Família dá a volta ao mundo antes de os filhos perderem a visão

CNN , Tamara Hardingham-Gill
17 set 2022, 10:30

A filha, Mia, tinha apenas três anos quando o casal canadiano Edith Lemay e Sebastien Pelletier repararam que ela tinha problemas de visão.

Alguns anos depois de a terem levado pela primeira vez a um especialista, Mia, a mais velha dos quatro filhos do casal, foi diagnosticada com retinite pigmentosa, uma condição genética rara que causa perda ou declínio da visão ao longo do tempo.

Por essa altura, Lemay e Pelletier, casados há 12 anos, tinham reparado que dois dos seus filhos, Colin, agora com sete anos, e Laurent, cinco anos, tinham os mesmos sintomas.

Os seus receios foram confirmados quando, em 2019, os meninos foram diagnosticados com a mesma doença genética; ao outro filho Leo, de nove anos, nada foi diagnosticado.

"Não há nada que se possa realmente fazer", diz Lemay, explicando que atualmente não há cura ou tratamento eficaz para retardar a progressão da retinite pigmentosa.

"Não sabemos a que ritmo vai acontecer, mas prevemos que estejam completamente cegos até à meia-idade."

Memórias visuais

Edith Lemay com o marido Sébastian Pelletier e os filhos Mia, Leo, Colin e Laurent em Ölüdeniz, Turquia

Assim que interiorizou a notícia, o casal centrou as suas atenções em ajudar os filhos a obterem as capacidades de que iriam precisar para fazerem o seu caminho pela vida.

Quando o especialista que acompanhava Mia sugeriu que a rodeassem de "memórias visuais", Lemay percebeu que havia uma maneira verdadeiramente incrível de fazerem isso por ela e pelos outros filhos.

"Pensei: 'Não vou mostrar-lhe um elefante num livro, vou levá-la a ver um elefante verdadeiro'", explica. "E vou encher a memória visual dela com as melhores e mais belas imagens que puder."

Ela e o marido começaram logo a fazer planos para passarem um ano a viajar pelo mundo com os filhos.

Apesar de Lemay e Pelletier viajarem juntos frequentemente antes de se tornarem pais, e de terem levado os filhos em várias viagens, fazer uma viagem prolongada em família nunca lhes parecera viável.

"Com o diagnóstico, houve uma urgência", acrescenta Pelletier, que trabalha no ramo financeiro. "Há coisas ótimas para fazer em casa, mas não há nada melhor do que viajar. Não só pela paisagem, mas também pelas diferentes culturas e povos."

Trataram imediatamente de aumentar as suas poupanças, e o "pote de viagem" recebeu um desejado aumento quando a empresa para a qual Pelletier trabalhava e das quais tinha ações foi comprada.

"Foi como um pequeno presente da vida", admite Lemay, que trabalha em logística dos cuidados de saúde. "Foi... aqui está o dinheiro para a vossa viagem."

A viagem da família de seis pessoas deveria ter começado em julho de 2020, e tinham planeado um itinerário aprofundado que envolvia viajar pela Rússia por terra e passarem algum tempo na China.

Grande aventura

A família Lemay-Pelletier explora a Floresta Quivertree na Namíbia, onde começaram a sua viagem mundial

No entanto, foram forçados a adiar a sua viagem por alguns anos devido às restrições de viagem provocadas pela pandemia, e alteraram o itinerário inúmeras vezes. Quando finalmente partiram de Montreal, em março de 2022, os planos já eram poucos.

"Partimos sem um itinerário", diz Lemay. "Tínhamos ideias de onde queríamos ir, mas planeamos à medida que formos avançando. Talvez um mês antes."

Antes de partirem, a família Lemay-Pelletier criou uma espécie de lista de experiências para as suas viagens. De acordo com Lemay, Mia queria andar a cavalo, enquanto Laurent queria beber sumo em cima de um camelo.

"Foi muito específico e muito engraçado, na altura", acrescenta.

Começaram a viagem na Namíbia, onde estiveram perto de elefantes, zebras e girafas, antes de partirem para a Zâmbia e para a Tanzânia, e depois voarem para a Turquia, onde passaram um mês. A família seguiu então para a Mongólia, antes de viajar para a Indonésia.

"Estamos concentrados nas vistas", explica Pelletier. "Também estamos muito focados na fauna e flora. Vimos animais incríveis em África, mas também na Turquia e em outros lugares. Estamos a tentar fazê-los ver coisas que não teriam visto em casa e ter experiências incríveis."

Além de verem belas paisagens enquanto a sua visão ainda é relativamente boa, o casal espera que a viagem ajude as crianças a desenvolverem fortes ferramentas para lidarem com adversidades.

De acordo com o National Eye Institute, parte dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, os sintomas de retinite pigmentosa geralmente começam na infância, e a maioria das pessoas eventualmente perde a maior parte da visão.

"Eles vão precisar de ser verdadeiramente resilientes ao longo das suas vidas", acrescenta Lemay, salientando que Mia, Colin e Laurent terão de se reajustar constantemente à medida que a visão piora.

Sistema de apoio

O filho do casal, Leo, durante a visita da família à Capadócia, na Turquia

"Viajar é algo com que se pode aprender. É agradável e divertido, mas também pode ser muito difícil. Podemos ficar desconfortáveis. Podemos estar cansados. Há frustração. Portanto, há muita coisa que se pode aprender com a própria viagem."

Enquanto Mia, agora com 12 anos, sabe da sua doença desde os sete anos, Colin e Laurent descobriram mais recentemente e estão a começar a fazer as perguntas difíceis.

"O meu pequenino perguntou-me: 'Mamã, o que significa ser cego? Vou conduzir um carro?", diz Lemay. "Ele tem cinco anos. Mas, lentamente, começa a perceber o que está a acontecer. Foi uma conversa normal para ele. Mas para mim, foi de cortar o coração."

Para Leo, o segundo filho mais velho, o conhecimento da doença genética dos irmãos foi "sempre um facto da vida".

Lemay e Pelletier esperam que passar tempo em diferentes países e experimentar diferentes culturas mostre a todos os filhos a sorte que têm, apesar dos desafios que poderão surgir mais tarde nas suas vidas, à medida que a visão se deteriorar.

"Por muito difícil que venha a ser a vida deles, queria mostrar-lhes que têm sorte só por terem água corrente em casa e por poderem ir à escola todos os dias com bons livros coloridos," acrescenta Lemay, que diz que todas as quatro crianças se adaptaram à vida na estrada com relativa facilidade.

"São super curiosos", diz. "Adaptam-se facilmente a novos países e novos alimentos. Estou muito impressionada com eles."

Embora as experiências visuais continuem a ser uma prioridade, Lemay diz que a viagem se tornou mais sobre mostrar às crianças "algo diferente" e proporcionar-lhes experiências inesquecíveis.

"Há lugares bonitos em todo o mundo, por isso não importa para onde vamos", explica.

"E nunca sabemos o que os vai impressionar. Vamos dizer a nós mesmos [eles vão pensar] que algo é maravilhoso e depois veem cachorrinhos na rua e é a melhor coisa na vida deles."

A família tem vindo a relatar a sua viagem através das redes sociais, publicando atualizações regulares nas suas contas de Facebook e Instagram.

Lemay diz que outras pessoas que foram diagnosticadas, ou que têm um ente querido com retinite pigmentosa, têm entrado em contacto com ela para oferecer palavras de encorajamento.

Na verdade, uma professora de uma escola especializada no Quebeque para alunos cegos ou deficientes visuais está entre os seus 11.000 seguidores no Facebook e muitas vezes relata as suas aventuras à turma.

"Todas as semanas, ela abre a página do Facebook e descreve todas as fotos ou lê o que estou a escrever", diz Lemay.

"E, de alguma forma, eles fazem parte da viagem connosco. Poder partilhar isto com outras pessoas é uma dádiva maravilhosa pelo qual estou muito grata. Isso deixa-me muito feliz."

Desafios futuros

Lemay e Pelletier dizem que a viagem fortaleceu a relação entre os seus quatro filhos, vistos aqui na Mongólia

Lemay e Pelletier admitem que o diagnóstico está sempre no pensamento de ambos, mas estão focados em viver o momento e "colocar a sua energia nas coisas positivas".

"Nunca sabemos quando pode começar ou a que velocidade pode ocorrer", acrescenta Pelletier. "Por isso, queremos aproveitar este tempo em família e acompanhar cada um dos nossos filhos para podermos viver esta experiência ao máximo."

Enquanto a família planeia regressar a casa no Quebeque em março, dizem que estão a tentar não pensar assim tão à frente. Na verdade, a capacidade de viver o momento é uma das principais coisas que a família aprendeu nos últimos meses.

"Esta viagem abriu-nos os olhos para muitas outras coisas, e queremos realmente desfrutar do que temos e das pessoas que nos rodeiam", diz Pelletier.

"Se isso continuar quando voltarmos, mesmo nas nossas rotinas diárias, será um excelente prémio."

Apesar de viajar em família ser complicado – o casal também tem estado a dar aulas aos filhos na viagem – Lemay e Pelletier dizem que uma das coisas melhores tem sido ver o fortalecimento da relação entre as crianças.

"São ótimos juntos", acrescenta. "Para além disso, acho que ajuda a solidificar essa ligação entre eles. E esperemos que isso continue no futuro, para que possam apoiar-se uns aos outros."

Pelletier sublinha que continuam com esperança de que Mia, Colin e Laurent nunca fiquem cegos. Mas, por enquanto, estão a fazer tudo o que podem para garantir que conseguem lidar com o que o futuro nos reserva.

"Esperemos que a ciência encontre uma solução", diz Pelletier. "Torcemos por isso. Mas sabemos que pode acontecer, por isso queremos ter a certeza que os nossos filhos estão preparados para enfrentar esses desafios."

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