No coração do Parque Nacional de Nelson Lakes, na Ilha Sul da Nova Zelândia, encontra-se um lago mágico de tons azul-violeta. Rodeado por florestas alpinas íngremes e alimentado pelas águas glaciares do Lago Constance, é pequeno, mas não deixa de ser impressionante.
Foi descoberto pela primeira vez pelo Ngāti Apa, um iwi (tribo) Māori, que o batizou de Rotomairewhenua, que significa "o lago das terras pacíficas". Tornou-se um local sagrado onde purificavam os ossos dos mortos, acreditando-se que isso garantiria ao espírito uma viagem segura até à terra ancestral Māori de Hawaiki.
Na história mais recente, caminhantes que atravessavam o parque nacional comentavam a cor extraordinária e a energia etérea do lago, mas foi apenas há cerca de uma década que os cientistas descobriram que a água deste lago subalpino possuía uma "pureza ótica excecional", com visibilidade entre 70 e 80 metros. Este valor está em conformidade com o da água pura, o que, segundo os cientistas, faz dela "a água doce visivelmente mais clara já registada".
O título de “lago mais cristalino do mundo” e as fotografias da deslumbrante paisagem têm sido amplamente partilhados nas redes sociais, tornando o lago um destino turístico popular entre dezembro e março (durante o verão da Nova Zelândia). No entanto, conservacionistas e os Ngāti Apa temem agora que este aumento de popularidade possa ameaçar a pureza do lago.
A maior preocupação é a propagação da lindavia, uma alga microscópica popularmente conhecida como “neve do lago” ou “ranho do lago” devido à camada viscosa que forma logo abaixo da superfície da água. Esta alga já está presente a jusante do Rotomairewhenua (também conhecido como Blue Lake [Lago Azul na tradução livre]), nos lagos Rotoiti, Rotoroa e Tennyson, e corre o risco de ser transportada pelos trilhos nas botas dos caminhantes ou nas suas garrafas de água.
"Ranho do lago"
Espécie invasora na Nova Zelândia, a lindavia provavelmente chegou da América do Norte, através de equipamentos de pesca, especula Phil Novis, investigador sénior especializado em algas no instituto ambiental governamental Landcare Research. Os primeiros registos da sua presença no país remontam ao início dos anos 2000 e, desde então, tem-se espalhado de forma bastante ampla. "Os seres humanos são o principal vetor", afirma, explicando que, numa pesquisa anterior, a sua equipa recolheu e testou amostras de sedimentos de 380 lagos na Nova Zelândia, e os únicos com presença de lindavia eram aqueles de fácil acesso aos humanos.
Basta uma pequena partícula para alterar a ecologia de um lago de forma permanente, acrescenta, destacando que pode ser transportada com relativa facilidade em gotículas de água. Recorda uma ocasião em que encontrou uma amostra de lindavia nos pelos do peito de um homem que nadara alguns quilómetros no Lago Wānaka, na região de Otago, na Nova Zelândia.
Embora não seja conhecida por ser tóxica para os seres humanos, a alga expele longos filamentos viscosos conhecidos como mucilagem, que, quando concentrados, podem tornar-se um incómodo - capazes de entupir linhas de pesca, filtros de barcos ou sistemas hidroelétricos. No caso do Rotomairewhenua, a película de muco que forma pode comprometer a excecional clareza do lago.
“Estamos bastante preocupados”, assume Jen Skilton, ecologista e consultora de Taiao (gestora ambiental) do Ngāti Apa ki te Rā Tō Trust, uma organização sem fins lucrativos que apoia o iwi. “Se este microrganismo invasor entrar no lago, tem o potencial de provocar consequências de longo alcance, afetando a qualidade da água e a saúde geral do lago.”
E acrescenta que isso seria devastador para os Ngāti Apa, para quem o Rotomairewhenua tem um imenso significado cultural e espiritual. Embora já não utilizem o lago para rituais ancestrais, ele continua a fazer parte da sua identidade. "Mantemos uma ligação viva às nossas tradições ancestrais e garantimos que Rotomairewhenua seja preservado para as gerações futuras."
Proteger a sua imaculada pureza
Desde 2013, quando foi publicada a investigação sobre a clareza do lago, o número de visitantes mais do que duplicou, de acordo com o Departamento de Conservação da Nova Zelândia, que recolhe dados fornecidos pelos caminhantes no alojamento para visitantes próximo do Rotomairewhenua. A maioria das pessoas chega ao lago através de circuitos de dois ou sete dias, ou como parte do trilho de longa distância Te Araroa, que atravessa toda a extensão da Nova Zelândia.
O título de "lago mais cristalino do mundo" e o burburinho gerado nas redes sociais contribuíram definitivamente para a sua popularidade, afirma Melissa Griffin, guarda-florestal sénior de biodiversidade para o Nelson Lakes no Departamento de Conservação. “Antes disso, era um lugar bonito, conhecido, mas que não recebia muitas visitas. Após receber o título, o número de caminhantes começou a aumentar.”
Como resultado, o Departamento de Conservação, o Ngāti Apa ki te Rā Tō Trust e o Te Araroa Trust têm trabalhado em conjunto para implementar medidas de biossegurança ao longo do percurso. Foram instaladas estações de limpeza junto aos lagos onde a Lindavia está presente, com placas educativas que solicitam aos caminhantes que limpem os seus sapatos e equipamentos antes de seguirem em direção ao Rotomairewhenua, a fim de evitar o transporte de novas espécies.
Acima de tudo, através de placas e vídeos partilhados no trilho Te Araroa, querem incentivar os visitantes a não tocar na água – seja para nadar, molhar uma toalha para se refrescar ou mergulhar uma GoPro para obter uma imagem subaquática. Isto deve-se não apenas ao risco de biossegurança, mas também ao respeito pelo local: “A água do Rotomairewhenua é 'tapu' (sagrada) e entrar na água é uma violação", explica Skilton.
Durante o verão, um guarda - frequentemente um membro do Departamento de Conservação ou um representante dos Ngāti Apa - permanece por um longo período no lago para vigiar a área e interagir com os caminhantes, explicando os riscos de biossegurança, o significado cultural do lago e o potencial impacto humano.
Até agora, há sinais de que as pessoas estão a respeitar as orientações, e há menos exemplos de visitantes a mergulharem de forma imprudente ou a molharem uma toalha na água após uma longa e suada caminhada. No entanto, os inquéritos mostram que ainda existe uma lacuna entre compreender o risco e ser proativo para evitá-lo. Janet Newell, guarda-florestal de biodiversidade do Departamento de Conservação, lembra que, embora as pessoas reconheçam que leram as placas nas estações de limpeza e compreendam a razão pela qual estão lá, não significa que as sigam. Existe a crença de que "não sou eu o problema, são os outros", aponta.
"Oportunidade e responsabilidade"
Como o Rotomairewhenua faz parte de um parque nacional, restringir o número de visitantes seria uma medida difícil de implementar, e não é algo que o Departamento de Conservação queira adotar. Em vez disso, a mensagem que pretende transmitir é que as pessoas desfrutem destes ambientes intocados, mas que considerem o impacto mais amplo que estão a causar.
Quando trabalhou como guarda do alojamento, o papel de Griffin incluía recolher lixo e limpar as casas de banho. “O aumento no número de visitantes fez com que a frequência com que precisamos esvaziar os WC também aumentasse”, conta. “Além disso, temos os custos dos helicópteros, o impacto de carbono de transportar um helicóptero para o interior do país: são questões a considerar quando pensamos no número de pessoas que estão a deslocar-se para o interior.”
Mas, ao mesmo tempo, "queremos que as pessoas vão e desfrutem, que possam vê-lo, sentar-se e contemplá-lo", indica, recordando as suas primeiras visitas. "Há algo realmente especial em chegar lá, ficar ao lado do lago, e simplesmente sentir a tranquilidade. Ouvem-se muitos pássaros, mas a água é calma, e olhar para ela é impressionante e deslumbrante."
No final, tudo se resume a um equilíbrio delicado, defende Skilton: “O crescente número de visitantes traz tanto oportunidades quanto responsabilidades. É crucial que todos os que visitam compreendam o significado deste lugar e adotem as medidas necessárias para minimizar o seu impacto.”
"Ao seguirmos as regras e orientações, podemos proteger as características ecológicas únicas do lago e salvaguardar a sua importância cultural para as gerações futuras."