Mensagem de Rui Santos para o selecionador de Portugal. E também para Geovany Quenda
Quenda,
Quando Ruben Amorim te deu a possibilidade de te estreares na primeira equipa do Sporting, em Aveiro, num jogo de muita responsabilidade frente ao FC Porto e que podia representar a conquista de um troféu (a Supertaça) no dealbar desta época desportiva, muita gente se interrogou, sobretudo aqueles que têm menor contacto com a realidade do futebol leonino: Quenda? Geovany Quenda? Quem é?
Tudo começou no Damaiense, nos sub-10, mas os adeptos do Benfica e do Sporting, que sabem tudo dos seus clubes, inclusive dos meninos que fazem parte das camadas jovens, conheciam o teu jeito: a irreverência, a ginga, a capacidade de pegar na bola e ir por ali fora sem pedir licença a ninguém.
Tu já estavas na formação do Sporting desde os 12 anos, cresceste em Alcochete e o Benfica deixou-te escapar, algo que não é assim tão raro no ‘berço’ dos 3 ‘grandes’, que não conseguem controlar ou percecionar tudo, às vezes — como é o caso — com enorme amargo de boca.
Quem não anda a farejar com minúcia o dia a dia dos clubes, isto é, a maioria dos adeptos, e mesmo considerando que a lesão de Nuno Santos em agosto abriu mais uma vaga no onze do Sporting para o louco jogo da Supertaça, vaga essa que podia ter sido ocupada por Edwards mas que Amorim quis que fosse ocupada por ti, Geovanny, colocando Genny Catamo na faixa esquerda, viu a escolha do teu ex-treinador com enorme surpresa.
Esse foi o momento decisivo, o momento em que tudo mudou para ti, Quenda. Ainda por cima, marcaste o terceiro golo do Sporting (nessa altura, o resultado era-vos favorável, 3-1), acorrendo com sucesso, através de um remate com o pé esquerdo, a um cruzamento de — quem havia de ser? — Gyokeres, com quem se calhar te vais reencontrar daqui a uns meses (será?), eventualmente com outra camisola.
Aqui, nesta tribuna, no âmbito da análise à Supertaça, disse então, há pouco mais de 3 meses: “Quenda pode ser a próxima coqueluche do Sporting”.
E és. Com 17 anos, és na verdade a grande coqueluche do Sporting, como era Paulo Futre quando o ‘menino de ouro’ se estreou pela primeira equipa sob o comando de Josef Venglos, a 10 de maio do já longínquo ano de 1983, num jogo particular com a Portuguesa dos Desportos e cumpriu a sua primeira internacionalização pela chamada seleção principal a 27 de abril desse ano, muito por força daquilo que já vinha exibindo nas seleções mais jovens e que pude testemunhar de muito perto.
Tu és, Geovanny, um produto do futebol das Academias e acredita que, naquele tempo, no tempo de Futre, era tudo muito mais difícil. As academias são um luxo, não vos falta nada de essencial e na década de 80, na FPF, os jogadores jovens e os seus treinadores tinham de reclamar para poderem usufruir de espaços de treino com um mínimo de condições e, até, de equipamentos decentes.
Por isso, o facto de Paulo Futre se manter como o jogador português que se estreou mais cedo na seleção nacional, com 17 anos, 6 meses e 24 dias, tem enorme significado e não está em causa o que ele representa. Para o Paulo e também para a imagem do futebol português.
A questão não é essa. A questão é que tu não foste chamado inicialmente nesta convocatória para o duplo confronto da Liga das Nações, contra a Polónia e a Croácia. Foste chamado, juntamente com Fábio Silva, na sequência das dispensas de Cristiano Ronaldo, Bernardo Silva, Bruno Fernandes e Pedro Neto e, naturalmente, quando és chamado, toda a gente percebe que se gere uma grande expectativa sobre a pulverização de um recorde com mais de 40 anos.
E é aqui que, com todo o respeito, entra o selecionador Roberto Martínez.
Caro Roberto Martínez,
Você até pode dizer que Quenda tem a vida pela frente e não lhe sobejarão oportunidades para se afirmar no panorama do futebol nacional e internacional.
As coisas não podem ser vistas assim e há um pormenor importantíssimo nesta análise: é que o jogo já não servia para apurar Portugal (já estava apurado) — e só serviu para APURAR (sim, apurar) imensas contradições e coisas difíceis de entender no plano das opções e da gestão dos recursos neste jogo na Croácia.
Ora se convoca Quenda e se não havia nada para apurar, qual a razão por que o deixou no banco? Acha justo defraudar assim as expectativas de um miúdo de 17 anos num ‘jogo treino’ que não contava para nada?!
Ainda por cima, você — noutras ocasiões — já se revelou tão preocupado com o equilíbrio emocional de outros jogadores, chamados à seleção em momentos de menor rendimento e de ocaso nos seus clubes e até de indefinição por causa do mercado, como foram os casos de João Félix e João Cancelo, que não tinham minutos nas pernas quando foram chamados em setembro de 2023.
Então há questões de protecção e equilíbrio emocional para uns e não há para outros?
Não tenho, como talvez saiba, procuração nem de clubes nem de jogadores, mas há coisas, na realidade, muito estranhas, como a forma como tem gerido a (não) utilização de Trincão, um dos jogadores portugueses mais em forma da atualidade.
Sim, não cabem todos e até pode dizer: cabe quem eu quero e estou-me nas tintas porque estou protegido.
Mas assim, por respeito aos portugueses, não se chame seleção nacional à seleção do sr. Martinez e dos seus patrocinadores. Um selecionador não discrimina. Mas como esta decisão não combina com a imagem de selecionador fofinho para quase todos, há uma coisa ainda mais intrigante: quem o influenciou na FPF ou fora dela?