Rui Pinto constituído arguido em novo processo

10 out 2022, 10:36
Rui Pinto

Hacker recorda prisão na Hungria: foi "desumano" e “só podia tomar banho três vezes por semana”

Rui Pinto foi constituído arguido num outro processo para além do Football Leaks, onde começou a ser ouvido esta segunda-feira. O hacker foi formalmente acusado na sexta-feira e os factos estão também relacionados com o julgamento original. A defesa de Rui Pinto, composta pelo advogado Teixeira da Mota, contesta a decisão.

“Queria comunicar que na sexta-feira Rui Pinto foi constituído de novo arguido relativamente a factos que estão aqui em julgamento. O processo tem três anos, mas o Ministério Público só nesta sexta-feira constituiu Rui Pinto como arguido”, afirmou o advogado, logo a abrir a sessão no Juízo Central Criminal de Lisboa.

Segundo Francisco Teixeira da Mota, os factos relativos a esse processo terão sido praticados entre 2015 e 2018, sendo que o MP terá conhecimento dessas informações desde 2019. “Esta é uma estratégia perversa, prolongando artificialmente o estatuto de arguido”, sublinhou.

O criador do Football Leaks começou a prestar declarações, esta segunda-feira, na sequência do processo no qual responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen Sports e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

À chegada à sala de audiências, Rui Pinto recusou tirar a máscara, alegando que ainda não foi vacinado contra a covid-19. Durante as declarações, confirmou que foi viver para a Hungria, em 2013, para frequentar o programa Erasmus, tendo alugado um quarto em Budapeste, entre setembro e novembro de 2015.

“Tenho perfeita noção que estas minhas declarações contradizem bastante o que disse em primeiro interrogatório judicial”, começou por antecipar Rui Pinto.

O hacker justificou que “todo o processo de extradição foi penoso” e que o deixou “fragilizado", reiterando que “estar num estabelecimento prisional húngaro é desumano”. “Só podia tomar banho três vezes por semana”, acrescentou. Dos tempos em que esteve encarcerado na Hungria, lembra ainda que os guardas prisionais não gostavam dele por causa do caso do Cristiano Ronaldo com a rapariga dos EUA. "Tudo isso fez com que no primeiro interrogatório tivesse dito tudo o que me veio à cabeça e, por isso, é diferente do que vou dizer aqui hoje”, justificou.

Doyen Sports e o "dinheiro sujo"

Sobre o Football Leaks, Rui Pinto lembra que tudo começou num verão, em Praga, na República Checa, quando falava de futebol com um grupo de amigos com especial incidência sobre “esquemas” de fundos para contratar jogadores de futebol. Perante a utilização da  expressão “nós” por parte do arguido, os juízes insistiram para saber se ele estava a trabalhar com outras pessoas. “A maior parte dos contratos com os fundos de investimentos eram danosos para os jogadores e para os clubes”, alerta o hacker, explicando que “a Doyen Sports era o fundo de investimento mais mediático e a cara era Nélio Lucas, mas o que estava por trás e está é obscuro: dinheiro sujo”. 

“Numa fase inicial todos os conteúdos que reunimos foram publicados no Football Leaks. Depois, entre o fim de 2015 e o início de 2016, recebemos imensos contatos de jornalistas que queriam notícias exclusivas e parcerias. Contatos de todo o mundo. De todos os jornalistas, decidi que seria o jornalista do Der Spiegel", relatou o arguido,  acrescentando que “o Football Leaks mostrou ao mundo o que eram os
Fundos de Investimentos”.

Rui Pinto confirmou e disse que foram os “amigos” que tiveram a ideia de criar o Football Leaks, sendo que se empenharam no projeto. No entanto, o hacker escusou-se a revelar a identidade ou a nacionalidade destas pessoas. O arguido assegura que o sua intenção "sempre ir ao fundo da questão e ver em várias entidades nacionais e internacionais”.

“Pelo menos no meu caso pelas entidades acedidas por mim não houve uma única entidade que não tivesse um indício forte de cometimentos de crimes”, disse Rui Pinto perante o coletivo de juízes.

Sporting foi a primeira vítima

“A primeira entidade foi o Sporting”, recordou o arguido em concordância com a informação que está nos autos. “Foi o Sporting porque fizemos uma análise de endereços atribuídos ao clube e percebemos que havia um padrão de passwords que estava a ser utilizada”, relatou o hacker, assegurando que não teve qualquer papel "no ataque inicial".

Rui Pinto confirma que o grupo acedeu a várias contas e e-mail de figuras do Sporting, como Otávio Machado, e que foi ele próprio que fez as publicações no Football Leaks referentes ao emblema de Alvalade. No entanto, garante que não acedeu ao e-mail do Jorge Jesus nem do Bruno de Carvalho, na altura treinador e presidente do clube leonino.

O hacker nega, no entanto, que tenha sido responsável por qualquer sabotagem informática que tenha afetado os sistemas do emblema verde e branco. Apesar de o clube ter estado três dias sem acesso aos servidores, o arguido garante que tudo não passou de um problema interno sem qualquer tipo de influência externa.

No âmbito geral, o arguido confirma que existiam acessos ilegítimos com o propósito de obter informações confidenciais, mas que não eram feitos por si. O hacker garantiu que os programas informáticos que usava não eram seus nem foram nem instalados, comprados ou formatados pelo próprio, lembrando que um dos discos rígidos apreendidos pelas autoridades nem sequer estava associado ao computador que usava. Numa linha de pensamento similar, recorda uma "pen-drive com a maioria dos ficheiros" que acabou por não ser apreendida pelas autoridades, porque não estava na sua posse. 

“O dinheiro foi resolvendo as coisas e eu fui a única pessoa que ficou privada da liberdade, fiquei ano e meio privado da liberdade. Foram vários meses em isolamento, apenas com um contacto semanal com a família”, referiu, mencionando ainda o caso Luanda Leaks: “Teve grande impacto nacional e internacional, mas Isabel dos Santos continua a viver tranquilamente a sua vida no Dubai e não pende sobre ela nenhum mandado. As coisas vão correndo talvez até à prescrição”.

A "vida de pernas para o ar"

O arguido negou ainda ter utilizado muitos dos programas que a acusação diz que foram usados para obter informações e acessos ilegítimos, embora admita que estes softwares estivessem efetivamente instalados num dos computadores apreendidos pela PJ.

Sem divulgar o número nem a nacionalidade dos envolvidos, o hacker assume que fez a publicação inicial do Football Leaks, mas que todos os outros membros também faziam publicações na página. "Soube atempadamente de todas as publicações que foram feitas", confesso, dizendo ainda que considera "absolutamente normal pedir doações", quando questionado sobre as criptomoedas que recebeu.

“A minha vida está de pernas para o ar. Se soubesse o que sei hoje não voltaria a fazer. A minha família tem sofrido bastante”, referiu o arguido.

Para justificar os crimes ligados aos fundos de investimento, Rui Pinto alega que “o sigilo entre cliente e advogado não devia de ser utilizado para esconder a prática de crimes” e classifica "os arquitetos dos maiores esquemas de branqueamento e fraude fiscal”.

“A verdade é que o crime, mesmo com boas intenções, não compensa. Sabendo o que sei hoje, não me voltaria a meter numa coisa destas. A minha vida está de pernas para o ar, a minha família tem sofrido bastante e o que me custa é o facto de todos os envolvidos nas denúncias... nenhum deles ficou em prisão preventiva”, afirmou o arguido no julgamento a decorrer há cerca de dois anos no Juízo Central Criminal de Lisboa.

A prestar declarações ao coletivo de juízes pela primeira vez desde o arranque do julgamento, Rui Pinto reconheceu que “foram cometidos erros” no projeto Football Leaks, embora tenha enfatizado os “grandes benefícios” para a sociedade com a revelação de “informação que de outra maneira não teria sido conhecida”.

A ajuda aos serviços secretos ucranianos

“Temos entregado informação aos serviços de inteligência ucranianos. Temos feito análise de imagens de vigilância em sítios estratégicos e também a interceção de comunicações rádio utilizadas pelo exército russo. Tudo isto é ‘open source intelligence’. Como disse um soldado ucraniano, ‘A nossa sorte é eles serem muito estúpidos’”, observou.

Questionado sobre o que tem feito ultimamente, o arguido diz que, juntamente “com alguns amigos, tem entregue informação aos serviços secretos ucranianos” e que continua “a colaborar com as autoridades". Rui Pinto destaca que as autoridades francesas continuam muito interessadas em si, que "tudo tem sido feito dentro da legalidade" e culmina: "Tenho ajudado."

“Não consigo mudar o mundo, mas não desisti de lutar pela transparência, apesar de tudo, continuo a colaborar com as autoridades”, disse Rui Pinto.

Rui Pinto, de 33 anos, encontra-se em liberdade desde 7 de agosto de 2020, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

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