Rui Santos alerta para um problema que povoa Portugal e que está incrustado no tecido futebolístico nacional e não apenas no Benfica, que é a questão dos “conflitos de interesses”, e diz que o Benfica está a passar por uma fase que o Sporting passou (recuperação de identidade) e sonha uma forma de a ultrapassar: com liderança e união
Entrámos na semana das eleições do Benfica e, depois de uma campanha genericamente atabalhoada do ponto de vista da comunicação, muito por força da profusão de candidatos, falta na BTV, esta quinta-feira, o encontro final entre todos os rostos que querem tirar Rui Costa da presidência — e esse vai ser um momento particularmente sensível.
Apesar do decantado optimismo, Rui Costa, Noronha Lopes e Luís Filipe Vieira, os alegados três favoritos, ou directamente ou através de elementos que compõem as respectivas candidaturas, exibiram fragilidades que não apenas atingem o Benfica mas atingem o tecido clubístico nacional de uma maneira mais abrangente e que se resumem a uma praga que, noutros sectores — político e empresarial, sobretudo — tomaram conta do país: o chamado conflito de interesses, a que muito poucos dedicam atenção.
Vejamos alguns casos e comecemos pelo presidente do Benfica.
A fragilidade do caso Conti aparenta não ter expressão mas isso compete apurar ao Ministério Público e ao DCIAP e também à União Europeia, uma vez que o Lokomotiv de Moscovo (de onde sairam os 76 000€ para os cofres do SLB) estava abrangido pelas sanções internacionais impostas à Russia na sequência da invasão da Ucrânia.
O assunto será tratado como erro processual (e onde estão, internamente, as consequências de uma aparente negligência do respectivo departamento?) ou como violação de sanções da UE, infração administrativa ou mesmo branqueamento de capitais?
Ainda associado a Rui Costa e aos conflitos de interesses foi dada expressão à relação da empresa FOOTLAB World, da qual também os filhos de Rui Costa são acionistas, Footlab ligada a sociedades como a 10Invest ou a 10Events, e a Liga então liderada por Pedro Proença.
É um caso antigo, que aparentemente diz mais respeito aos procedimentos da Liga e de Pedro Proença do que a Rui Costa ou ao Benfica. Mas as entidades e titulares dessas entidades, sobretudo quando está em causa uma instituição que gere e tutela o futebol profissional, têm de perceber que devem fechar a porta a qualquer conflito de interesses. Rui Costa era dirigente do Benfica. Proença presidente da Liga. Ponto final. Não pode acontecer.
Como não devia ter acontecido a relação comercial à data entre o coordenador e avaliador de delegados da Liga, Reinaldo Teixeira, hoje presidente da Liga, e Rui Costa, então director desportivo do Benfica.
Um manifesto conflito de interesses que em Portugal é desvalorizado e observado — perdoe-se-me a expressão — como uma “coisa de chacha”. Rui Costa tem de ser firme a dizer não, a coisas que não parecem ter importância mas que têm… muita. Envolvendo-o ou não.
Porque se os conflitos de interesses não fossem tratados em Portugal como uma “coisa de chacha” um ex-árbitro não teria chegado à presidência da Liga e agora à presidência da FPF. E um ex-vogal da FPF não teria chegado a secretário de Estado do Desporto. Acham que as condições de distanciamento e independência sobre quem passa a ter uma função teoricamente de regulador ao serviço do Estado ficam asseguradas?
E esta profusão de ex-técnicos de arbitragem que venho assinalando agora a rodear o presidente-ex-árbitro da FPF como se fosse um escudo importante para a sua manutenção? Estamos a sugerir desonestidade nas funções? Não. Estamos a dizer simplesmente que as escolhas deviam proteger tudo e todos de fragilidades que são facilmente identificadas e mancham a reputação de personalidades e instituições, bloqueando o seu normal funcionamento. Bloquear é o verbo.
E como o futebol não se satisfaz com a força que os adeptos lhe dão, a força genuína que resulta do gosto pelo jogo, usa uma força extra para capturar alguns dos seus actores e ex-actores com estatutos de embaixadores, e não só, que utilizam nas televisões para massajar o ego e subverter a verdade e fortalecer a corporação, através da mais enganosa solidariedade entre pares.
Fixando-nos no Benfica. Seja qual for o presidente, incluindo o actual, Rui Costa, o SLB precisa de mudança? Pois claro que precisa. E de uma mudança profunda. Mas a pergunta é simples: como se faz uma mudança profunda quando algumas das alavancas dos chamados “favoritos” e alternativas a Rui Costa têm, nalgumas das suas pedras angulares, claras ligações ao passado?
Vejamos o caso de Nuno Gomes, o homem forte de João Noronha Lopes para o futebol do Benfica? Não fez ele parte, com nomeações mais ou menos esvaziadas, entre zangas e salamaleques, precisamente como Rui Costa, do “núcleo duro” de Vieira? A chamada comunicação de Noronha Lopes não esteve ligada directa ou indirectamente ligada à comunicação de Vieira? É verdade ou não que um conhecido humorista da nossa praça, apoiante de Noronha Lopes, usufruiu no tempo de Vieira e durante 3 anos, gratuitamente, de um camarote de empresa que custaria em condições normais 67 500€ + IVA/ano?
Não é verdade que Noronha Lopes foi contra a construção do novo estádio e prometeu não se apresentar mais a eleições?
O caso de Luís Filipe Vieira está resumido: ele ainda teve fôlego para ir à luta, escudado na sua bazófia militante e bem acolitado por Bruno Batista, que na comunicação fez tudo para mitigar os efeitos de alguém que deveria estar preocupado em se defender dos processos judiciais que tem às costas e que nunca foi capaz de afastar a imagem de self made man, dócil para quem o ajudou a acumular poder e supertolerante para quem, nas manobras de intermediação, não fez mais nada senão dar cabo da imagem do Benfica.
Não percebeu uma coisa: o desejo de vingança tirou-lhe a lucidez e aumentou-lhe a ilusão.
Uma coisa é certa: o futuro do Benfica, com ou sem Rui Costa, vai ser difícil. Porque ninguém aceita nada e há este perigo inacreditável de, à luz dos novos estatutos, dois chumbos consecutivos de contas darem lugar à queda da direção. Mas onde estavam todos com a cabeça num processo que levou 4 anos a fermentar?
Lamento muito dizer isto pela dimensão de um grande clube como o Sport Lisboa e Benfica: o Benfica no próximo sábado não fica resolvido. Fica, mais uma vez, adiado. E assim fica adiada também a integralidade do futebol português, porque ainda não se percebeu o essencial: ela só é possível (e mais do que isso necessária) quando todos lutarem pelo bem comum. E não para elegerem o… “calimero do ano”, entre sorrisos, guerras palacianas e óbvia perda de reputação, credibilidade e representatividade no negócio do futebol à escala global.