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Comentador da CNN Portugal

Europa: uma sinfonia inacabada

9 mai, 10:07

“Talvez seja hora de recuperar o espírito original do projeto europeu – não como um bloco económico, mas como uma união política e cultural que celebra a diversidade, mas que também se une para enfrentar as crises”

Há precisamente 75 anos, a 9 de maio de 1950, Robert Schuman proferia a declaração que daria início ao mais ambicioso projeto político da história contemporânea – a construção de uma Europa unida, onde a paz não fosse apenas uma trégua entre guerras, mas um estado permanente. Foi a partir desta visão que nasceu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, o primeiro passo para a criação da União Europeia como hoje a conhecemos. O Dia da Europa celebra este momento, recordando que a integração europeia não é apenas um acordo económico, mas um compromisso com a paz, a liberdade e a dignidade humana, após décadas de destruição e conflito.

No entanto, passados três quartos de século, a Europa enfrenta novos desafios. O velho continente, tantas vezes comparado a um gigante adormecido, parece ter finalmente despertado, movendo-se lentamente, mas com determinação, numa tentativa de reencontrar o seu papel num mundo em rápida transformação.

Em 1824, quando Ludwig van Beethoven estreou a sua Nona Sinfonia em Viena, não poderia imaginar que, mais de um século depois, o seu hino à fraternidade e liberdade se tornaria a melodia oficial de uma Europa unida. Uma Europa que, no rescaldo de duas guerras mundiais, se reinventou a partir das ruínas, trocando o campo de batalha pelas mesas de negociação, as trincheiras pelos tratados. 

Trump, no seu regresso à Casa Branca, já deixou claro que os aliados europeus da NATO não devem esperar a mesma proteção de sempre. O seu discurso é direto e impiedoso: “Cada país deve pagar a sua parte.” As tarifas comerciais que ameaça impor são um desafio direto à economia europeia, e o seu discurso de “América Primeiro” ressoa como um aviso de que os dias de multilateralismo podem mesmo estar contados. Para uma Europa que se habituou a viver à sombra do poder militar americano, esta é uma chamada de atenção brutal e necessária. E, ao contrário do que muitos previam, a Europa parece ter compreendido o alerta. O Livro Branco sobre a Defesa Europeia, “Prontidão 2030”, aponta o caminho, mas ainda carece de uma liderança clara e de consensos políticos.

No Leste, a Ucrânia continua a resistir à agressão russa, mas os sinais vindos de Moscovo são claros: Putin não se retirará sem uma vitória simbólica que justifique os sacrifícios feitos. A Rússia, mesmo economicamente debilitada, encontra apoio na China e nos BRICS, que se afastam cada vez mais da esfera de influência ocidental. Esta aliança, mais do que económica, é estratégica – um desafio direto à ordem internacional construída pela Europa e pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. A Europa, apesar dos seus erros passados, parece ter finalmente compreendido a necessidade de uma verdadeira independência energética. 

Ao mesmo tempo, a Europa continua a ser testada nos seus próprios alicerces. Nos Balcãs, a Bósnia-Herzegovina permanece à beira de um novo conflito. As tensões entre sérvios, bósnios e croatas não desapareceram com os acordos de Dayton, e a recente retórica incendiária de alguns líderes locais é um lembrete de que as feridas dos anos 90 ainda não cicatrizaram. A Sérvia, por sua vez, equilibra-se entre o Ocidente e a Rússia, mantendo relações ambíguas com Moscovo enquanto negocia com a União Europeia – um equilíbrio que se torna cada vez mais instável num mundo de alianças rígidas e lealdades testadas.

No interior da própria União, as fissuras são evidentes. O Brexit não foi apenas um golpe económico, mas um sinal claro de que a confiança no projeto europeu está com sérios problemas. A saída do Reino Unido, que outrora foi uma das vozes mais influentes em Bruxelas, mostrou que a Europa não é inevitável. Viktor Orbán na Hungria e Robert Fico na Eslováquia continuam a desafiar abertamente os valores fundamentais da União, explorando o descontentamento económico e a frustração com as elites de Bruxelas. Na Alemanha, a AfD, que até há poucos anos era vista como uma força marginal, cresce em força, explorando o medo da imigração e a desconfiança nas instituições democráticas.

E é aqui que a Europa enfrenta o seu maior paradoxo: enquanto as suas instituições se afundam em burocracia, debatendo o formato das curvaturas das bananas e as normas de segurança para aspiradores, as forças populistas e eurocéticas constroem narrativas poderosas que apelam ao sentimento de pertença e identidade nacional.

Mas nem tudo é pessimismo. A Europa já provou, em momentos críticos, que é capaz de se reinventar. Do Plano Schuman ao Tratado de Maastricht, passando pelo alargamento a leste e pela criação do euro, a União já demonstrou uma capacidade extraordinária de adaptação e inovação. Hoje, a questão não é se a Europa sobreviverá, mas se terá a coragem e a velocidade certa de se reformar profundamente, de se libertar da sua dependência energética e militar e de voltar a ser uma potência global, capaz de enfrentar a China, a Rússia e os Estados Unidos em pé de igualdade.

Talvez seja hora de recuperar o espírito original do projeto europeu – não como um bloco económico, mas como uma união política e cultural que celebra a diversidade, mas que também se une para enfrentar as crises. Porque, tal como na Nona Sinfonia, onde a dissonância se resolve num final triunfante, a Europa ainda pode encontrar a sua melodia. A pergunta é se os seus líderes estão dispostos a ouvir o apelo para a ação ou se, como os músicos desafinados de uma orquestra sem maestro, continuarão a tocar em desarmonia, até que o silêncio os consuma.

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