A leitura nacional destas autárquicas não pode deixar margem para dúvidas: o PSD é um vencedor claro; o PS perdeu com honra; e o Chega é um dos grandes derrotados da noite.
O que explica, então, que os mesmos eleitores que ainda há cinco meses colocavam o Chega como líder da oposição, agora o atirem para terceiro lugar em número de votos (653.989) e o deixem em sexto no número de câmaras, atrás de PSD, PS, Independentes, CDU e… CDS?
A explicação mais óbvia – com o seu quê de cínica – é que as autárquicas são eleições diferentes das legislativas e que estes dois atos eleitorais não devem ser comparados. E é verdade. Mas não fui eu que decidi comparar autárquicas e legislativas. Foi André Ventura, durante a campanha eleitoral, que estabeleceu sempre um paralelo entre o sucesso do Chega nas últimas legislativas e a fasquia que tinha para estas autárquicas.
Foi a bazófia do líder do Chega que o levou a fazer uma regra de três simples: se nas legislativas de maio o Chega tinha conseguido eleger 60 deputados, nestas autárquicas seria capaz de eleger 30 presidentes de câmara. Foi Ventura que disse ser impensável ficar atrás da CDU. E foi também André Ventura que estabeleceu como grande prioridade quebrar o bipartidarismo também nas autarquias, tendo, para isso, candidatado os seus melhores quadros para municípios importantes como Sintra, Faro, Loures e Oeiras. Destes, só Bruno Nunes ficou em segundo lugar em Loures, ocupando a posição que era da CDU.
Significa isto que o crescimento eleitoral do Chega foi interrompido ou que atingiu o seu limite? Não necessariamente.
Há 15 dias, neste mesmo espaço, escrevi que estas autárquicas serviriam para compreendermos quanto vale o Chega e quanto vale André Ventura. A resposta está dada: Ventura vale quase um milhão e meio de votos. O Chega ainda só vale pouco mais de meio milhão. Ou seja, cerca de um terço. Mas as palavras a reter aqui são “ainda só”.
Fica claro, depois destas autárquicas, que o Chega ainda não é um partido com grande implantação no território e continua a depender excessivamente do seu líder. É nele que os eleitores parecem ver uma espécie de figura messiânica, um líder pelo qual aspiram e que não reconhecem em mais nenhum elemento do Chega. É por ter consciência disso que Ventura espalhou a sua fotografia em 308 municípios e se candidata a tudo o que pode. Porque é ele que carrega sozinho o sucesso do partido.
Mas estas autárquicas, mesmo parecendo um revés duro para as ambições de André Ventura, podem, na realidade, dar-nos algumas pistas para o futuro. Basta olhar para alguns factos.
Em apenas quatro anos – desde as autárquicas de 2021 – o Chega triplicou a votação, conquistou três autarquias e conquistou 137 mandatos, entre vereadores e deputados municipais. Se compararmos esta evolução com a do Bloco de Esquerda – um partido com mais 20 anos de história –, facilmente se percebe que a diferença é abissal. Em todo o seu percurso, o Bloco só liderou uma autarquia – e correu mal – e a melhor votação que teve em autárquicas nunca chegou sequer aos 200 mil votos.
A comparação não nos permite adivinhar o futuro, nem tampouco antecipar uma hegemonia do Chega em próximas eleições autárquicas, até porque isso depende de múltiplos fatores.
Depende, desde logo, do desempenho dos novos eleitos do partido nos vários municípios. Mas depende também da capacidade que os restantes partidos tiverem de se regenerar e de se reencontrarem com o eleitorado. Seja a nível local ou a nível nacional. Se isso não acontecer, os eleitos do Chega nestas autárquicas podem ser a ponta de um icebergue em formação.
Do ponto de vista da perceção, esta derrota eleitoral do Chega nas autárquicas pode passar rapidamente para segundo plano daqui a três meses. As presidenciais, onde Ventura é novamente candidato – apesar de não querer ser Presidente –, vão ser, na realidade, um novo barómetro para percebermos se o criador continua a valer mais do que a criatura. Ou se, pelo contrário, criatura e criador estão à beira de atingir o seu Peter.