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Colunista e comentador

"Obrigado, Ruben, por teres feito compreender que é possível estar no futebol em Portugal sem se precisar de vestir a capa de malandro"

5 nov, 15:32

Caro Ruben Amorim,

Não te critico por seres ambicioso.
Não te critico por quereres dar um passo em frente na tua carreira.
Não te critico sequer por quereres  trocar o Sporting pelo Manchester United.
E muito menos te critico por quereres trocar um projeto estável na Liga portuguesa por um projeto instável na Premier League.

São dimensões diferentes: na visibilidade, no ambiente, na competitividade e, como bem sabemos, no retorno financeiro.

É outro mundo e, mesmo que as coisas no plano desportivo não corram de feição (o Manchester United está a viver uma situação com semelhanças aquela que o Sporting viveu quando esteve 19 épocas sem conquistar um título em Portugal), esta batalha está sempre ganha, nem que seja no plano estreitamente financeiro.

Quem é que, no teu lugar, recusaria um desafio deste calibre, sobretudo depois de ouvires dos responsáveis do United que era “agora ou nunca”?

Ainda imaginei que, do alto das tuas fortes convicções e da largueza dos teus 39 anos, pudesses ter um impulso, quiçá demasiado juvenil e romântico, segundo o qual acreditasses que, recusando este projecto do United, outro iria aparecer no final da época, e que pudesses estar inclinado a esperar pela definição de Guardiola em relação ao City.

Mas isso seria trocar o certo pelo incerto e sei muito bem o quanto significa para nós a força do desafio. Ou porque não nos sentimos devidamente valorizados ou porque queremos viver outras sensações ou simplesmente porque achamos que, mesmo respeitando quem nos ajudou a crescer, estamos a pressentir um halo de estagnação.

E, de facto, se o City e o United estivessem no mesmo plano em termos de timing e oportunidade, também acho  — conforme disse em antena — que o United tem um potencial de desafio e de crescimento desportivo muito superior ao City e, nesse plano, estamos totalmente de acordo: para se fazer um trabalho de raiz, mais sustentado em princípios que é preciso de facto enraizar, mesmo considerando o histórico recente do clube, muito complexo depois de sir Alex Ferguson ter deixado o “banco”, a tração atractiva do United é muito maior para quem quer descobrir um mundo totalmente novo.

Mesmo que, repito a ideia, o Teatro dos Sonhos se tenha transformado, tempo de mais, em Teatro dos Pesadelos. 

Para mim ficaram claras duas coisas em todo este processo: primeiro, fosse qual fosse o desfecho, em termos de decisão, não faria sentido outra coisa senão promover uma “saída limpa”, por aquilo que o Sporting te deu e por aquilo que deste ao Sporting; segundo, que o “timing” de saída apontado para Braga apontava para a forte convicção de que, até lá, seria possível garantir a comunhão, neste novo contexto, entre equipa técnica, jogadores, presidente, SAD e adeptos. 

E, se se conseguir esse objectivo, como agora parece existirem mais condições para isso (a consagração ainda no Sporting e em ambiente leonino do novo treinador do Manchester United), o Ruben merecerá o reconhecimento de ter sido o treinador mais importante da história do Sporting, porque lhe restaurou a confiança e o orgulho —  e o Sporting poderá ser visto como o clube que deu condições únicas ao Ruben para se lançar em voos mais altos.

Será mais fácil, claro, se não se repetir o descalabro ocorrido em Alvalade quando o City, em 15 de Fevereiro de 2021, goleou o Sporting nos oitavos da Champions por 5-0, com um bis de Bernardo Silva e se, para fechar o processo, o Sporting vencer o SC Braga e Ruben tiver a despedida que merece da parte dos adeptos mas também dos seus jogadores, porque já sabemos todos que, se os resultados não acompanharem as emoções, as manifestações de reconhecimento e gratidão diluir-se-ão numa certa frustração. E nesse cenário não faltarão aqueles que vão dizer, muito injustamente: “vai-te embora, ó lampião, vai-te embora e não voltes, porque esta já não é a tua casa”.

É triste, mas no futebol e na vida é quase sempre assim.

Caro Ruben,
Vais perceber, na vida, se é que anda não percebeste, que o reconhecimento é uma palavra vã. 

Tu podes fazer o pino em nome da instituição que te paga, podes ser profissional em todos os momentos, podes ser honesto e dedicado perante os teus pares, mas vives num tempo em que se és bom és invejado e tens de passar o tempo a fugir dos boicotes e das desconsiderações; mesmo que mostres resultados, vais sempre encontrar quem te encontre um defeito e olhe para ti como um produto de certas circunstâncias e não do teu valor.

Nunca te esqueças, Ruben: os fracos (só) são mais fortes em manada. As manadas que vão querer sempre associar-te ao Benfica, que num determinado momento não viu em ti o potencial que o Sporting percebeu que reunias.

E, a partir de agora, mais confortável na tua independência financeira, vais entrar mais claramente… sabes onde?… nas zonas de poder.

Sabes aquela leveza que tinhas em cada conferência de imprensa, o sentido de humor em cada resposta, o sorrisos de menino deliciado com os brinquedos que te deram para a mão, em Alvalade? Aquele ar de rapaz bem dormido, de bem contigo e com os outros e que nos últimos dias foi substituído por um semblante mais tenso e mais carregado e também um pouco mais pálido?

Prepara-te, Ruben. Vais entrar noutro Mundo, numa imprensa que não te vai perdoar ao mínimo deslize e, sobretudo, vais entrar em zonas de poder a que não estás habituado, embora estejas muito bem rodeado de pessoas de confiança que te podem ajudar. 

A fechar, caro Ruben, que te verei sempre nesta fase como “o Guardiola do futebol português”, deixa-me agradecer-te:
O treinador que és.
O treinador que olha para o futebol como uma forma de irradiar e potenciar felicidade. Há muito que não víamos isso em Portugal.
O treinador que se explica.
O treinador que não foge das palavras.
O treinador que respeita.
O treinador que não abdica das convicções.
O treinador que gere o conflito em paz.
O treinador que usa o humor.
O treinador que nunca se escondeu.

E sobretudo o treinador que ama e não polui o futebol. Isso vale muito!
Obrigado, Ruben.
Obrigado, Ruben United.
Obrigado, a partir de agora, Ruben do Mundo.
Obrigado, Ruben, por teres feito compreender que é possível estar no futebol em Portugal sem se ser ingénuo mas também sem se precisar de vestir a capa de malandro.

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