questão que não deixa de ser pertinente: alguém quer levar o dérbi, dentro do campo, para o lado do aproveitamento emocional?

7 - Um Pinheiro no meio de uma floresta… “queimada”

É aqui que entra o papel da equipa de arbitragem chefiada por João Pinheiro, que terá André Narciso na função de VAR.

Pinheiro foi muito pressionado durante a semana e, a 48 horas do dérbi, dirigiu o Chelsea-Djurgaarden (que não lhe colocou grandes problemas), o que suscitou algumas observações em termos da nomeação do CA da FPF para este jogo, mas isso só prova o nível da arbitragem nacional e das suas poucas soluções em matéria de qualidade. Não tanto a qualidade técnica mas fundamentalmente do ponto de vista do controlo das pressões e das influências que sempre se fazem sentir nestes momentos — e daí eu defender a rotação de árbitros estrangeiros pelas Ligas europeias e, no caso concreto, a convocação de uma equipa estrangeira ou para os últimos 3 jogos na Liga ou para este Benfica-Sporting em concreto.

A arbitragem nacional saiu de um período longo de controlo ilegítimo, está numa fase de maior desanuviamento sobre práticas ilícitas, mas está longe ainda da sua blindagem total.

Espero que a arbitragem, no final, não esteja no centro das atenções e não povoe o discurso dos responsáveis, mas se isso acontecer que ninguém se coloque de fora no plano das… responsabilidades.

Porque poucos fazem alguma coisa para mudar o paradigma de há muitos anos.

O importante é que ganhe o melhor, que benfiquistas e sportinguistas se respeitem (dentro e fora do campo) e que, se houver campeão, vencidos e vencedores sejam dignos, em nome da sua grandiosidade e reputação. E, se não houver campeão, que a semana não seja povoada por movimentações que dispensamos em nome da credibilidade do futebol. Não é romantismo. É colocar o futebol português no plano em que já se devia encontrar há muitos anos.

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