Juiz recusa nova perícia médica a Ricardo Salgado para comprovar o agravamento da doença de Alzheimer

CNN Portugal , com Lusa - notícia atualizada às 00:13
20 mar 2023, 22:47

Diagnóstico da doença ainda não foi confirmada oficialmente nem pelo Instituto de Medicina Legal nem por outro serviço público de saúde

O juiz do caso Universo Espírito Santo recusou uma nova perícia médica a Ricardo Salgado para comprovar o agravamento da doença de Alzheimer e pedir o arquivamento dos autos.

De acordo com o Observador, o juiz Pedro Correia diz que a perícia só deve ser feita durante um eventual julgamento. Recorde-se que o diagnóstico da doença ainda não foi confirmada oficialmente nem pelo Instituto de Medicina Legal nem por outro serviço público de saúde.

A perícia tinha sido pedida pela defesa do ex-banqueiro, insistindo que a mesma fosse feita durante a fase de instrução do caso EDP, seguindo-se o mesmo pedido no âmbito do caso BES. A perícia foi primeiro recusada pela juíza Gabriela Assunção a 12 de março, no âmbito do caso EDP, tendo agora o mesmo pedido sido recusado nos autos do caso do Universo Espírito Santo. 

De acordo com o despacho desta segunda-feira a que a Lusa teve acesso, o juiz Pedro Correia indeferiu o requerimento da defesa do antigo presidente do Grupo Espírito Santo por considerar que “não se vê como o resultado de perícia realizada nos termos requeridos poderia ser essencial à decisão a proferir nesta fase processual”.

Para o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), os argumentos dos advogados de Ricardo Salgado quanto a um consequente arquivamento dos autos no que diz respeito ao antigo banqueiro - na sequência de uma perícia médica que confirmasse o diagnóstico clínico da doença de Alzheimer – não têm também respaldo legal.

“Tal situação clínica do arguido, a relevar, deverá ser ponderada em eventual fase de julgamento que venha a ocorrer, pois que a mesma terá (ou não) relevo quanto a eventual cumprimento de pena ou da adequação de imposição de uma pena ou uma medida de segurança”, referiu o juiz, acrescentando que a condição clínica invocada pelo arguido não foi levantada como eventual causa de anomalia psíquica à data dos factos do processo.

O juiz Pedro Correia acabou também por dispensar Ricardo Salgado da audiência agendada para esta terça-feira, que visava o seu interrogatório.

No requerimento apresentado pela defesa do ex-banqueiro, os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce sublinharam que a doença de Alzheimer estava “científica e clinicamente comprovada” pelos documentos que juntaram ao processo, demonstrando assim que Ricardo Salgado estava impedido de exercer, pessoalmente, a sua defesa e pedindo a realização da perícia médica com vista à posterior extinção dos autos para o ex-banqueiro.

O documento, a que a Lusa teve acesso, recorreu à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) para fundamentar os seus argumentos, lembrando que “a promoção e prossecução de um processo-crime contra arguido que tem Doença de Alzheimer, com a sua capacidade de memória afetada e tolhida, e que não consegue exercer a sua defesa e prestar declarações de forma plena, viola o direito do arguido a um processo equitativo, nos termos do disposto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.

Segundo o requerimento de abertura de instrução (RAI) submetido pelos advogados do ex-presidente do Grupo Espírito Santo (GES) - acusado neste processo de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, um crime de corrupção ativa e outro de branqueamento -, a situação clínica de Ricardo Salgado “continuou a evoluir desfavoravelmente”, assegurando que não está em condições de prestar declarações e não pode exercer plenamente o direito de defesa.

“O arguido encontra-se à disposição do Tribunal Central de Instrução Criminal para realizar perícia médico-neurológica, para efeitos de comprovar o seu quadro clínico acima descrito, com as devidas consequências legais que daí devem ser retiradas, nomeadamente extinção/arquivamento dos presentes autos quanto ao arguido”, lê-se no documento, que resume: “Requer-se a realização de uma perícia médica da especialidade do foro neurológico”.

Para os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, face aos relatórios médicos, Ricardo Salgado “não pode ser sequer acusado ou pronunciado e, muito menos, submetido a qualquer julgamento”, pelo que pedem a perícia médica num serviço oficial de saúde, sugerindo o Laboratório de Estudos da Linguagem, da Clínica Universitária de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

A defesa critica o Ministério Público (MP), ao apontar o “receio de que a perícia médica viesse a frustrar o seu cego propósito acusatório”, referindo, com base num relatório médico de junho de 2022, que Ricardo Salgado “foi admitido num ensaio clínico para doentes de Alzheimer” e deixando uma garantia: “Não é um subterfúgio. Não é uma manobra dilatória. É, repita-se, uma doença, que afeta irreversivelmente o arguido”.

Sobre as imputações feitas pelo MP, a defesa do ex-banqueiro nota que a referência à EDP na acusação “apenas tem um par de notícias da comunicação social, com mais de 10 anos”, apontando ainda ao MP a existência de violações de artigos da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos por não disponibilizar a cópia digital do processo e por limitar o tempo de entrega do RAI.

“Uma acusação que assenta numa narrativa especulativa, exacerbada de adjetivos e ‘teorias noveleiras’, cheia de factos irrelevantes e, em larga medida, baseada em notícias de jornais. E, além de tudo isto, trata-se de uma acusação que, por paradoxal que pareça, invocou como ‘meio de prova’ uma acusação deduzida pelo próprio Ministério Público noutro processo”, referem os advogados, em alusão ao processo BES/GES.

Relativamente aos crimes imputados a Ricardo Salgado, a defesa refuta a existência de corrupção ativa em relação ao antigo ministro da Economia Manuel Pinho (arguido pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal), notando que o ex-governante não preenchia o conceito de funcionário por presidir à comissão de candidatura da prova Ryder Cup 2018.

As transferências mensais de quase 15 mil euros para uma conta offshore (Tartaruga Foundation) da qual Manuel Pinho era o beneficiário são também abordadas no RAI, que defende que a acusação mistura esta situação na imputação do crime de branqueamento com os crimes precedentes de corrupção ativa, concluindo: “Isto determina, por si só, que seja proferida decisão de não pronúncia especificamente quanto ao arguido”.

Alegam igualmente que Manuel Pinho não era ainda titular de cargo político em 08 de março de 2005, quando foi constituída a sociedade offshore para a qual foram efetuados os pagamentos, e que se estivesse em causa o crime de corrupção ativa para ato lícito, então o mesmo já estaria também prescrito. Por último, a defesa frisa que “não houve um dolo específico próprio do branqueamento” por parte do ex-presidente do GES.

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