Um dia, Ricardo Salgado poderá ir para a prisão. Mas não será já

26 mai 2023, 11:30
Ricardo Salgado

O Tribunal da Relação de Lisboa agravou a pena de Ricardo Salgado e, por isso, a defesa do ex-banqueiro, se assim o entender, poderá recorrer da decisão. É nisto que acreditam vários advogados ouvidos pela CNN Portugal

Oito anos de prisão para Ricardo Salgado. Vários advogados ouvidos pela CNN Portugal consideram que o agravamento da pena do ex-banqueiro, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, permite que a defesa ainda possa recorrer da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça. “Como estamos a falar de uma agravação, é uma nova decisão e, portanto, pode haver recurso para o Supremo”, afirma o advogado Miguel Matias.

Ricardo Salgado tinha sido condenado a seis anos de prisão efetiva por três crimes de abuso de confiança, em primeira instância, no processo separado da Operação Marquês. A defesa do ex-banqueiro recorreu para Tribunal da Relação de Lisboa que, esta semana, confirmou os crimes e decidiu aumentar a pena de Ricardo Salgado para oito anos de prisão. E esse agravamento faz toda a diferença.

É essa diferença, em relação à decisão de primeira instância, que permite “à defesa de Ricardo Salgado, se assim o entender” recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. “Com esta agravação da pena podemos não estar perante uma ‘dupla conforme’, mas de uma nova circunstância. Se a pena tivesse sido confirmada e mantida, era ‘dupla conforme’ e já não havia mais possibilidade de recurso para o Supremo”, explica Miguel Matias.

E o que é a ‘dupla conforme’? É um pressuposto negativo de admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e que surgiu com o propósito de filtrar o acesso a esta instância superior. Nestes casos, não é admitida a recurso uma decisão de um Tribunal da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância.

Também o advogado Paulo Sá e Cunha partilha da mesma opinião: “Pode haver recurso para o Supremo e ainda para o Constitucional, se para tal houver matéria”, diz à CNN Portugal. “Acredito que isso possa acontecer e vá acontecer”.

E é por isso que admite que podemos esperar “mais uns dois anos até uma decisão definitiva": "E ele nunca será preso antes da sentença transitar em julgado”.

Quanto à questão da doença de Alzheimer, Paulo Sá e Cunha considera que esta é “uma falsa questão”. “Ninguém deixa de ser preso pela doença, até porque há hospitais prisionais e a doença não é uma causa de extinção da responsabilidade criminal”, explica. Todavia, admite que possa ser “recomendado o cumprimento de pena de outra maneira. Mas uma pena com este peso não pode ser cumprida em casa. Penso que dificilmente ele evita a prisão”.

Lembra ainda que “essas situações se aplicam a condenados que já estão na condição de reclusos” e, neste caso, “ainda não há decisão definitiva”, insiste Paulo Sá e Cunha.

Em relação aos argumentos da defesa do ex-banqueiro, o advogado Miguel Matias partilha da opinião que a doença de Alzheimer "não retira a culpa da pessoa, nem a prática do crime”.

Ricardo Salgado pode estar a ser prejudicado por ser “um processo mediático”

“Se não fosse um caso tão mediático, certamente que seriam considerados os argumentos apresentados pela defesa de Ricardo Salgado”, defende o advogado João Massano, também presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. No entanto, ressalva que “não é segura essa decisão, não é certa a 100%, porque cada juiz tem o seu entendimento em relação a esta circunstância”. Mas garante que “há jurisprudência em que foi considerada a circunstância do Alzheimer” em benefício do arguido.

“Qualquer advogado sabe que é diferente julgar um processo mediático ou não mediático. E se há situações em que eventualmente os ricos são beneficiados e os processos mediáticos podem, de alguma forma, ser beneficiados, há outras em que a mediatização faz precisamente o contrário”, explica João Massano.

“Há situações nos tribunais em que a doença de Alzheimer é considerada com pessoas não mediáticas. Na mesma altura em que foi desconsiderada no caso de Ricardo Salgado, foi-me confidenciado por outro colega um processo não mediático em que a situação da doença tinha sido considerada. E esse não é caso único, há mais. Só que esse arguido não era mediático e acabou considerado inimputável”.

“As pessoas com Alzheimer têm as suas capacidades diminuídas e isto não tem a ver com defender o arguido A, B ou C”, acrescenta. João Massano vai mais longe e assume que “até compreende que a razão que está por detrás disto seja que, perante a opinião publica, não é possível considerar a doença, porque senão seria o descrédito da Justiça”.

"É um ataque à dignidade humana”

A decisão do tribunal da Relação de Lisboa foi em tudo contrária aos desejos da defesa de Ricardo Salgado, que pretendia a absolvição, realçando os 78 anos e o diagnóstico de doença de Alzheimer. À CNN Portugal, um dos advogados de Ricardo Salgado apenas admitiu que os próximos passos estavam a ser avaliados e remeteu para o comunicado divulgado no mesmo dia em que foi conhecida a decisão do TRL, quarta-feira.

No documento, os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce escrevem que este acórdão do Tribunal da Relação "é um ataque à dignidade humana, incluindo à dignidade do Dr. Ricardo Salgado (mas não só), como também aos princípios fundamentais do nosso Sistema de Justiça Democrático".

Por isso, acrescentam, "se tal vier a ser necessário, em face 'da evidente violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que algumas decisões judiciais dos Tribunais Portugueses têm representado no que respeita ao Dr. Ricardo Salgado", a defesa "não deixará de acionar o Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos".

Acrescentam ainda que a decisão proferida ignora "os mais básicos direitos humanos de um cidadão com 78 anos", que "padece de comprovada e grave doença de alzheimer”.

Em relação a esta matéria, os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa consideraram que questão da doença foi tida “em conta na medida da pena”.

E, por isso, a realização de uma perícia neurológica ao antigo presidente do BES – pretendida pela defesa e com a anuência do MP numa audiência realizada em maio na Relação - é desnecessária, face ao atestado médico que foi junto aos autos logo na primeira instância e que o TRL concordou ser suficiente para dar o diagnóstico como provado.

“[Tendo em conta o] facto entretanto provado por relatório médico, nada mais se impõe acrescentar quanto à desnecessidade de tal perícia médica”, referiram os desembargadores, acrescentando que no cenário de um eventual agravamento da doença “que coloquem o arguido numa situação semelhante à de inimputabilidade”, uma eventual revisão da aplicação da pena deve caber ao Tribunal de Execução de Penas, justifica ainda o TRL.
 

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