A Mensagem desta semana do "Rui Santos Em Campo" relaciona-se com o momento do FC Porto, depois da derrota no Dragão com o Estoril e das críticas internas de Sérgio Conceição. O comentador da CNN Portugal diz, nomeadamente, que o treinador portista pode ter uma grande influência nas próximas eleições do FC Porto
Não é a primeira vez e não será provavelmente a última que Sérgio Conceição perde (neste caso com o então último classificado da Liga) e se vira para dentro, atingindo inclusive a estrutura do FC Porto.
O treinador portista tem a noção do que faz o que poderia fazer mas não é ajudado (como devia) internamente. Até pode ser.
O problema é a verbalização e a vergastada públicas.
Os clubes e as instituições estão sempre acima das pessoas embora sejam as pessoas a determinarem as suas mais diversas pulsações.
Ninguém está acima do emblema e daquilo que ele representa para os seus adeptos e associados.
Nem Pinto da Costa está, e se nem Pinto da Costa deve estar acima da instituição, muito menos devem estar os administradores e ainda muito menos o treinador, que tem as suas funções muito bem definidas no contrato que, como assalariado, assinou com o FC Porto.
O treinador do FC Porto sabe que há sensivelmente sete anos entrou no Dragão com a promessa de Pinto da Costa segundo a qual encontraria no clube as condições essenciais para fazer muito melhor do que Nuno Espírito Santo e tentar refundar o espírito que levou outras equipas portistas a alcançar o êxito.
Aliás, Conceição não foi nada modesto quando, em junho de 2017, no dia da sua apresentação, afirmou: “Não vim para aprender, vim para ensinar!”
E o que ensinou Sérgio Conceição? Ensinou os jogadores que, no seu balneário, tudo se conquista, nada é dado ao acaso. É preciso compromisso. É preciso, acima de tudo, compromisso com a sua ideia-mestra de futebol.
Ele não gosta da asserção segundo a qual muitas vezes o FC Porto consegue chegar ao êxito através do grito e de uma forma muito peculiar de olhar para a competição, mas essa narrativa, quando é utilizada, nem sequer é sempre um reparo ou uma crítica, porque o FC Porto com Sérgio Conceição, mesmo quando não pode utilizar tanto talento como os seus principais adversários - e isso foi visível sob o condicionamento do fair-play financeiro — tem de sobra o que os seus rivais nem sempre apresentam. E, aliás, essa superação e esse compromisso elevado à última potência, deram-lhe fama, deram-lhe proveito e habituaram mal a SAD.
A SAD - de Pinto da Costa, Fernando Gomes e Adelino Caldeira, mas também de Luis Gonçalves e Vítor Baía - acomodou-se e essa acomodação, construída em cima de generosas compensações financeiras, contribuiu para que Sérgio Conceição deixasse de ser apenas um treinador mas o grande líder do futebol portista.
Pinto da Costa entregou-lhe de bandeja esse poder. Um poder nem sempre saudável e que pode assumir um papel até decisivo nas eleições do FC Porto.
Na verdade, Sérgio Conceição pode ser a carta mais importante em matéria de influência no acto eleitoral daqui a uns meses, se a derrota frente ao Estoril no Dragão não tiver continuidade, porque os adeptos estão descontentes e as derrotas não poupam ninguém.
André Villas-Boas confessava a sua estranheza por Sérgio Conceição ainda não ter renovado o contrato que termina em Junho de 2024, mês que pode ser precisamente de eleições.
Sérgio Conceição vai jogar com isso. Se tiver resultados, vai ser ele a determinar o vencedor das eleições e pode até ajudar a tirar Fernando Gomes e Adelino Caldeira da Direção e da SAD e Nélson Puga do departamento médico.
Não deveria ser assim? Não! O poder de um clube de futebol não deve estar nas mãos de um treinador de futebol e muito menos nas mãos de um chefe de uma claque, com a facilidade com que determina o que é bom e é mau para o clube.
Pinto da Costa quis e consentiu que fosse assim: um clube entregue a um treinador e à ala mais radical dos apoiantes do ‘pintismo’. Em forma de escudos-protectores.
São coisas tão basilares em termos de organização (a não subversão das tarefas a que cada qual está formalmente destinado) mas chegou-se a este ponto e são os sócios do FC Porto que têm de decidir o que querem para o seu futuro.
Só precisam de ver garantidas as condições mínimas de liberdade para expressarem a sua vontade e votarem em quem quiserem, seja em Pinto da Costa, seja noutro candidato qualquer.
Sem ameaças, sem violências várias, com a garantia de que, se se não forem para um lado, não terão as suas vidas e as dos familiares sob escrutínio ou coação, sejam titulares de negócios na cidade, sejam advogados ou magistrados, sejam médicos, engenheiros ou polícias.
O FC Porto precisa de sangue novo e de se rejuvenescer (o tronco central está muito envelhecido) e precisa, acima de tudo, de encontrar uma representação que orgulhe os seus adeptos em termos da imagem que projecta para a nação e para o mundo.
O respeito pelas diferenças, o respeito pelos adversários, o respeito pelas opiniões que não suscitem a abertura de latas de tinta nem ameaças, a rejeição de incompatibilidades entre os órgãos sociais e os negócios (a eventual aprovação da revisão dos atuais estatutos ainda piora, nesse ponto, a situação), o reconhecimento de que é preciso acabar com uma comunicação tóxica e odienta que muito penaliza a imagem do clube e até da cidade, tudo isto é muito importante para o FC Porto se reposicionar como grande clube que é e que deve continuar a ser, a bem do futebol português.
O bloqueio é evidente: Pinto da Costa protege quem Sérgio Conceição não gosta (Adelino Caldeira, Fernando Gomes, Nélson Puga, Francisco J. Marques), estes não gostam de ser comandados por um treinador e pelo núcleo duro do Olival e a comunicação arruina tudo o que o FC Porto tem para projectar de bom - e é muito!
Pinto da Costa vai ter de decidir se quer abdicar de Sérgio Conceição ou dar-lhe a cabeça de alguém, mas todos sabemos que o presidente do FC Porto tem sido hábil em mudar alguma coisa para deixar tudo na mesma, porque foram as suas apostas ao longo dos anos que lhe permitiram construir o regime. Regime esse que se vê muito abalado, porque Sérgio Conceição não consegue calar a revolta de não ter jogadores à altura das suas ideias e ambições e, mesmo os que estão (carapaus em vez de lagosta), têm sempre — como dizer? - uma barbatana aleijada.
…E já agora: para coexistirem, André Villas-Boas e Sérgio Conceição teriam de mudar muita coisa e passar umas quantas noites sem dormir a conversar. Missão impossível.