Ressonou esta noite? Saiba que pode ser uma "bandeira vermelha"

6 jan 2022, 06:45
Dormir

É frequente associar o ressonar a uma boa noite de sono, mas será que é assim mesmo? E porque é tão difícil deixar este hábito? A CNN Portugal reuniu respostas a estas e outras questões junto de especialistas em medicina do sono

Apontado por alguns teóricos como um mecanismo de defesa para afastar potenciais predadores do Homem no passado, ressonar chegou mesmo a ser associado, mais recentemente, a uma boa noite de sono. Porém, ressonar é, na verdade, "um sinónimo de dormir mal", como explicaram à CNN Portugal três especialistas em medicina do sono, que revelaram como este hábito, que causa tanto mau-estar entre casais e condiciona a qualidade do sono, pode ser uma "bandeira vermelha" para alertar para outras patologias que merecem a nossa atenção.

Porque ressonamos?

De acordo com a médica Isabel Luzeiro, especialista em medicina do sono, a roncopatia - designação científica do ressonar – é uma vibração provocada por uma obstrução da passagem do ar através da faringe e do palato (comumente designado por céu da boca). 

Essa obstrução pode ter várias causas, nomeadamente a congestão nasal, obesidade, consumo de bebidas alcoólicas, que atuam como um relaxante muscular, medicamentos e anomalias que bloqueiam o fluxo do ar, como amígdalas aumentadas ou desvios do septo nasal.

Com o avançar da idade, o ressonar torna-se também mais frequente, uma vez que as paredes da faringe ficam “mais flácidas”, provocando um estreitamento das vias aéreas, o que, por sua vez, cria um ambiente propício à vibração.

E os números não deixam dúvidas: de acordo com os dados avançados por Isabel Luzeiro, pelo menos 30% dos homens acima dos 30 anos ressonam, enquanto nas mulheres este hábito só se começa a verificar após os 50 anos de idade, geralmente depois da menopausa. Assim, a partir dos 50 anos, “60% das pessoas que ressonam são homens e 40% são mulheres”, acrescentou.

Embora ressonar seja considerado por muitos como um ato normal, sendo muitas vezes associado a uma boa noite de sono, na verdade “o normal é não ressonar”, como explicou à CNN Portugal o médico Anselmo Pinto, especialista em otorrinolaringologia e medicina do sono.

“É extremamente importante que um indivíduo que ressone vá ao médico. Eu lamento dizer isto, com todo o respeito que tenho pelos meus colegas, mas não se dá a devida importância ao ressonar”, salientou o especialista, alertando que a roncopatia pode ser uma “bandeira vermelha” para outras patologias. “Pode ser tudo, até pode ser um cancro”, acrescentou, lembrando a necessidade de avaliação e diagnóstico.

Além disso, “ressonar é um sintoma cardinal da apneia do sono”, lembrou o médico Tiago Sá, também especialista em medicina do sono, referindo-se à doença caracterizada por paragens da respiração durante o sono e que tem como consequências arritmias cardíacas, enfartes, hipertensão arterial, entre outras. 

“Não quer isto dizer que todas as pessoas que ressonam tenham apneia do sono (...), mas só é possível fazer esta ligação com um diagnóstico”, afirmou Tiago Sá, diretor clínico da SleepLab, acrescentando que é frequente aparecerem em consulta pessoas contrariadas levadas pelos seus companheiros, que dizem dormir bem e não ressonar, mas, posteriormente, os resultados clínicos mostram, “muitas vezes, apneias de sono graves”. 

Quais são, então, os tratamentos disponíveis?

Depois de submeter o paciente a um estudo do sono - o chamado registo poligráfico noturno, que permite diagnosticar se o indivíduo ressona, se desenvolve apneias do sono, qual a sua frequência cardíaca ao dormir, qual a posição em que dorme, entre outros indicadores -, os médicos tratam de prescrever a terapêutica que melhor se ajusta a cada caso.

Segundo o médico Tiago Sá, existem já algumas opções terapêuticas tanto para a apneia do sono, como para a roncopatia, nomeadamente os Dispositivos de Avanço Mandibular (DAM), que, de acordo com o especialista, “são particularmente eficazes nos casos de apneia ligeira e nalguns casos de apneia de gravidade moderada”. Estes dispositivos tratam-se de umas próteses dentárias que se colocam na boca durante a noite e que corrigem a mandíbula, permitindo a “redução ou mesmo a resolução das queixas de roncopatia”.

Nos casos em que o indivíduo ressona como consequência da posição em que dorme, ou seja, se ressonar apenas quando dorme de barriga para cima, é recomendada a utilização de posicionadores que emitem um vibrar quando o indivíduo se coloca em posição supina, obrigando-o assim a dormir na lateral. 

Quando o indivíduo desenvolve apneias de gravidade moderada a acentuada, os especialistas recomendam a utilização do CPAP, um ventilador que atua através da pressão positiva contínua nas vias aéreas, desobstruindo-as e prevenindo assim o bloqueio da respiração.

Cirurgias têm "sucesso imediato", mas nem sempre "duradouro"

Nalguns casos em que se verificam anomalias a nível interno, como amígdalas aumentadas ou desvio do septo nasal, poderá ser necessário proceder a uma intervenção cirúrgica. Contudo, estas nem sempre resolvem o problema, como explicou à CNN Portugal o otorrinolaringologista Anselmo Pinto, apontando como exemplo a uvulopalatofaringoplastia, que, tal como o nome indica, é uma cirurgia à úvula, ao palato e à faringe. 

Anselmo Pinto disse ter sido dos primeiros médicos a proceder a esta cirurgia, mas foi também dos primeiros a dizer que “não funciona” nalguns casos. “Não estou a dizer que não funciona a 100%, mas que nada é garantido”, salientou, acrescentando que é possível o organismo “readaptar-se” à cirurgia, por vezes pouco tempo depois da intervenção. 

Por essa razão, o médico salientou a importância de que estas intervenções cirúrgicas sejam “muito bem ponderadas” numa discussão entre médico e paciente quanto aos potenciais riscos e benefícios.

“Eu posso fazer uma ou duas cirurgias e garantir um sucesso imediato, mas não duradouro. (...) O tratamento não é linear. O único tratamento que eu posso dizer que tem grandes hipóteses de resolver [a roncopatia] é nas crianças com adenoides e amígdalas aumentadas, que têm dificuldades respiratórias, mas mesmo nesses casos não garanto que eles não comecem a aumentar de peso, por qualquer razão, e que não voltem outra vez a ressonar”, explicou.

Também a médica Isabel Luzeiro, especialista em medicina do sono, ressalvou que “as cirurgias são uma medida transitória", e, portanto, "não têm efeitos duradouros”, pelo que o sucesso destas intervenções também depende de outros fatores, desde o comportamento do indivíduo ao avançar da idade.  

"Inicialmente podemos ter algum efeito com algumas medidas que tomamos, mas depois, com o tempo, o ressonar vai sendo cada vez mais frequente e mais profundo", acrescentou.

Nesse sentido, os especialistas recomendam a prática de exercício físico e a adoção de uma alimentação saudável para controlar o peso, uma vez que a obesidade é “um fator de risco” que pode provocar a roncopatia e apneia do sono, vincou Isabel Luzeiro. 

Relacionados

Saúde

Mais Saúde

Patrocinados