Rob Jetten quer construir dez novas cidades para combater a falta de casas nos Países Baixos. Em Portugal, "não seria viável"

5 nov, 19:21
Rob Jetten (AP)

Entre Portugal e Países Baixos, há uma grande diferença no número de imóveis vazios. O parque habitacional português tinha, em 2021, 5.970.677 casas, das quais 723.215, um pouco mais de 12%, estavam vazias. Nos Países Baixos, o número de habitações vazias é de cerca de 180 mil num total a rondar de 8,2 milhões, de acordo com estimativas de 2023

A vitória do partido de Rob Jetten foi uma lufada de ar fresco para os progressistas europeus, há muito a necessitar de um resultado positivo num mar de triunfos da direita conservadora.

Jetten, que deverá ser o próximo primeiro-ministro dos Países Baixos, e o D66, assentaram a sua campanha em políticas como a promoção da energia verde, dos cuidados de saúde primários e o combate à crise da habitação.

Este último ponto é um dos mais mobilizadores no país, sobretudo entre os jovens. Uma das soluções do D66 é, à primeira vista, megalómana: a construção de dez novas cidades. Uma dessas, que tem ‘IJstad’ como nome provisório, deverá ficar localizada entre Amesterdão e a Flevolândia, província artificial construída na segunda metade do século XX para ganhar terreno ao mar.

IJstad está projetada para albergar 126 mil pessoas em 60 mil casas arrendadas a custos controlados e será parte de um esforço para reduzir o défice de casas. Segundo o Ministério da Habitação dos Países Baixos, faltam perto de 400 mil habitações para as necessidades do país.

As preocupações dos neerlandeses são semelhantes às de muitos portugueses, a braços com aquela que é amplamente considerada como uma das mais graves crises da habitação da Europa.

Faria sentido construir dez novas cidades em Portugal?

“A nova construção não é uma estratégia, neste momento, viável”, diz à CNN Portugal Luís Mendes, geógrafo e investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa. “A nova construção exige uma energia e recursos que, neste momento, estão extremamente encarecidos, como é o caso do solo. Não temos muito solo disponível em muitos municípios, sobretudo nos municípios das áreas metropolitanas, onde a pressão urbana é maior e a procura é maior. Por outro lado, a indústria da construção civil tem as baterias apontadas para o setor do segmento do luxo, para a classe média e classe média alta, sobretudo média-alta. Portanto, não vai responder às necessidades de quem mais precisa de habitação, que são as camadas mais populares”, acrescenta.

Luís Mendes aponta também o elevado custo da construção, devido ao encarecimento dos materiais e da mão de obra, e o número de casas vazias como fatores para considerar a nova construção desadequada para Portugal. “Nós somos o país da OCDE que tem dos maiores índices de casas por habitante, temos um superavit de casas. Ao contrário do que se pensa, nós temos casas a mais do que famílias. Também temos meio milhão de imóveis devolutos, casas desprovidas de função social e económica”.

Diagnóstico semelhante faz Gonçalo Antunes, geógrafo e especialista em Habitação, que “não vê” a construção de dez novas cidades e 400 mil casas como “necessária”.

“Nós temos um conjunto de alojamentos vagos que é muito substancial. De acordo com o INE, são 12% das habitações em Portugal. Se formos olhar para o município do Lisboa, são 15%. Já temos seis milhões de habitações e 4,1 milhões de famílias, portanto temos um superavit de cerca de dois milhões de alojamentos em relação a famílias. Temos inclusivamente alguns municípios, entre os quais municípios que estão entre os dez com o valor mediano de metro quadrado mais elevado, que em 2021 tinham mais alojamentos do que população residente”, destaca o especialista.

O facto desta solução não ser adequada para Portugal, diz Gonçalo Antunes, não quer dizer que não o seja para os Países Baixos. “Aquilo que se faz nos Países Baixos, na Alemanha, Suécia, Espanha ou em Portugal não tem de ser necessariamente igual. As receitas têm de ser adaptadas a cada país, têm de ser adaptadas ao funcionamento do mercado de habitação, têm de ser adaptadas ao parque habitacional que já existe e à própria cultura de utilização de habitação que existe no país.”

Entre Portugal e Países Baixos há uma grande diferença no número de imóveis vazios. O parque habitacional português tinha, em 2021, 5.970.677 casas, das quais 723.215, um pouco mais de 12%, estavam vazias. Nos Países Baixos, o número de habitações vazias é de cerca de 180 mil num total a rondar de 8,2 milhões, de acordo com estimativas de 2023.

Para os dois especialistas em habitação, a solução passa, então, por pegar no que já existe.

“Tem de se promover um pacote de incentivos fiscais robustos para que os proprietários de casas vazias possam sentir-se atraídos a colocar essas casas no mercado de arrendamento. E assim, através desse aumento da oferta, eventualmente os valores podem diminuir, quer das rendas, quer das casas”, defende Luís Mendes, que aponta também a reabilitação urbana, pública e privada, como parte da solução.

Gonçalo Antunes não nega que seja “fundamental que os privados continuem a construir”, mas refere que a construção tem de começar a ser direcionada para a “maioria da população”, as classes média e média-baixa, e não para as classes com os bolsos mais cheios. Porém, defende que o principal foco deve ser em trazer os fogos não ocupados para o mercado.

“É muito importante trazer estas casas vazias para o mercado, são uma oferta potencial que está subutilizada. Há que trazer para o mercado com estímulos aquelas que estão com condições de se tornar em habitação a curto prazo. Aquelas que não estão em condições de reabilitar, há que contribuir para a sua reabilitação, para que entrem no mercado. Isso é absolutamente fundamental”, garante.

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