«Seleção tem jogadores com conceitos de jogo diferentes»

15 mai 2015, 10:18
Fernando Santos (LUSA)

Fernando Santos responde aos leitores

É possível falar de um modelo de jogo na seleção, onde há pouco tempo para trabalhar com os jogadores? É mais difícil encontrar caminhos numa seleção com jogadores de vários campeonatos e realidades diferentes? Mais que uma questão de leitores à volta deste tema. Fernando Santos explica como começou a aprender na Grécia métodos para encurtar tempo e distâncias, como se gerem os poucos dias de trabalho na seleção, recorda o factor comum aos momentos de maior sucesso da Seleção Nacional e fala das dificuldades adicionais de treinar uma equipa com as características da seleção atual.

Pergunta

 
Olhando para a disparidade de clubes e campeonatos onde jogam grande parte dos nossos internacionais, como é que o selecionador trabalha  o seu modelo de jogo, tendo em conta o tempo muito reduzido de treino? Sabendo que frequentemente os países campeões europeus e mundiais apresentam modelos de jogo importados dos principais clubes do seu campeonato, (Barcelona e Real Madrid em Espanha\Bayern Munique e Dortmund na Alemanha) o que pode a FPF fazer para que se crie uma cultura comum a todo o futebol praticado em Portugal?
Sandro Barbosa, Viseu


Fernando Santos


«Todas as equipas têm que ter um modelo de jogo. Não um sistema no sentido se sistema tático, no sentido do passado, do 4x3x3 ou 4x4x2 . Agora modelo, filosofia, obviamente que terá de ter sempre, sob pena de nunca poder funcionar como um coletivo. O jogo é coletivo, se não tivesse pontas por onde as coisas se ligassem naturalmente não podia funcionar. Terá sempre um modelo como premissa.

Agora, o modelo assenta essencialmente naquilo que queremos fazer nos vários momentos do jogo. Excetuando as bolas paradas, porque é um momento importante do jogo mas não vamos agora detalhá-lo, é o que pretendemos fazer em cada um dos momentos do jogo, aqueles em que temos bola e em que não temos bola. Quando estamos em ação ofensiva ou em ação defensiva e quando é que no momento da perda ou da recuperação de bola o que é que fazemos. Obviamente que esses princípios são sempre definidos.

A pergunta parece-me ter mais a ver com o tempo que há para os pôr a funcionar, criar automatismos em relação ao conceito que a equipa tem de cada vez que enfrenta um jogo.

Isso nas seleções é obviamente extremamente limitado. O que se procura fazer, o que eu aprendi com o tempo que estive na Grécia, e tive que aprender rapidamente porque não tinha essa noção, foi que este trabalho é feito muito através de passagem de mensagens. Hoje em dia felizmente temos alguns meios que nos permitem passar essa mensagem, mas também muito através da palavra, da conversa que se vai tendo. Depois procurando que, em treino, visto que eles são tão poucos, as coisas sejam muito simples. Ou seja, muito direcionadas a determinados pontos.

Na seleção não perdemos tanto tempo com questões de ordem técnica, porque à partida também os jogadores ao nosso serviço nos permitem que passemos um pouco ao lado disso. O nosso trabalho é essencialmente tático. Há três vertentes tradicionais do treino, que hoje em dia já não se podem se calhar considerar assim, porque estão de tal maneira integradas. São o treino físico, técnico e tático, além do psicológico, obviamente. Mas nas seleções há duas que ficam claramente de forma: a parte física e técnica. Resta só a parte tática. Aí aproveitamos todo o tempo disponível que temos para o tentar aperfeiçoar. Agora, é sempre mais difícil».

Pergunta


Gostava de entender como faz um selecionador nacional para conseguir treinar, em tão poucos dias, uma equipa para os jogos de qualificação. Sabendo que as rotinas tácticas se treinam com repetição de movimentos, com tempo, como consegue que a equipa jogue como pretende?! Aceita que muitas vezes não há tempo para treinar os jogadores e é a sua qualidade individual e as rotinas das suas equipas profissionais que desequilibram os jogos? Por exemplo a seleção alemã no último Mundial com 7 a 8 jogadores do Bayern Munique, a seleção portuguesa do Euro 2004 com 6 jogadores do FC Porto, a seleção espanhola que dominou o futebol mundial com 6/7 jogadores do Barcelona, entre outras. Como fazer com a selecção portuguesa, onde as equipas mais poderosas do seu campeonato não jogam praticamente com nenhum jogador português, com exceção do Sporting?

Francisco Zeferino

Fernando Santos


«A pergunta encerra uma questão que não sei como se resolve. É verdade que quem ganha as grandes provas europeias, mundiais, as grandes competições de seleção, são normalmente as seleções que têm por base equipas. Isso aconteceu até no melhor de Portugal, se consideramos que em 1966, mesmo em França, em 1984, e em 2004, esses três grandes momentos do futebol português fundamentaram-se nisso. O primeiro essencialmente na equipa do Benfica, todo o meio-campo e o ataque eram do Benfica. Depois no segundo momento à volta de Benfica e FC Porto e o terceiro momento essencialmente à volta do FC Porto, todo o setor defensivo e do meio-campo eram do FC Porto.

Obviamente, isso facilita e muito o trabalho. Portanto, quando o leitor diz isso diz com alguma razão, mas nem todos os casos e a maioria dos casos não são assim. Agora, é mais fácil criar uma equipa e esses automatismos quando podemos assentar o trabalho na base de uma ou duas equipas. A seleção portuguesa, como sabe, tem jogadores oriundos de muitos clubes, ainda por cima com conceitos de jogo muito diferentes, até naquilo que é a base de arrumação da equipa. Obviamente que isso torna as coisas mais difíceis, mas nós não estamos aqui para pensar nas dificuldades, estamos aqui para pensar nas soluções, e é aquilo que procuramos fazer».

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