Os muito ricos sempre foram alvos, seja de intrusos, raptores ou assassinos. Agora, os receios aumentaram e passaram a incluir ativistas anti-capitalistas, condições meteorológicas extremas causadas pelas alterações climáticas, terroristas, acontecimentos apocalípticos imprevistos - e uma ameaça pandémica perene que se tornou demasiado real em 2020
Teatros em funcionamento, pistas de bowling e cinema em casa: não satisfeitos com as salas seguras, os super-ricos estão a construir fortalezas de luxo
Poucas coisas parecem apaziguar as ansiedades existenciais dos super-ricos como um bunker - um abrigo - concebido para resistir a tudo o que não seja um fim do mundo nuclear total. No entanto, já não é suficiente para um bilionário preocupado com a segurança ter um cofre impenetrável na cave, que poderá ficar vazio para sempre. Nas propriedades de ultra-luxo de hoje, os bunkers tornaram-se seriamente sofisticados e de alta tecnologia, em alguns casos crescendo ao ponto de casas inteiras se tornarem fortalezas do século XXI.
"Temos visto um maior foco no entretenimento", afirma Al Corbi, que está na vanguarda da segurança de luxo seguro há 50 anos como presidente e fundador da SAFE (Strategically Armored & Fortified Environments, nome da empresa que pode ser traduzido como "ambientes estrategicamente blindados e fortificados"), com sede na Virgínia, nos EUA. "Se vamos conseguir sobreviver no subsolo, queremos que nos estejamos a divertir".
Corbi, que ajudou a garantir uma casa privada de 27 andares em Mumbai para o industrial bilionário Mukesh Ambani (cujo filho Anant fez recentemente manchetes com as suas luxuosas celebrações de casamento), está atualmente a trabalhar numa casa extensa num terreno arborizado de quatro mil metros quadrados, num local não revelado nos EUA (ele é compreensivelmente reservado sobre muitos aspectos do seu trabalho).
A casa em si, diz Corbi numa entrevista via Zoom, é ultra-segura com portas à prova de explosão, janelas inquebráveis e sistemas biométricos de entrada. Depois, há o fosso de quase dez metros de profundidade com uma ponte giratória, canhões de água capazes de derrubar helicópteros, drones ou pára-quedistas, e a película de líquido inflamável que pode ser automaticamente implantada na superfície do lago artificial e inflamada para criar um anel de fogo defensivo.
"Se olharmos para os tempos medievais, um fosso é um dos maiores dissuasores", diz Corbi. "Mas nessa altura não havia jet skis." O cliente de Corbi, um magnata dos negócios e ávido adepto de desportos aquáticos, viu uma dupla utilização para o seu fosso e planeia usá-lo também como pista de corrida para os seus amigos.
Os muito ricos sempre foram alvos, seja de intrusos, raptores ou assassinos. Agora, os receios aumentaram e passaram a incluir ativistas anti-capitalistas, condições meteorológicas extremas causadas pelas alterações climáticas, terroristas, acontecimentos apocalípticos imprevistos - e uma ameaça pandémica perene que se tornou demasiado real em 2020.
"Como o Ritz-Carlton, mas debaixo de terra"
Corbi, que também construiu túneis de evacuação subterrâneos que funcionam como pistas de karting, afirma que os seus clientes não estão interessados num design utilitário para espaços seguros. Mesmo há 50 anos, diz, os bunkers tradicionais pareciam hotéis de luxo - "uma espécie de Ritz Carlton, mas debaixo de terra". Mas agora os seus clientes mais ricos zombariam de tal modéstia.
O espírito de superioridade pode, em parte, estar a impulsionar a procura. Vários especialistas têm relatado um aumento de pedidos de informação desde que, no ano passado, surgiram notícias sobre um enorme complexo que o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, está a construir no Havai, o qual, segundo documentos públicos de planeamento, inclui um abrigo subterrâneo de 470 metros quadrados com espaço para viver, uma sala de máquinas e instalações para manter o bunker operacional, e uma escotilha de fuga. Bill Gates tem bunkers debaixo de todas as suas casas.
Graham Harris, sócio-fundador da SHH Architecture and Interior Design em Londres, um dos principais estúdios de design do mundo para pessoas com elevado património líquido, disse que também ele está a responder a novas exigências. Até há pouco tempo, os clientes tinham tendência para construir as casas de banho das suas suites principais para resistir a ataques. As paredes interiores eram feitas de betão e as portas de segurança eram concebidas para se misturarem com a decoração da casa. É melhor poder aparecer na porta ao lado à noite do que tentar correr para uma cave distante.
"Agora cresceram muito em tamanho e estatura", diz Harris, que muitas vezes protege toda a suite em vez de apenas a casa de banho, permitindo que os clientes se protejam com o toque de um interrutor de cabeceira. "Também fizemos uma casa em Highgate (uma zona de luxo no norte de Londres, no Reino Unido) onde o cinema era na realidade a sala de segurança com o seu próprio fornecimento de ar filtrado separado, portas seguras, uma kitchenette e uma área totalmente abastecida que podia sustentar uma família durante mais de uma semana."
Outro cliente transformou a sua galeria de arte de 280 metros quadrados numa sala segura, que também tinha uma fonte de alimentação separada. Para ajudar a manter estes espaços confortáveis, podem ser instaladas "clarabóias" inteligentes no teto para imitar a hora e o clima exterior, banhando os interiores subterrâneos com luz "natural" em constante mudança.
Tanques de tubarões, carreiras de tiro e simuladores
As portas e passagens secretas tornaram-se tanto uma novidade desejável para mostrar aos convidados depois do jantar como uma caraterística de segurança vital. A Creative Home Engineering - empresa do estado do Arizona especializada na criação e instalação de portas secretas para clientes em todo o mundo - construiu recentemente uma lareira rotativa gigante que gira para revelar a entrada subterrânea de um campo de tiro. Noutra casa, uma antiga cabina telefónica britânica foi concebida de modo a que, quando se introduz o código correto no teclado, as janelas de vidro se tornem opacas e a parede traseira se abra para um escorrega que conduz a um complexo seguro na cave que inclui um simulador de voo e um tanque de tubarões.
Corbi afirma que os multimilionários sempre foram sensíveis ao perigo, mas que agora tem notado um número muito maior de pedidos de informação por parte de milionários que, tradicionalmente, poderiam ter-se contentado com medidas de segurança normais. Para este mercado, os quartos existentes podem ser protegidos por alguns milhares de euros. Por centenas de milhares de euros, é possível colocar bunkers modulares de aço pré-fabricados no chão, debaixo de uma casa nova.
Para todos os sistemas, exceto os mais seguros, Corbi explica que os seus clientes estão simplesmente a ganhar tempo: "Se alguém arrombar a porta à noite, vai conseguir entrar, mas não vai conseguir entrar no quarto, onde a família está segura o tempo suficiente para a polícia acabar o café e os bolos."
No extremo mais rico do espetro, os multimilionários estão cada vez mais paranóicos em relação às ameaças à sua saúde, quer se trate de ataques bioterroristas, de pandemias virais ou das antigas falhas cardíacas e acidentes. A Covid deu um grande impulso a esta parte do negócio da SAFE, que a mulher de Corbi, Naomi, uma enfermeira, dirige agora.
Alguns dos quartos que supervisionou estão tão bem equipados como as salas de operações dos melhores hospitais, com câmaras de descontaminação, armários com equipamento de proteção individual e farmácias abastecidas com medicamentos de emergência, bem como compostos vitamínicos adaptados aos residentes para os ajudar a suportar longos períodos de isolamento.
"Esqueçam as bombas nucleares, a coisa para que nos devíamos estar a preparar é a vida real", diz Corbi. "Se eu tivesse um euro para gastar num bunker ou na preparação médica, sei o que faria. Os dias em que se pode atirar um kit de primeiros socorros para um bunker pré-fabricado e dizer que se está seguro já lá vão."
Foto no topo: o SHH, um dos principais estúdios de design de alto património líquido do mundo, concebeu esta casa londrina com uma sala de cinema completa com um sistema de portas reforçadas para ajudar os residentes a "fecharem-se", se necessário. A empresa afirma estar a assistir a um aumento de pedidos desta "dimensão e estatura". Hans Fonk
