Iniciativa Liberal trouxe o tema para cima da mesa, agora que a direita tem uma maioria de dois terços no Parlamento. A AD não parece muito preocupada com o assunto, mas tem os seus próprios projetos
"A Constituição da República Portuguesa, redigida em 1976, precisa de ser melhorada, simplificada e trazida para a modernidade". Quem o diz é a Iniciativa Liberal (IL), no seu programa eleitoral. E, na passada quarta-feira, Rui Rocha voltou a trazer o tema para debate público, depois de anunciar que o partido vai propor uma revisão da Lei Fundamental, baseada em "mais liberdade" e "menor pendor ideológico".
Mas afinal, o que quer mudar a IL? E o que dizem os outros partidos sobre uma possível revisão constitucional?
O partido liderado por Rui Rocha quer uma Constituição que reflita uma democracia liberal, que coloque o cidadão no centro das suas preocupações, com um menor papel do Estado na economia e que rompa com "dogmas pós-revolucionários", para que a lei fundamental passe a prever “uma sociedade mais aberta e mais livre.
No seu programa eleitoral, a IL propõe uma revisão constitucional baseada em três pilares.
- O reforço das liberdades políticas e sociais;
- A melhoria da arquitetura do regime, dos órgãos de soberania, das instituições democráticas e escrutínio do seu poder;
- Uma visão reformista e sustentável para a economia e para a sociedade.
Entre várias medidas propostas, destacam a vontade de eliminar a expressão “abrir caminho para uma sociedade socialista” do preâmbulo da Constituição. Os liberais sugerem que as referências ao socialismo sejam substituídas por "um caminho de mais liberdade". Este foi um ponto que o Chega concordou no ano passado, quando, na legislatura anterior, iniciou um processo de revisão que contou com propostas dos restantes partidos, mas foi interrompido pela dissolução da Assembleia da República.
Já nessa altura, a IL queria, entre outras medidas, tornar o serviço de saúde "universal", num híbrido entre público, privado e social; garantir a escolha entre escola pública e privada; criar um salário mínimo municipal, colocar a Assembleia da República a escolher o procurador-geral da República e o presidente do Tribunal de Contas e acabar com o cargo de representante da República nas regiões autónomas.
O partido de André Ventura concorda com a eliminação desse cargo. No seu programa eleitoral, propõe que as funções "passem a ser desempenhadas diretamente pelo Presidente da República", o que acompanha a linha de ideias do Chega de definir "de forma clara" as competências exclusivas da República, seja no campo da Justiça, da Defesa, da Segurança, da Segurança Social ou das Relações Externas.
Outra medida em que os dois partidos de direita concordam é a criação do recurso de amparo ao Tribunal Constitucional, para defesa célere de direitos fundamentais.
Na quarta-feira, André Ventura mostrou-se imediatamente disponível para uma revisão constitucional, dizendo que pode ser uma oportunidade histórica para a direita e defendendo "reformas estruturantes nas várias áreas”.
O deputado Rui Paulo Sousa concordou com o líder do partido e afirmou que a direita tem agora uma oportunidade de levar uma revisão constitucional até ao fim. Isto porque as forças de direita ocupam pelo menos dois terços dos assentos no Parlamento (154 deputados), a maioria necessária à aprovação de uma revisão da Constituição.
Uma das prioridades do Chega para uma revisão constitucional é a introdução da prisão perpétua. O partido já defendeu por várias vezes a necessidade de atribuir penas mais pesadas aos criminosos violentos.
O partido dedica várias linhas à necessidade de reforçar as autonomias regionais. Propõe que se acabe com o conceito de “unitarismo” excessivo previsto na Constituição para permitir maior autonomia regional "sem comprometer a integridade nacional". Defende, entre outras coisas, que se fortaleça o estatuto político-administrativo da Madeira e dos Açores, reconhecendo leis quase constitucionais, subordinadas apenas à Constituição e que o referendo regional passe a ser convocado pelos órgãos regionais e não mais pelo Presidente da República.
A AD, no seu programa eleitoral, é curta sobre o assunto, mantendo-se mais ambígua sobre a necessidade de existir uma revisão constitucional. No entanto, concorda com o Chega no que diz respeito às regiões autónomas. A coligação diz querer "reforçar as autonomias regionais, logo que possível, em sede de revisão constitucional", mas não adianta detalhes.
Internamente, parece haver divisões. Paulo Rangel, do PSD, não quis emitir opiniões sobre a hipótese de alterar a Constituição. Já o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, afirmou que uma revisão constitucional em Portugal “dependerá do posicionamento do Partido Socialista”.
"Se [o PS] genuinamente quer evitar que haja uma confluência com o Chega, evidentemente que se recentrar e tiver sentido de responsabilidade será fácil que isso nunca aconteça", declarou em entrevista ao programa da CNN Portugal O Princípio da Incerteza.
A IL quer ainda que o reconhecimento do direito à propriedade privada passe a ser um direito fundamental, limitado apenas por lei da Assembleia da República. Pede o mesmo para o direito ao esquecimento, que deve consagrar que o cidadão pode exigir a eliminação dos seus dados pessoais.
Relativamente ao sistema eleitoral, defendem o fim do dia de reflexão, a criação de um círculo nacional de compensação e o alargamento do voto em mobilidade.
Querem também uma maior regulação e fiscalização dos partidos políticos, patente no fim de isenções fiscais abusivas, como o IMI, o IMT e o IVA, pelos partidos e a igualdade de instrumentos de fiscalização entre deputados, independentemente da dimensão do grupo parlamentar.
Na legislatura passada, o partido de André Ventura dinamizou três projetos de lei dentro do mesmo tema para rever artigos da Constituição. O partido quer que a Assembleia da República passe a autorizar o levantamento de imunidade dos deputados para efeitos de prestar declarações ou ser constituído arguido sempre que não esteja em causa factos relacionados com votos e opiniões que estes emitirem no exercício das suas funções; que seja reforçada as sanções acessórias e o período de inibição aplicável a titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e que se altere o Regime do Exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos no sentido de limitar negócios com familiares. No entanto, nenhuma destas propostas chegou a votação.
À esquerda, a proposta de revisão constitucional está a ser vista com grande preocupação. A deputada socialista Isabel Moreira considerou a ideia da IL “despropositada, perigosa e divorciada da realidade” e declarou que "a democracia está em risco". O Livre apelou à AD para que rejeite uma revisão nesta legislatura, temendo ataques ao Estado de direito e às liberdades fundamentais. E o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, declarou que "se aqueles que querem alterar a Constituição se empenhassem na sua concretização, a vida daqueles que cá vivem estaria muito melhor.
A revisão constitucional é aprovada por lei e pode conter a revogação, a adição ou a alteração de normas da Constituição. Após a discussão e aprovação na Assembleia da República, deve ser promulgada pelo presidente da República e é publicada no Diário da República.