Congresso do PSD: onde os líderes são contestados desde Sá Carneiro

17 dez 2021, 21:00

Para Rui Rio, a oposição interna não é novidade. Três vezes se debateu pela liderança do partido, três vezes venceu. Uma contestação que, feitos os devidos paralelismos, também enfrentou Sá Carneiro, o icónico líder dos sociais-democratas. Os históricos dos partidos soltam as suas memórias sobre a primeira reunião magna laranja

“Desde a nascença, o partido teve de viver com a contestação ao líder”. Amândio de Azevedo não hesita em resumir assim aquela que tem sido a vida interna do PSD. A 23 e 24 de novembro de 1974, este histórico militante participava no primeiro Congresso do PSD, no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa.

Francisco Sá Carneiro parecia então, para a opinião pública, um líder incontestado. Só que nos corredores da vida social-democrata, as visões já se dividiam – tal como hoje. Com o país mais à esquerda após a Revolução de Abril, os militantes ora se alinhavam mais à direita ou ao mais ao centro. Quarenta e sete anos depois, a discussão parece continuar a ser a mesma.

António Capucho estava na primeira fila dessa reunião magna do partido, enquanto observador. “Estávamos em pleno Processo Revolucionário em Curso (PREC). Foi um debate extremamente aceso. Houve esforços para tentar refrear os ímpetos do primeiro programa do partido”, conta à CNN Portugal.

Já para Pedro Roseta, as recordações desse primeiro congresso são “muito difusas”. “A memória que me vem à cabeça é a memória de uma afirmação diferente do que era comum na altura, que é uma afirmação de uma via reformista, social-democrata”, descreve.

O mesmo partido, vozes diferentes

Ao fim de três disputas internas, a última contra Paulo Rangel, Rui Rio parece estar de pedra e cal no lugar – mas isso não cala as críticas internas. E daí a pergunta aos históricos do partido, que estiveram no primeiro congresso: o PSD é um país dividido deste o primeiro minuto?

“Dividido não, mas um partido interclassista”, reage António Capucho para falar da diversidade de opiniões entre os sociais-democratas. Atualmente, no PSD, existem duas alas que se explicam da seguinte maneira: os passistas (onde se inclui Rangel), que rejeitam qualquer ligação ao PS, e os rioístas, abertos a diálogos com os socialistas em nome do chamado interesse nacional. “O que nos divide agora é uma questão de pragmatismo em relação à governabilidade”, simplifica Capucho.

Se a divisão em 1974 era já notória entre os militantes, o congresso de 1975 em Aveiro havia de torná-la notória. “Mas não era tanto uma divisão ideológica, era mais um posicionamento de como fazer. O discurso de Sá Carneiro é o culminar do que começou no congresso anterior”, recorda Pedro Roseta. O nome deste histórico do PSD volta agora a ganhar destaque no 39º Congresso do partido: Rio Rio escolheu-o como cabeça de lista ao Conselho Nacional.

Primeiro Congresso do PSD em Lisboa, 1974 (Foto: PSD)

As bancas das tias de Cascais

Ao longo deste fim de semana, além da estratégia do PSD para ganhar as eleições legislativas de 30 de janeiro, serão discutidas 12 propostas temáticas, centradas nas desigualdades territoriais e no processo de descentralização – temas que o próprio Rui Rio tem forçado junto da opinião pública.

Mas, para António Capucho, a intensidade do debate hoje em dia em nada se pode comparar ao de 1974 – ou mesmo aos congressos que se seguiram no PSD. O militante explica que existiam muitas discussões paralelas para que, na hora da votação das moções e propostas, o texto fosse o mais unânime possível e acabasse aprovado. Era a democracia a funcionar, diz.

“Há uma coisa que havia e se perdeu por completo: o partido não era um conjunto de oligarquias”, onde as estruturas condicionam as escolhas dos candidatos aos diferentes órgãos, lamenta. A militância implicava outro compromisso, de que são exemplo as vendas de isqueiros e canetas para financiar o partido. “As tias de Cascais faziam bancas em frente à estação”, recorda António Capucho.

A comparação entre Rio e Sá Carneiro

Quem pôde partilhar uma sala com Francisco Sá Carneiro não conseguia ficar indiferente ao seu carisma. É a palavra mais recorrente, quando se evoca o primeiro presidente do partido. E Rui Rio, tem, nem que seja uma parte, desse carisma necessário a um líder laranja?

“Claro que tem. Mas não há como comparar a Sá Carneiro. Talvez o seu desprendimento em relação a determinados setores da sociedade. Tem uma aura de seriedade e verticalidade”, descreve António Capucho.

Já Amândio de Azevedo, que chegou a apoiar Rangel na última disputa interna, fala em “pessoas completamente distintas” mas lembra a grande influência de Sá Carneiro para o atual presidente. “Rio é exemplar numa tentativa de conduzir a política com os critérios de Sá Carneiro”, diz.

Apesar das diferenças, cultivadas por um intervalo de 47 anos e contextos diferentes, entre os históricos há algo que se continua a pedir a quem se desafia a ser primeiro-ministro: uma solução de serviço ao país. “Quer esteja no poder, ou na oposição”, conclui Pedro Roseta.

 

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