Rayan: da esperança ao desalento. As 100 horas que terminaram com a notícia que ninguém queria dar

5 fev 2022, 23:19

As autoridades locais desde cedo perceberam que o resgate da criança de apenas cinco anos seria uma operação difícil e delicada dada a dificuldade de acesso ao poço

Foi na passada terça-feira que Rayan, um menino de apenas cinco anos, caiu acidentalmente para um poço seco a uma profundidade de 32 metros, sem que ninguém tivesse dado por isso. O menino estava a brincar próximo do local, que pertence à propriedade onde moram os pais, na pequena aldeia de Ighran, no norte de Marrocos, quando acabou por cair acidentalmente.

As circunstâncias exatas sobre como a criança caiu no poço não são claras, mas a mãe disse ter descoberto o menino depois de o ouvir a chorar. “Toda a nossa família saiu à procura dele. Só passado algum tempo é que nos apercebemos que ele tinha caído para o poço”, contou a mãe de Rayan, Wassima Kharchich, à imprensa local.

A família alertou de imediato as autoridades, que, assim que chegaram ao local, perceberam que o resgate da criança seria uma operação delicada, dada a dificuldade de acesso ao poço, com 32 metros de profundidade e cerca de 25 centímetros de diâmetro.

Assim que iniciaram os trabalhos de resgate do menino, a família e os socorristas foram envolvidos numa onda de apoio, com a hashtag #SaveRayan [Salvem o Rayan] a tornar-se viral. Pela televisão ou pela Internet, a operação de salvamento chegou a ter em simultâneo cerca de 100 mil pessoas, não apenas marroquinos, mas argelinos, franceses, portugueses, gente de todo o mundo.

Na quinta-feira, os socorristas conseguiram transportar oxigénio e água para o fundo do poço, através de uma corda, tendo também feito descer uma câmara de vigilância, para monitorizar a criança, o que permitiu perceber que estaria viva e que apresentava apenas alguns ferimentos ligeiros.

“Consegui comunicar com a criança e perguntei se me conseguia ouvir. Houve uma resposta. Esperei um minuto e vi que ele começou a usar o oxigénio”, contou à imprensa um voluntário do Crescente Vermelho que se encontra no local.

O pai do menino contou à imprensa local que viu o filho beber água: "Ele estava a mexer-se e bebeu um pouco de água. Acredito que ele ficará bem."

Na sexta-feira a operação de resgate entrou numa fase decisiva, com o início da perfuração de um túnel horizontal de três metros para chegar à criança - uma operação delicada devido ao risco de deslizamentos de terra por causa da natureza do solo, com algumas camadas arenosas e outras rochosas.

Com o risco de desabamento a aumentar cada vez mais, as autoridades foram obrigadas a mudar de estratégia. Não chegava escavar, ainda que muito lentamente, um buraco paralelo. Para assegurar o sucesso da operação, dada a instabilidade do solo, os socorristas recorreram a manilhas de betão, para que pudesse ser assegurada uma passagem segura para o pequeno Rayan sair do poço.

Ao início da tarde deste sábado, as autoridades locais davam conta de mais desenvolvimentos, com a entrada da equipa de socorro no túnel escavado até ao poço e a mobilização de bombeiros e uma ambulância no local, bem como de um helicóptero prontos para socorrer Rayan.

O chefe da operação de resgate, Abdelhadi Temrani, indicou à imprensa local que os socorristas estavam a apenas dois metros de alcançar a criança. "Os escavadores encontraram uma rocha enorme no caminho, e, por isso, tiveram muito cuidado para evitar a ocorrência de deslizamentos de terra. Demorou cerca de cinco horas para ultrapassar a rocha porque a escavação foi lenta e foi feita de forma muito cuidadosa para evitar fissuras no buraco, o que poderia colocar a vida da criança em perigo, bem como a dos próprios socorristas", disse Temrani.

A criança acabou por ser resgatada às 21:33 (20:33 horas de Lisboa) deste sábado, mas já sem vida. Rayan foi transportado até uma ambulância, envolto num cobertor amarelo, que saiu do local com a ajuda de um cordão de segurança, devido à presença de milhares de pessoas - houve quem tivesse até dormido em árvores -, que entoavam "Deus é grande!". Perto da viatura estavam já os pais, que acompanharam todo o processo de perto, num resgate que durou cerca de seis mil minutos. Aliás, Wassima Kharchich e Khaled Oram foram os anfitriões das centenas de pessoas que se deslocaram à localidade que fica a cerca de 96 quilómetros de Chefchaouen. Ao longo de quatro dias, e à medida que ia sendo apoiada, a família serviu pratos típicos marroquinos, como couscous, enquanto a impaciência por novidades se acumulava.

De acordo com um comunicado divulgado pelo Palácio Real poucos minutos depois do resgate da criança, o Rei Mohammed VI enviou "as mais profundas e sinceras condolências" à família do menino.

"Na sequência do trágico acidente que culminou com a morte de Rayan Oram, Sua Majestade, o Rei Mohammed VI, (...) fez uma chamada telefónica ao senhor Khaled Oram, e à senhora Wassima Khersheesh, os pais do menino que morreu depois de cair num poço", pode ler-se no comunicado citado pela agência Efe.

No mesmo comunicado, o Rei disse ter estado a acompanhar atentamente a operação de resgate, tendo dado indicações oficiais para que as autoridades locais "utilizassem todos os meios necessários para retirar o menino com vida". Mohammed VI saudou os socorristas pelo seu trabalho incansável e a comunidade pelo apoio que foi transmitindo ao longo dos dias à famíia do menino.

 

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