"Neste momento é impossível parar a escalada dos preços alimentares. É impossível. É a lei da oferta e da procura a funcionar"

ECO - Parceiro CNN Portugal , António Larguesa
23 mar 2023, 09:59
Amândio Santos, presidente da PortugalFoods

Amândio Santos, presidente da PortugalFoods, frisa que “a indústria precisa de aumentar preços" e "o retalho tem também de fazer o seu esforço” para os consumidores conseguirem comprar comida

“Neste momento é impossível parar a escalada dos preços. É impossível. É a lei da oferta e da procura a funcionar.” O aviso é feito pelo presidente do conselho de administração da PortugalFoods, Amândio Santos, sublinhando que “a indústria precisa de aumentar preços, o consumidor precisa de preços competitivos e o retalho também tem de fazer o seu esforço”.

Em entrevista ao ECO à margem da conferência Dare2Change, no Porto, o porta-voz do setor agroalimentar – composto por 11 mil empresas, assegura 200 mil empregos e exportou 8.400 milhões de euros em 2022 – fala num “trabalho conjunto de esmagamento de margens” e dramatiza que “nunca se exigiu que o diálogo entre a produção, a indústria e o retalho fosse tão claro e transparente”.

Como é que o setor agroindustrial está a assistir ao debate das últimas semanas em torno do preço dos alimentos em Portugal?
É uma realidade com que estamos todos deparamos. A cadeia de abastecimento está com perturbações muito importantes, somos confrontados com aumentos do setor primário ao setor industrial e, naturalmente, os preços têm de ser repercutidos no consumidor. Vemos este tema com muitas preocupações porque, de facto, a elasticidade do preço é muito curta e o consumidor tem cada vez mais dificuldades em preencher o seu cabaz de alimentos.

O dedo, até por parte dos políticos, tem estado apontado sobretudo à grande distribuição.
É um tema muito sensível, mas a indústria precisa de aumentar os preços, o consumidor precisa de preços competitivos e o retalho tem também de fazer o seu esforço. Portanto, tem de ser um trabalho conjunto de esmagamento de margens em cada um dos atores da cadeia, para que o consumidor possa continuar a alimentar-se e a ter acesso aos produtos. Este diálogo entre a produção, a indústria e o retalho tem de ser muito transparente. Nunca se exigiu que fosse tão claro e transparente como neste momento.

Acha que tem faltado transparência?
Tem de ser cada vez mais claro e objetivo. Toda a cadeia tem de ter a sua capacidade, a sua dinâmica, e sem margens [competitivas] não é possível. E o consumidor tem de ter acesso a produtos saudáveis e a um preço que possa pagar por eles.

Mas como se pode resolver a situação neste momento?
Neste momento é impossível parar a escalada dos preços. É impossível. É a lei da oferta e da procura a funcionar. Há produtos que estão claramente em perturbação, como alguns produtos pecuários, como o ovo, as carnes. Há um problema que provoca esses aumentos de preços. Este é um momento em que a produção tem margens mais consideráveis, este é um momento interessante para a produção. Mas, de facto, todos temos de saber como vamos conseguir continuar a vender os nossos produtos — e o consumidor a comprá-los.

Porque fala num “momento interessante” para a produção?
É a lei da oferta e da procura. Ou seja, as cadeias de abastecimento estão muito tensionadas e, portanto, não havendo a disponibilidade a montante, obriga a um aumento de preços a jusante. É uma realidade que não é fácil.

E o que lhe parece a ideia, aventada nas últimas semanas, de uma fixação de preços?
Não me parece fácil que se possam fixar preços. O mercado tem de funcionar. Temos é de ser todos muito conscientes de que, se o consumidor não tiver capacidade de compra, vamos sofrer todos. Os preços têm de ser adequadamente transparentes e corretos para que todos possam continuar a desenvolver as suas atividades.

Amândio Santos, presidente da PortugalFoods
João Pedro Rocha / Dare2Change

E como explica a diferença de Portugal para outros países no que toca à inflação alimentar?
Em muitos dos nossos produtos do setor alimentar, quando comparamos com os mercados internacionais, temos uma carga fiscal e um [diferencial no] IVA muito relevante. Isso penaliza-nos, naturalmente. É um dos elementos que tem de ser controlado.

Em que dossiês é que podem estar mais alinhados com a distribuição?
Sou apologista de uma dinâmica [em torno de] como é que os retalhistas conseguem, com a indústria, substituir importações por produção nacional. Acho que aqui há um caminho muito relevante a fazer. A indústria poderá ser muito mais competitiva e conseguir a sua rendibilidade de forma muito mais segura se este caminho da substituição de importações for um desígnio conjunto.

Há algum setor em que fosse mais rápida essa substituição de importações?
Na área dos laticínios, por exemplo. Há áreas em que podemos dinamizar muito mais a indústria portuguesa. Estou convencido que, esse sim, deveria ser um vetor fundamental a refletir com toda esta problemática que estamos a viver. A indústria nacional precisa de ganhar dimensão e esse é um desígnio que devia ser conjunto — e ainda mais profundo — entre a indústria e o retalho.

No âmbito do PRR, o setor está envolvido na Agenda Mobilizadora VIIAFOOD, liderada pela Sonae MC, uma plataforma de industrialização e inovação comercial para o agroalimentar que propõe desenvolver 130 novos produtos, serviços e embalagens, em linha com as tendências da alimentação saudável e da sustentabilidade, assim como novos processos. Foi contratualizada por que valor?
Apresentámos a Agenda Mobilizadora em outubro de 2021, prevendo um investimento total de 126 milhões de euros, fizemos a primeira fase da contratualização no final de 2022, mas só em 2023 é que fechámos o processo. O valor de investimento das empresas e das entidades do sistema científico e tecnológico passou a ser de 113 milhões de euros, com 57 milhões de euros de apoio público. Houve uma redução de cerca de 10%, em termos globais, com a redução do incentivo a exigir um esforço da parte das entidades promotoras, pois algumas entidades tiveram de ajustar o investimento, nomeadamente as do sistema científico. [Fazem parte deste consórcio as Universidades do Minho, Porto e Católica, o Instituto Superior Técnico e o Instituto Superior de Agronomia].

Apesar desse atraso na contratualização, as empresas do cluster agroalimentar envolvidas na agenda – Sumol+Compal, Vieira de Castro, Imperial, Super Bock, Sovena, Vitacress, Savinor e Sortegel – avançaram antes com os investimentos?
As empresas mantiveram um investimento muito regular neste período. Já havia um nível de investimento ao nível das empresas, mesmo antes da contratualização, senão não era possível. É óbvio que todo este processo da inflação penaliza porque os investimentos foram previstos em 2021 e [se fossem] concretizados em 2023 ou 2024 seria muito mais penalizador. Portanto, muitos dos investimentos começaram a ser feitos ao longo de 2022, por antecipação. Este projeto tem cerca de 50% de inovação produtiva e os prazos de entrega de equipamentos também são agora muito maiores. Tudo isto condiciona.

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