"A prisão efetiva (que é chocante) vai acelerar a morte de Ricardo Salgado": as 792 páginas dos advogados do ex-banqueiro

31 mai 2022, 12:16
Ricardo Salgado

A defesa do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) recorreu da condenação a seis anos de prisão no processo separado da Operação Marquês e pediu a revogação do acórdão, considerando que a sentença vai causar ou acelerar a sua morte

Se para a primeira instância foi uma “não questão”, para a defesa de Ricardo Salgado é “absolutamente essencial” que o diagnóstico de Alzheimer, invocado durante o julgamento, leve à nulidade do acórdão “chocante” que condenou o ex-banqueiro a seis anos de pena efetiva e “ignorou” o problema de saúde alegado perante a justiça.

Com quase 78 anos, Ricardo Salgado não tem, para a defesa, as condições para corresponder sozinho aos cuidados e medicação diária que o seu estado de saúde exige, e que não se compadecem com uma pena efetiva. A defesa vai mais longe e escreve, no recurso de quase 800 páginas a que a CNN Portugal teve acesso, que esta condenação pode acelerar a morte do arguido. 

“Qualquer prisão efetiva – ainda para mais na duração determinada no Acórdão recorrido – causará ou, pelo menos, acelerará o falecimento do ora Arguido Recorrente", pode ler-se.

Para a defesa, qualquer condenação teria de prever uma pena “suspensa". É com um apelo à dignidade humana que os advogados de Ricardo Salgado querem voltar atrás com um “pré-julgamento na praça pública”, motivado também pelo facto de o arguido “se chamar Ricardo Espírito Santo Silva Salgado”.

Foi o próprio arguido quem disse ao coletivo de juízes não ter condições para prestar declarações, na primeira e única vez que esteve presente no seu julgamento. Foi a 8 de fevereiro e perante as perguntas de Francisco Henriques respondeu: “Foi-me atribuída a Doença de Alzheimer.” 

O tribunal não determinou a realização de uma perícia médica, ao contrário da defesa de Salgado, para quem foram violadas as garantias de defesa do cliente ao contrário de alguma jurisprudência que refere no recurso. É o caso de um Acórdão do Tribunal de Viseu que em 2021 determinou a suspensão da pena de prisão de sete anos para um arguido em julgamento por crimes de prevaricação, fraude na obtenção de subsídio e falsificação de documentos pelo facto do suspeito sofrer de Alzheimer.

No caso de Ricardo Salgado, e no entender da defesa, a falta de pronúncia no acórdão quanto à anomalia psíquica alegada e aos possíveis efeitos na suspensão da pena determina a nulidade da decisão. 

Uma “testemunha estrela” num “quadro mediático”

O epíteto é atribuído a Paulo Silva, inspetor da autoridade tributária, figura ligada à Operação Marquês desde a fase de inquérito e que em sede de julgamento reconstituiu, perante o coletivo de juízes, alguns dos movimentos financeiros que serviram para a acusação por mais de 20 crimes no processo. 

A julgamento chegaram apenas três crimes de abuso de confiança, depois da fase instrutória que terminou com a decisão de Ivo Rosa e que fez cair a maioria dos crimes e grande parte dos arguidos. Os três crimes de abuso não são, para a defesa, matérias do domínio fiscal, pelo que não se justifica a valoração do depoimento do inspetor tributário, o que reforça o entendimento de que não existiam provas para condenação de Salgado. Uma linha de argumentação resumida e adaptada numa expressão popular: “Não tendo cão para caçar com gato, o Acórdão recorrido procurou caçar com gato.” 

Paulo Silva não tem, segundo os advogados, o “conhecimento direto dos factos” que descreveu perante o tribunal. Sobre o funcionamento, contabilidade e operações de sociedades ligadas ao Grupo Espírito Santo, temas da inquirição enquanto testemunha, concluem que resultam de uma “análise enviesada, distorcida e errada de documentos e de ouvir dizer depoimentos de outras testemunhas”.

Os argumentos são também sustentados com uma frase do presidente do coletivo de juízes a propósito de Paulo Silva, a 8 de julho de 2021. “Eu até já fui acusado pelo meu colega de dizer que eu lhe dei muita latitude. Pronto, é verdade, dei mais latitude do que é habitual, ou é habitual por este coletivo, mas foi por este motivo, porque o relato estava tão misturado com opiniões e com factos (...).”

Esta frase é considerada uma prova do teor “frágil” em que se sustenta a prova dos factos no acórdão. 

“Copy-paste” que ignora a “devolução” de sete milhões de euros

É a partir de um lapso de forma que a defesa parte para a tese de que as considerações jurídicas são “genéricas” e “acríticas”. Na condenação, o tribunal escreveu o plural “arguidos” quando referia apenas o arguido Ricardo Salgado e da forma a defesa parte para a matéria de facto e para a medida da pena ao referir que não menciona circunstâncias do caso concreto.

Quanto à fundamentação jurídica: substituindo a referência genérica ao "abuso de confiança" por qualquer outro crime, esta “fundamentação” genérica e abstrata seria aplicável a qualquer decisão condenatória.

Os factos serviriam também para uma atenuação e suspensão da pena. Tendo feito chegar montante total de sete milhões à esfera da ESI em outubro de 2012 e janeiro de 2014, a defesa quer provar em sede de recurso que Salgado não teve intenção de se apropriar ilegitimamente de quaisquer quantias, como entendeu o tribunal na condenação por abuso de confiança.

“Quem se pretende apropriar ilegitimamente de uma qualquer quantia não injeta fundos na esfera de onde retirou, anteriormente, os fundos de que, supostamente, se pretenderia apropriar.”

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