opinião

À procura da receita "Amorim"

2 dez 2024, 22:28
João Pereira, com Frederico Varandas, apresentado como novo treinador do Sporting, até 2027 (JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa)

Podemos hoje afirmar com algum grau de confiança que Ruben Amorim é um predestinado como poucos treinadores o são. A sua presença muda a dinâmica psicológica de um balneário. O seu carisma inato e competências de liderança e comunicação ultrapassam as suas elevadas competências técnicas, em linha com as dos melhores treinadores do mundo. Sem desrespeito, fazer parecer de Matheus Reis, Catamo e Esgaio grandes jogadores não está ao alcance de qualquer treinador. 

Face à saída de Ruben Amorim para o Manchester United, a administração da Sporting SAD apresentou João Pereira como seu substituto. Qualquer comparação entre ambos os treinadores parece-me, no mínimo, exagerada. É verdade que antes de vir para Alvalade, Ruben Amorim também tinha pouca experiência, tendo feito apenas 13 jogos pelo SC Braga (e alguns pelo SC Braga B e Casa Pia). Mas não é menos verdade que nesse período conquistou uma Taça da Liga, ganhou dois jogos ao FC Porto, dois jogos ao Sporting CP e um jogo ao SL Benfica. Não parece consistente comparar este feito com os 44 jogos da carreira de João Pereira como treinador de futebol, distribuidos por contextos de fraca competitividade como as Ligas 3 e Revelação. E se estendermos esta análise ao contexto do Sporting, nos primeiros 17 meses da presidência de Frederico Varandas antecederam a Ruben Amorim os treinadores José Peseiro, Tiago Fernandes, Marcel Keiser, Leonel Pontes e Jorge Silas; a João Pereira precederam… 56 meses de sucesso de Ruben Amorim. A expetativa é, hoje, inversa. 

Contudo, o mais interessante na apresentação de João Pereira é que esta não foi comunicada como sendo uma decisão tática do momento, mas antes uma decisão estratégica antecipada no tempo. Frederico Varandas afirma ter “muito poucas dúvidas de que João Pereira, daqui a quatro ou cinco anos, estará num dos clubes mais poderosos da Europa pois (…) aqui vai encontrar (…) um clube que o vai proteger e permitir crescer enquanto treinador”. O presidente da Sporting SAD parece acreditar ser capaz de criar uma linha de négócio com treinadores, tal como a Benfica SAD fez noutros tempos com jogadores. A estratégia parece passar por 1) modelar o produto Ruben Amorim, 2) reproduzir o método com outro treinador, e 3) gerar receita para os cofres da SAD.  

É neste ponto que sou mais critico: acreditar ser possível fazer de João Pereira um Ruben Amorim é julgar que o sucesso de Ruben Amorim teve na sua génese a competência da SAD, e não tanto o talento individual do treinador. Parece entender Frederico Varandas que a pouca experiência do treinador é uma oportunidade para gerar talento, e não um constrangimento. Esta percepção enviesada poderá revelar alguma arrogância ou prepotência de quem se quer posicionar e ser reconhecido no centro do mais recente sucesso desportivo do Sporting. 

Quanto mais estudo gestão do desporto, mais céptico sou relativamente à quota parte de sucesso que uma administração tem nos resultados desportivos de uma equipa (sobretudo os de curto prazo). O papel dos administradores passa por estruturar, profissionalizar e maximizar as receitas de um clube, sejam direitos televisivos, patrocínio e merchandising, ou bilhética. As mais valias geradas por uma gestão competente devem ser posteriormente investidas na equipa de futebol, em jogadores e treinadores de qualidade, que por sua vez conquistem vitórias desportivas. Isto é diferente de afirmar que o sucesso desportivo deriva da gestão. O sucesso desportivo deriva do talento em campo, e esse protagonismo é (quase) exclusivo dos jogadores e dos treinadores. Por alguma razão, pagam-se milhões a jogadores e treinadores, e não a dirigentes. 

Acontece que nem todos os dirigentes lidam bem com a ausência de reconhecimento social por parte dos sócios em particular, e dos adeptos de futebol em geral. Muitos dirigentes não consideram justo que jogadores e treinadores sejam amados na rua, e eles não. Por isso, muitas vezes reclamam para si maior responsabilidade, autoconferindo-se maior poder nas decisões de natureza desportiva (aquela que dá prestígio), quer seja na escolha de jogadores, quer seja na escolha de treinadores. Este fenómeno costuma ser mais proeminente em dirigentes com pouca experiência que vivem sucessos imediatos de curto prazo.  

Os dirigentes da Sporting SAD têm de ter muito cuidado para não padecerem deste mal, pois os sintomas estão lá: primeiro, aproveitaram a saída de Hugo Viana para a adotar um modelo de governança com mais poder para a gestão; depois, tentaram reproduzir o efeito Amorim com Pereira, como se o segredo estivesse na “capacidade do clube proteger e fazer crescer o treinador”. Pois bem, vimos no passado com Luís Filipe Vieira: esta vaidade é muitas vezes fatal, e a bola rapidamente começa a não entrar… 

Ainda assim, João Pereira pode mesmo vir a ter sucesso em Alvalade. Numa liga tão desequilibrada como a portuguesa, em que o Sporting tem um orçamento aproximadamente 12 vezes superior à grande maioria dos seus adversários, a probabilidade de o novo treinador do Sporting ganhar a maioria dos jogos é muito elevada. Contudo, poderão os adeptos viver na ilusão de quem segue na corrida pelo titulo até perto do fim mas não segue no rumo certo. 

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