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Administrador da Pitagórica

Homens até 55 anos com pouca escolaridade desertam do PS para o Chega, que salta onde há imigrantes; maiores de 55 regressam do PS à AD - a análise às eleições

30 mai, 14:11
Painel eleitoral das legislativas 2025 com os líderes na noite de 18 de maio

A ponte levadiça que o PS mantinha sobre o centro do tabuleiro baixou-se e duas forças entraram de rompante enquanto a esquerda se fragmentou

Portugal pós-2025: retrato de um eleitorado em mudança

 

O choque dos números

Entre março de 2024 e maio de 2025, o Parlamento manteve-se com 230 lugares, mas tudo o resto mudou: da erosão socialista à bifurcação da direita, as legislativas de 2025 redesenharam o xadrez partidário português. A AD venceu, mas sem maioria absoluta; o Chega ultrapassou o PS e passou a líder da oposição; à esquerda só o Livre cresceu.

1. COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS ELEITORAIS: 2024 VS. 2025

Em número de votos:

PARTIDOS VOTOS 2024 VOTOS 2025 VARIAÇÃO
AD 1 867 464 2 008 437 140 973
PS 1 812 464 1 442 194 -370 270
CH 1 169 836 1 437 881 268 045
IL 319 685 338 664 18 979
L 204 676 257 273 52 597
CDU  205 436 183 741 -21 695
BE 282 314 125 710 -156 604
PAN 126 085 86 946 -39 139
JPP 19 133 20 911 1 778

 

Em percentagem de votos:

PARTIDOS  % 2024   % 2025  VARIAÇÃO (PP)
AD 28,8% 31,8% 3
PS 28,0% 22,8% –5,2
CH 18,1% 22,8% 4,7
IL 4,9% 5,4% 0,5
L 3,2% 4,1% 0,9
CDU  3,2% 2,9% –0,3
BE 4,4% 2,0% –2,4
PAN 2,0% 1,4% –0,6
JPP 0,3% 0,3% 0

 

Em número de deputados eleitos:

PARTIDOS VOTOS 2024 VOTOS 2025 VARIAÇÃO
AD 80 91 11
PS 78 58 -20
CH 50 60 10
IL 8 9 1
L 4 6 2
CDU  4 3 -1
BE 5 1 -4
PAN 1 1 0
JPP 0 1 1

 

2. RANKING DOS PRINCIPAIS PARTIDOS

CHEGA
 Distritos onde mais subiu

  • Faro (+6,7 pp)
  • Setúbal (+6,1)
  • Porto (+5,3)

 Distritos onde mais desceu (ou subiu menos)

  • Castelo Branco (+1 pp)
  • Madeira (+0,8)

 

AD
 Distritos onde mais subiu

  • Aveiro (+4,4 pp)
  • Porto (+3,8)
  • Setúbal (+3,8)

 Distritos onde mais desceu (ou subiu menos)

  • Alentejo profundo (Beja -0,9 pp, Évora -0,4 PP)

 

PS
 Caiu em 17 dos 20 círculos, sendo as maiores quebras:

  • Setúbal (-6,3 pp)
  • Porto (-6,3 pp)
  • Aveiro (-6,0 pp)

 

LIVRE
 Distritos onde mais subiu

  • Cresce em quase todo o litoral; pico em Lisboa (+1,4 pp)

 Distritos onde mais desceu (ou subiu menos)

  • Estagna em Bragança e Vila Real (≤ +0,2 pp)

 

BE
 Distritos onde mais subiu

  • Só mantém fôlego muito residual no Norte litoral; perde até -3 pp em Setúbal e Faro

 

CDU
 Distritos onde mais desceu (ou subiu menos)

  • Perde 1 deputado e cai ligeiramente (0,26 pp) de forma transversal

 

3. PRINCIPAIS PADRÕES TERRITORIAIS

NORTE (PORTO, BRAGA, AVEIRO, VIANA)
Padrão de 2025 

  • AD reforça hegemonia;
  • Chega torna-se segundo partido em vários concelhos industriais.

Possíveis leituras

  • Transferência PS → AD
  • Abstencionistas → Chega

 

CINTURA URBANA DE LISBOA
Padrão de 2025 

  • Tripé: AD / Chega / PS ficam quase empatados;
  • Livre e IL acumulam aproximadamente 15% dos votos.

Possíveis leituras

  • Fragmentação da esquerda, beneficiando novos partidos.

 

SETÚBAL & MARGEM SUL
Padrão de 2025 

  • Chega lidera;
  • PS perde bastião histórico

Possíveis leituras

  • Voto de protesto em (questões socio-económicas e imigração).

 

ALENTEJO INTERIOR
Padrão de 2025 

  • PS ainda primeiro (≠560 votos) graças ao resultado em Évora
  • CH conquista pela primeira vez o 2º lugar em Évora trocando com AD que ficou em 3º;
  • Chega em 1º lugar em Portalegre e Beja

Possíveis leituras

  • Resistência da velha esquerda, mas com penetração do Chega.

 

ALGARVE (FARO)
Padrão de 2025 

  • Chega conquista 4 dos 9 deputados e torna-se maioritário em 11 concelhos

Possíveis leituras

  • Efeito turismo/imigração + desgaste PS/BE

 

4. CORRELAÇÕES SIMPLES (AMOSTRA DOS 5 MAIORES CÍRCULOS ELEITORAIS)*

* Cálculo a partir dos cinco distritos-amostra; correlações ganham robustez quando incluímos todos os círculos.

PARES DE PARTIDOS
ΔPS × ΔAD

  • P (correlação de Pearson): –0,89 (correlação forte negativa)

Interpretação 

  • Quanto mais o PS cai, mais a AD sobe – sobretudo no Norte e litoral Centro.

 

ΔPS × ΔChega

  • P (correlação de Pearson):  –0,20 (Correlação mais fraca)

Interpretação 

  • O Chega cresce sobretudo onde o PS já era menos dominante ou onde havia elevado abstencionismo.

 

 

5. HÁ CORRELAÇÃO ENTRE IMIGRAÇÃO E TRANSFERÊNCIAS DE VOTO?

O Relatório de Migrações e Asilo 2023 indica que Lisboa, Faro e Setúbal concentram 63 % dos estrangeiros residentes.

  • Nestes distritos, o Chega registou os maiores saltos (+6-7 p.p.), sugerindo como catalisadores da preferência populista a pressão sobre serviços públicos (segurança., ensino, saúde etc) bem como pressão sobre os preços da habitação.
  • Em Lisboa, onde a imigração é mais antiga e qualificada, o ganho do Chega é menor (+3,9 p.p.) e parte do eleitor protesto vira-se para IL e Livre.
  • No Norte industrial, com peso imigrante modesto, a transferência dominante é PS → AD, não PS → Chega.
  • Conclusão: imigração importa, mas como variável contextual – amplifica o discurso populista onde é recente e visível, dilui-se onde há capital humano e cosmopolitismo.

 

Em conclusão:

Depois do vendaval das legislativas, um país à procura de novo equilíbrio

Em menos de um ano, Portugal voltou às urnas e devolveu-nos um Parlamento que já não cabe nos velhos encaixes ideológicos: a AD ganhou (91 deputados), o Chega saltou para segunda força (60) e o PS sofreu a maior queda da sua história democrática, ficando nos 58 lugares, a que chegou depois de contados os votos da emigração - só em 1985 o PS teve menos deputados (57).

Este é o facto aritmético. Mas a política não se esgota na aritmética – e, como qualquer fotografia, estes números pedem legendas, enquadramento, tempo para serem digeridos.

Já há boas pistas. João Cancela e Pedro Magalhães publicaram há dias um retrato sociodemográfico das eleições de 2022 a 2025, feito a partir de sucessivos inquéritos à boca das urnas pela TVI e a CNN Portugal. O estudo mostra três movimentos simultâneos:

  1. homens até 55 anos com pouca escolaridade desertam do PS para o Chega;
  2. eleitores com mais de 55 anos regressam do PS ao centro-direita da AD;
  3. entre jovens licenciados urbanos cresce uma nova oferta progressista (Livre) enquanto a IL estabiliza o seu nicho liberal.

A comparação dos resultados distritais confirma a coerência entre o mapa e a sociologia: onde o PS mais se afundou – Setúbal, Faro, Porto, Aveiro – foi onde o Chega ou a AD mais subiram. A correlação estatística entre a queda socialista e a subida da AD chega a –0,89, com o Chega fica nos –0,20, mas dispara nos distritos em que a imigração cresceu depressa.

 

Migração: lupa ou espelho?

O Relatório de Migrações e Asilo 2023 lembra-nos que três distritos – Lisboa, Faro e Setúbal – concentram quase dois terços dos estrangeiros residentes em Portugal. Nestes dois últimos foi também onde o Chega deu os saltos mais altos (entre +6 e +7 pontos percentuais), sugerindo que a presença visível de mão-de-obra estrangeira em sectores turísticos ou industriais funciona como lente que amplia o discurso populista sobre insegurança, mas também como pressão sobre os serviços públicos (saúde, educação) e de forma muito significativa sobre os preços da habitação.

Mas Lisboa – o distrito mais internacional – não replicou esse efeito da mesma forma: aí o ganho do Chega é mais contido, e parte do eleitorado optou ou pelo Livre ou pela IL. A melhor qualidade de vida em municípios, como Lisboa, Oeiras, Cascais e mesmo em municípios mais pequenos como Mafra e Torres Vedras, entre outros, parece – pelo menos para já – diluir o apelo do populismo.

Nada disto autoriza simplismos. Imigração não explica por si o mapa eleitoral; ajuda a compreendê-lo onde se cruza com condições sociais (salários baixos, oferta habitacional precária, serviços saturados) e com repertórios culturais (cosmopolitismo urbano vs. sentimento de periferia). A academia terá anos de trabalho para esmiuçar as causalidades que um artigo de opinião só consegue apontar.

Por fim, devemos reter que as legislativas mostraram que o eleitorado não é um líquido que muda de recipiente ao menor abalo; é, antes, um mosaico composto por trajetórias profissionais, identidades locais e experiências de mobilidade social. A AD beneficiou do efeito “regresso”, o Chega do efeito “rutura” e o Livre do efeito “novidade”. O PS foi vítima de todos esses vetores em simultâneo

Nas autárquicas, esse mosaico volta a embaralhar-se. O voto de protesto pode perder força quando se escolhe quem gere o orçamento de uma câmara, mas pode também cristalizar se os atores estabelecidos não oferecerem respostas tangíveis.

Para a direita, o desafio é provar que pode e sabe governar sem se deixar embrulhar em temas laterais; para a esquerda, é mostrar que ainda sabe proteger quem sente que a escada social está a encolher.

A aritmética das legislativas é só um ponto de partida. A ciência política, como lembra o estudo de Pedro Magalhães, levará tempo a decantar causas e efeitos. O que podemos desde já fixar é a imagem-guia: a ponte levadiça que o PS mantinha sobre o centro do tabuleiro baixou-se, e duas forças entraram de rompante enquanto a esquerda se fragmentou. Faltam quatro meses para os eleitores decidirem quem guarda, renova ou derruba as muralhas de cada município. Veremos então se a fotografia de 2025 era retrato ou simplesmente um instantâneo.

 

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