A mensagem de Rui Santos para Frederico Varandas, presidente do Sporting
Caro Frederico Varandas,
No futebol há ganhar, empatar e perder e, por mais que se queira fazer da primeira derrota do Sporting nesta Liga uma coisa normal do futebol, ela foi registada perante o Santa Clara, adversário mediano do nosso campeonato (a fazer uma boa prova), depois de uma derrota pesada para a Champions, também em Alvalade, frente ao Arsenal, e num contexto muito específico da perda do treinador que o ajudou, decisivamente, a redimensionar o futebol do Sporting nos últimos quase cinco anos: Ruben Amorim.
É claro que, se se tivesse mantido em Alvalade até final da época, Ruben Amorim podia ter perdido com o Arsenal e até com o Santa Clara. Não o sabemos, nunca o saberemos.
E, por isso, porque Amorim deixou o Sporting em grande, após vitórias importantes contra o City e o Braga, o contraste acentuou-se, ainda para mais num contexto paralelo de não desaire em Manchester, o que coloca João Pereira, porventura injustamente, debaixo de uma pressão ainda mais inusitada.
Sei que o Frederico não se perturba facilmente, mediante situações que já viveu em hospitais e em cenários de guerra, o que o ajuda a relativizar coisas tão comezinhas como derrotas em jogos de futebol.
A verdade, porém, é que desaires em jogos da Liga e também da Champions têm consequências várias, não apenas em termos de prestígio, quando a busca é constante nesse domínio, mas também em termos financeiros.
Numa época em que o Sporting tem a oportunidade de alcançar o bicampeonato, o que já não acontece há 70 (!) anos, num clima que vinha sendo de crescente estabilidade e capacidade vencedora, o clube ao qual preside não conseguiu evitar ficar sem o treinador principal (R. Amorim) e o diretor desportivo (Hugo Viana), este contudo a gerir a sua saída para o City de uma forma diferente daquela que esteve na base do processo que já levou Ruben a estrear-se pelo United.
É de derrotas (com e sem aspas) que por ora se fala com o novo treinador, João Pereira, porque não se está a falar apenas dos resultados negativos com o Arsenal e com o Santa Clara - estamos a falar das DERROTAS que, quer se queira quer se não, constituem as saídas de Amorim e Viana.
E, portanto, embora se trate apenas e por ora de um miniciclo, a saída de Amorim transformou atualmente no Sporting um ciclo virtuoso num ciclo — como dizer? — duvidoso.
Caro Frederico Varandas,
Sei que é um homem de convicções e foi com convicção que apostou em João Pereira para ser o sucessor de um treinador carismático e histórico como foi Ruben Amorim no Sporting.
Ainda por cima, até pelos sinais que Ruben e Hugo lhe foram dando nos últimos tempos, no sentido de que Amorim não estava disposto a ser uma espécie de “Ferguson do Sporting”, a solução que foi sendo achada não resultou de um impulso. Resultou de observações, de muitas conversas e de perceções que se foram consolidando.
O Frederico, juntamente com os seus mais próximos homens de confiança, que não têm necessariamente de pertencer à estrutura, convenceu-se de que João Pereira era o homem certo — e é o homem certo! — para que o trabalho dos últimos anos não seja posto em causa por razões próximas de uma deficiente orientação técnico-desportiva.
O Frederico podia ter lançado mão de um treinador renomado ou mais qualificado, mas não o quis fazer — e isso tem muito que ver com o facto de Ruben Amorim ter sido envolvido na solução, a chamada solução integrada.
Parece uma coisa de filmes, saída da ficção científica, porque o futebol está cada vez mais a sair da sua componente de projeto para se fixar nas soluções instantâneas, mediante o momento em que elas, as soluções, são suscitadas.
Convencido de que foi algo meritório e surpreendente — e foi — manter Ruben Amorim tanto tempo em Alvalade, até se podia dar o caso de se achar que o Sporting podia condescender na questão do bicampeonato ou de uma época de novo para recordar pelos melhores motivos.
Esqueça! É aqui que o ‘leão’ torce o rabo.
Caro Frederico Varandas,
A questão até pode não estar na eventual não conquista do bicampeonato. A questão vai estar sempre na escolha do treinador e nos critérios que estiveram subjacentes a essa escolha: independentemente do potencial, João Pereira será sempre observado como um treinador sem experiência de comando técnico nestas andanças. E aqui o Frederico terá sempre de lidar com três coisas:
(1) a coerência ou a falta dela (2) o aumento da contestação em redor da sua presidência (3) o tempo que dará sempre a João Pereira.
Uma vez que não me sobejam dúvidas de que o Frederico tentará fazer prevalecer a ideia de projeto e de que nunca estaria disposto a deixar cair João Pereira para salvar a sua própria pele, isto num quadro de resultados aceitável, há uma quarta questão relacionada com as restantes: e se este miniciclo menos virtuoso se transformar numa vitamina para o FC Porto e para o Benfica com mais perda de pontos, o que fará no caso de o seu edifício começar a desmoronar rapidamente?
Tentará evitar a derrocada numa operação SOS, contratando um novo treinador, aí sim correndo o risco de uma total “desrubenização”, ou irá até ao fim na sua convicção, mesmo que isso corresponda à perda do bicampeonato e de outros troféus?
Tenho a certeza de que neste momento espera a reação do Sporting e de João Pereira a estes dois desaires. Mas, num quadro menos otimista, esta pode ser a decisão mais importante a ter de tomar durante a sua presidência.
Admite ter de resgatar o Sporting à custa do sacrifício de J. Pereira? Ou a hipótese de regresso à equipa B também está contemplado no seu projecto de “ficção científica”?…
De uma forma ainda mais clara: se a ‘solução científica’ João Pereira não for a poção mágica mas a solução trágica, tem outros plano para resgatar o Sporting?”
Acho que sei a resposta: o Sporting está resgatado, nada abalará as fundações do edifício reconstruído, João Pereira é apenas uma ‘torneira’ de uma sistema de canalização à prova de qualquer rutura, essa torneira funcionará no tempo certo para irrigar as planícies de Alvalade e Alcochete e, como diz o refrão da música de Abrunhosa, “é preciso ter calma, não dar o corpo pela alma”.
Talvez falte dizer: ninguém é como Amorim e Amorins não se fazem em laboratórios. Esta ideia muito romântica do ‘piloto automático’ ou da clonagem de João Pereira, espécie de ovelha Dolly do Sporting e da célula adulta chamada Ruben Amorim, até pode parecer demasiado perfeita. Mas será compaginável com a realidade do futebol?!…
Há momentos em que é preciso sair do laboratório.
Ruben Amorim foi. Já não é.
É preciso ter consciência disso.